Entrevista

Manejo de plantas daninhas exige planejamento, assertividade e eficiência

O professor Leandro Paiola, fitotecnista da Universidade Federal do Paraná (UFPR), destaca os principais desafios atuais em plantas daninhas

O manejo de plantas daninhas apresenta cada vez mais desafios aos produtores rurais. Nesse contexto, fundamentos como planejamento, assertividade e eficiência são essenciais para realizar investimentos no controle de plantas daninhas.

O professor Leandro Paiola, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), destaca os principais desafios atuais em plantas daninhas, o potencial de prejuízos e também estratégias para o manejo em entrevista cedida ao Portal Destaque Rural.

Destaque Rural: Quais são os principais desafios atuais no controle de plantas daninhas?

Leandro Paiola: Quando nós pensamos em cenários e desafios, tanto as folhas largas quanto as folhas estreitas nos preocupam muito. Ainda mais com o agravante do surgimento de casos de resistência, destaco da buva, por exemplo, com suas resistências múltiplas, não só mais à glifosato, mas também à inibidores da ALS, como é o antigo Clorimurom, e outros mais, como é a questão de inibidores do fotossistema I, a exemplo do Diquat, o antigo Paraquat, e não tão recente assim, mas mais assustador, a questão do 2,4-D, buva que não morre a 2,4-D.

Nós podemos pensar também, para quem está mais para o Cerrado ou no Centro-sul, o capim-pé-de- galinha vem chamando bastante a atenção. No passado, a gente falava que vassourinha-de-botão era só coisa do Matopiba, do Pará e do Mato Grosso, numa história mais recente. Mas hoje nós temos áreas, bolsões aqui no estado do Paraná, assim como temos mais ao sul do Rio Grande do Sul, no Mato Grosso do Sul, com vassourinha-de-botão nas suas diferentes espécies.

Nós podemos voltar mais ao passado e olhar para a questão do capim-amargoso também, que chamava muita atenção no passado, mas ainda continua desafiando muitos produtores em algumas regiões, seja no oeste do Paraná, seja no sul do Mato Grosso do Sul, assim como no país vizinho, Paraguai. E não é só resistente à glifosato, tem alguns lugares com suspeita de resistência à graminicidas, como é o caso do pé-de-galinha.

Nós podemos voltar para as plantas tolerantes também, seja elas folhas largas ou estreitas, monocotiledôneas ou dicotiledôneas, destaco a poaia, além da vassourinha-de-botão, ambas da mesma família, e também posso mencionar a trapoeraba, que é bem conhecida de sul a norte do país e que vem aumentando ano após ano.

Então dá para ver que desafio não falta. Quem é das antigas deve lembrar bem da trindade do mal, que é o picão, caruru e leiteiro. Está voltando a aparecer muito, especialmente mais ao sul o caruru, aqui na fronteira com o Paraguai mais picão e o leiteiro em algumas regiões. Destaco essas três espécies agora com novas resistências e não só resistência aos inibidores da ALS, mas também à glifosato. Então tudo isso nesse combo, “demoníaco”, vamos dizer assim, está aí para realmente assustar o nosso produtor.

DR: E para tirar produtividade também da lavoura de soja. Você faz uma associação muito interessante nas apresentações, que é comparar a perda a uma caminhonete, por exemplo. Isso você usa para descrever o tamanho do impacto financeiro. Como funciona?

LP: Às vezes nós e às vezes o agricultor não está apercebido, não está sintonizado com essa realidade de perda substancial, real, que pode acontecer. A gente sempre brincava com a Hilux, falava, “uma planta de buva por m², na média da área de 14% ou mais, seria uma Hilux que vai para o ralo a cada 300 hectares aproximadamente”. Mas agora a camarada da vez é a Ram. Então eu parto para uma outra espécie que vem assustando bastante, além da buva, que é o capim-pé-de-galinha. Uma touceira de pé-de-galinha por m² na média da área vai te roubar uma Ram a cada 420 hectares. Então é muito dinheiro. Materializa quando a gente coloca uma caminhonete, porque a gente vê aquele mato lá e fala assim: “não, eu não vou investir nisso, não vou gastar”. Na verdade, quando a gente coloca o herbicida no sistema bem posicionado não é um gasto, é um custo que é investimento.

