Clima

O que podemos esperar do clima com a volta do La Niña?

O Portal Destaque Rural conversou com um dos autores do recém-lançado livro “El Niño Oscilação Sul: clima, vegetação e agricultura”, o pesquisador Gilberto Cunha

Os impactos dos fenômenos El Niño e La Niña estão cada vez mais evidentes, especialmente para os produtores rurais. No Sul do país, o fenômeno La Niña entre 2020 e 2023 foi responsável por um período longo de estiagem que frustrou as safras de verão. Já o El Niño entre 2023 e 2024 está entre as causas das chuvas intensas no segundo semestre do ano passado, que impactaram a safra de inverno, e pelos eventos climáticos extremos de abril e maio deste ano, que levaram às enchentes.

Nesta quinta-feira (13), a NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) confirmou oficialmente o fim do fenômeno El Niño. Esse decreto marca também o início da vigência de um período de neutralidade até o início do fenômeno La Niña, previsto para os próximos meses.

Para entender os possíveis impactos desses fenômenos, o Portal Destaque Rural conversou com um dos autores do recém-lançado livro “El Niño Oscilação Sul: clima, vegetação e agricultura”, o pesquisador Gilberto Cunha, da Embrapa Trigo de Passo Fundo-RS. A obra está disponível para download gratuito no site da Embrapa.

O livro “El Niño Oscilação Sul: clima, vegetação e agricultura” está disponível para download gratuito no site da Embrapa | Foto: Leonardo Wink/Destaque Rural

O que é El Niño Oscilação Sul e o que são os fenômenos o El Niño e La Niña?

Na verdade, El Niño Oscilação Sul é a junção do componente oceânico, no caso o El Niño e o La Niña, com a atmosfera, que é representada pelo fenômeno Oscilação Sul. Esse fenômeno tem duas fases, uma fase chamada positivo quente, que é o El Niño, e uma fase fria ou negativa, que é o La Niña. É um fenômeno de acoplamento da superfície do Oceano Pacífico com a atmosfera. E o que ele causa é uma modificação, uma alteração no padrão de circulação geral da atmosfera e, com isso, causa perturbações, anomalias climáticas em várias partes do mundo, uma delas é no Sul do Brasil, mas também no norte e no Nordeste e até mesmo no Sudeste e Centro-Oeste.

Quais são os impactos do El Niño Oscilação Sul no Sul do Brasil?

No Sul do Brasil, alguns El Niños, particularmente, aqueles de intensidade mais forte, são responsáveis pelo aumento, pela ampliação das chuvas na nossa região. Então nós tivemos os El Niños clássicos de 1972/73, 82/83, 97/98, 2015/2016 e o mais recente em 2023/2024. O aumento das chuvas, em particular na primavera, é preocupante para os cultivos de inverno, para o cultivo do trigo, da cevada, das aveia e do triticale, porque aumenta muito a umidade na primavera e favorece o desenvolvimento de doenças de espiga por causa da giberela, especialmente, que é de difícil controle. Isso por um lado, mas por outro, os anos de El Niño, por aumentar as chuvas, também são anos que favorecem sobremaneira os cultivos de verão, em particular a soja e o milho.

E o La Niña é o inverso, anos de La Niña são muito bons para os cultivos de inverno e mais problemáticos, com a questão de redução de chuvas, estiagens e secas, trazendo às vezes muitos problemas na nossa agropecuária, como foi a história recente dos três anos de estiagem do La Niña que perdurou entre 2020 e 2023.

A NOAA acaba de confirmar, em junho de 2024, o fim do El Niño. Quais foram as principais características e consequências desse fenômeno?