Na verdade, quando a gente coloca o herbicida no sistema bem posicionado não é um gasto, é um custo que é investimento.

Leandro Paiola – professor da UFPR

Eu sei que esse custo pode aumentar em até 222%, igual diz a Embrapa, ou 173%, igual nós trazemos em trabalho de pesquisa nosso. Mas apesar desse custo aumentar, é melhor ficar com o custo do que com o mato. É melhor até ficar com a fitotoxicidade, que um herbicida pré ou pós-emergente venha a causar, do que com mato. Porque causa muita matointerferência. Eu estou mencionando só os dados de competição desse mato, seja o pé-de-galinha ou buva, ou tantos outros, que roubam nosso dinheiro, em competição por água, luz, nutrientes, ou seja, está tirando o adubo que o produtor colocou para adubar soja e não está indo para a soja, está indo para o mato. Está tirando a água que muitas vezes é escassa. O Rio Grande do Sul passou por muitos anos de seca e aqui [Paraná] passou por seca recente no milho, na soja, então está roubando a água que era para ser para a soja.

Então quando eu penso em matointerferência global, não é só essa competição direta, pode ser uma dificuldade para colher, pode ser nematóide que está sendo criado, pode ser uma ponte verde para algum problema fitossanitário. Então a gente tem que estar muito sintonizado com essa interferência, essa problemática do mato, que não é só competição.

DR: E também a seleção, quanto mais espécies você têm, mais fácil de selecionar espécies resistentes?

LP: Todas essas plantas que mencionamos hoje ou são tolerantes, o que é natural, ou são resistentes, ou seja, aquilo que morria e agora não morre mais porque matou todos os fracos e ficou só os fortes. Isso aconteceu e vem acontecendo com o glifosato e vem acontecendo com graminicidas no pé-de-galinha, por exemplo. Então a gente tem que realmente fazer um manejo mais assertivo, que não envolva, é claro, só ferramentas químicas, mas que envolva todas as estratégias possíveis. Cobertura de solo e boas práticas de manejo como um todo são muito importantes para preservar as tecnologias que nós temos.

DR: Aqui na região [Paraná] já estão finalizando a colheita do milho safrinha. A partir de agora entra em um momento de preparação para o controle de plantas daninhas para a cultura da soja, para semear a soja no limpo. Quais são as estratégias, a partir desse momento, que o produtor deve avaliar?

LP: No ano passado, o milho estava longe de sair ainda em algumas regiões, mas na nossa região e em outras pelo Brasil afora, o milho já saiu ou está saindo do campo, então a janela vai ser bem longa. O milho saiu em junho e julho. Isso vai dar mais de 60 dias, dependendo da região, da época de semeadura da soja. É uma janela longa, é uma janela de oportunidades para a gente agir, mas é uma janela desafiante porque tem condições ambientais desfavoráveis.

É uma janela de oportunidades para a gente agir, mas é uma janela desafiante porque tem condições ambientais desfavoráveis.

Mas antes eu quero voltar um pouquinho mais. A gente muitas vezes é questionado: “quando eu começo a manejar o mato?” E a gente sempre fala: “agora”. Às vezes eu não vou conseguir agir agora, efetivando a aplicação do produto A, B ou C, mas eu posso pelo menos planejar. E quando eu penso no sistema produtivo de soja e milho segunda safra, o milho, por exemplo, podia sair mais limpo do que está saindo aqui na região como um todo. Eu poderia fazer o milho-braquiária, eu podia ter usado uma dose de atrazina e terbutilazina cheia, bons herbicidas com efeito residual para segurar esse mato, entregando uma área mais limpa.

No sistema produtivo a sucessão é importante também. Nós também temos que entregar uma boa herança para o ciclo seguinte. E o que seria uma boa herança pensando no manejo de plantas daninhas? Quanto mais limpa eu entrego a área, melhor é para a sucessão, melhor é para a cultura sucessora, no caso, a soja. Se a área saiu suja, eu tenho que fazer ações remediativas e paliativas. Eu não estou sendo proativo, eu estou sendo reativo, mas tem que fazer alguma coisa.

Nesse sentido, eu quero colocar três princípios que a gente gosta de preconizar muito […], que poderia ser entendido também como o tripé dessa dessecação de entressafra, ou seja, preparando esse caminho para a soja. E não é só o sistema soja-milho, em diferentes regiões do país eu vou ter às vezes o trigo antecedendo a soja, o algodão antecedendo a soja, o sorgo antecedendo a soja, mas vamos focar em soja-milho.

As três premissas são: primeiro, faça dessecação o mais cedo possível, nas melhores condições possíveis. Isso nem sempre é fácil. Como eu vou pegar as melhores condições? Às vezes aplicando de madrugada, mas aplicando logo depois da colheita do milho com a umidade remanescente de uma última chuva. Então eu vou ter que bolar uma estratégia para atingir esse objetivo porque ele é essencial. Se eu deixar esse período passar muito, as plantas vão crescendo, vão passando de estádio e espécies como a buva, que são muito sensíveis ao estádio no seu controle na pós-emergência, vão ficar muito mais dramáticas para se controlar lá na frente. Então é essencial pegar essas plantas novinhas logo após a colheita do milho. Baixou a palha, age o mais cedo possível. Então essa seria a primeira premissa.

A segunda, faça todas as sequenciais que porventura forem necessárias. Esse ano a janela vai ser longa, eu vou ter 60 dias para quem for semear no começo de setembro. Então eu tenho que fazer um programa de manejo que prevê a possibilidade, se necessário for, de fazer uma terceira intervenção e não só duas. Não é com one shot, uma aplicação só, que eu vou tirar, nunca, especialmente alvos como buva e outras gramíneas, que é o caso do pé-de-galinha, como é o caso do amargoso. Falando de folhas largas, entra a trapoeraba e a poaia, dificilmente uma vassoura-de-botão vai sair com uma aplicação só. Então eu entendo que tem sequenciais e eu tenho que fazer quantas forem necessárias […] para preparar esse caminho bem certinho para a soja entrar no limpo. E muitas vezes na sequencial eu vou ter que separar produtos para evitar antagonismo.

E a terceira e última [premissa], faça um bom acabamento, fecha bem esse ciclo de preparo, fazendo um bom aplique, plante, plante, aplique. E, de preferência, incluir nessa aplicação misturas que são sinérgicas e pré-emergentes.

DR: Depois de nós abordarmos toda a problemática e os prejuízos que as plantas daninhas causam na cultura da soja, quais as ferramentas que a gente pode utilizar para contribuir nesse manejo?

LP: Em termos de ferramentas no controle químico via herbicida, a gente tem muita coisa ainda no mercado que pode ser feita, especialmente em termos de misturas. Misturas que sejam potencialmente sinérgicas, que tenham no mínimo um efeito aditivo, ou o sinergismo, que é como se eu gerasse um novo produto a partir das combinações.

DR: Sinergismo é quando uma ferramenta contribui com a outra?

LP: Perfeito, é o oposto de antagonismo. O antagonismo clássico, por exemplo, são misturas de alguns auxínicos com graminicidas. Misturar, por exemplo, um Verdict®, um Haloxyfop com 2,4-D. Esse antagonismo pode ser altíssimo. Agora eu posso pegar um auxínico, como é o Halauxifen, e misturar Haloxyfop e não ter problema. Então depende muito e é muito importante que o produtor esteja atento a essas casadinhas porque cada vez mais elas são importantes. É como se eu gerasse outro produto a partir da combinação, mas muitas vezes as misturas são para ampliar o espectro também.

Essa é a importância das misturas e de evitar aqueles produtos que não fazem mais o efeito desejado. Misturas assertivas, misturas que dão resultado. Não fique no mais do mesmo, naquela receita de bolo que não funciona mais, a gente tem que inovar e tem que procurar essas misturas que sejam mais sofisticadas. Custo alto, produto caro é aquele que não funciona. Se está funcionando, é investimento. Nós temos que pensar dessa forma. Entra com eficiência, entra para resolver, já que vai entrar, entra na hora certa, do jeito certo e fazendo a coisa certa.