Gilberto Cunha é pesquisador da Embrapa Trigo e um dos autores do livro “El Niño Oscilação Sul: clima, vegetação e agricultura” | Foto: Leonardo Wink/Destaque Rural

Esse foi um fenômeno de intensidade bastante forte também. Ele efetivamente se configurou no segundo semestre de 2023 e trouxe consequências muito graves, muito ruins, principalmente para a safra de inverno de 2023. Trouxe muitos problemas, não só para a agricultura, mas também em Defesa Civil. Tivemos aquelas cheias, aquelas enchentes aqui em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul do final de agosto e começo de setembro de 2023. E também uma das características mais raras dos anos de El Niño é aumentar as chuvas no outono, foi assim em 1982/83, no mês de maio de 1983 as chuvas foram muito intensas e praticamente dizimaram as lavouras de soja no Rio Grande do Sul, em particular. Neste ano, dispensa comentários, nós tivemos no final de abril e durante todo mês de maio as enchentes que abalaram o estado do Rio Grande do Sul e são consideradas como o maior, o principal desastre climático da nossa história recente, principalmente nos últimos 100 anos.

O que podemos esperar do fenômeno La Niña no próximo semestre?

Com o encerramento do ciclo do El Niño, nós devemos passar por um período breve de transição de neutralidade nas águas do Oceano Pacífico. E, mais para a primavera, nós temos chances muito grandes, todos os indicativos são acima de 70%, da configuração do evento La Niña.

A expectativa, com a volta desse La Niña, é de que tenhamos uma primavera muito diferente de 2023, uma primavera menos úmida, com temperaturas mais amenas, não tão elevadas quanto no ano passado. E, consequentemente, para a agricultura, para os cultivos de inverno, a volta desse La Niña deve ser considerada como bem vista. Num primeiro momento, as culturas de inverno, o trigo em particular, mas também cevada, triticale, aveias, centeio e até mesmo a canola, poderão ser beneficiadas com a volta desse La Niña.

Acende um sinal de alerta para a safra de verão.

Gilberto Cunha – pesquisador da Embrapa Trigo

E por outro lado, acende um sinal de alerta para a safra de verão. Então é bom estarmos atentos à probabilidade, com a permanência desse La Niña, a partir da primavera e pelo menos até o final do verão, de que teremos alguns períodos de estiagem e talvez até mesmo alguns transtornos na agricultura e na área urbana de abastecimento de água, como já como já vivemos no último La Niña.

Quais são as orientações gerais para cultivos aqui no sul do país durante um fenômeno La Niña?

O La Niña, dependendo da cultura, dependendo do cultivo, ele é favorável e positivo. É interessante fazer uma gestão, fazer um manejo das culturas para potencializar a favorabilidade do ambiente para os cultivos de inverno. Mas as coisas não são tão simples quanto aparentam. É sempre necessário que se ponha em prática uma gestão integrada de riscos climáticos na agricultura. Isso passa pela prevenção. Eu diria que a principal recomendação, não importando se for El Niño ou La Niña, é seguir a orientação do calendário de semeadura preconizado pelos atos de Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc). Colocar em prática manejos de cultura que mitiguem e reduzam o impacto das condições adversas e, quando as condições são favoráveis, que potencializem.

É preciso sempre diluir os riscos, diversificando as épocas de semeadura, diversificando ciclos e cultivares e fazendo um bom manejo de cultura. Eu colocaria também como uma prática fundamental a transferência de risco. Isso passa pela adoção de algum instrumento de seguridade rural, seja público ou privado, fazer a transferência do risco para um terceiro.

Então são três práticas fundamentais: a prevenção de riscos, a redução de impactos, com um bom manejo de culturas, e a transferência de riscos com a seguridade rural.

Por que é tão importante conhecer o El Niño e o La Niña?

É fundamental o entendimento porque esses fenômenos, esses dois extremos do fenômeno El Niño Oscilação Sul, são os responsáveis pelas anomalias climáticas extremas que nós temos no Sul do Brasil, para muita chuva, ou, pelo contrário, pela diminuição acentuada das chuvas. É importante também ter o entendimento de que as previsões baseadas em El Niño e La Niña não devem ser nunca interpretadas de forma absoluta, elas são sempre probabilísticas, devem ser vistas em termos de chances de que chova mais ou chova menos. Mas nunca, nunca, de forma categórica.