Entidades representativas avaliam que o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos e Búfalos (PNIB) fortalece a pecuária brasileira. A iniciativa, lançada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), tem como principais objetivos qualificar e aprimorar a rastreabilidade ao implementar um sistema de identificação individual que permitirá acompanhar e registrar o histórico, a localização atual e a trajetória de cada animal identificado.
A medida fortalecerá os programas de saúde animal, incrementará a capacidade de resposta a surtos epidemiológicos e reforçará o compromisso do Brasil com o cumprimento dos requisitos sanitários dos mercados internacionais. O ministro Carlos Fávaro pontuou que o objetivo é dar transparência ao sistema produtivo. “É fundamental. O mundo todo exige a transparência de boas práticas, sejam elas ambientais, sociais ou trabalhistas. E nós temos essa capacidade. Não precisamos ter medo de abrir a rastreabilidade do nosso rebanho”, disse Fávaro.
Resultado de uma parceria entre os diversos elos da cadeia pecuária, o PNIB será implementado de forma gradativa. Os dados serão lançados no sistema pelos próprios pecuaristas, com o apoio das certificadoras, se estes assim o desejarem. A implementação do PNIB será gradual e ocorrerá ao longo dos próximos sete anos. Entre 2024 e 2026, será construída a base de dados nacional. A partir de 2027, todas as fêmeas nascidas terão de ser identificadas por ocasião da vacinação contra a brucelose. A previsão é atingir todo o rebanho até 2032.
A medida foi recebida com atenção pela Federação Brasileira das Associações de Criadores de Animais de Raças (Febrac), que destacou a importância de integrar as associações ao programa. O presidente da entidade, Marcos Tang, ressaltou que as associações já desempenham um papel fundamental na identificação individual de animais, registrando características genéticas, desempenho em controle leiteiro e análises morfológicas.
“As associações não trabalham apenas com rebanhos, mas sim com o indivíduo, e elas já têm essa identificação individual, com suas genealogias e acompanham seus resultados morfológicos e de produção. Um animal registrado na sua associação de raça já possui rastreabilidade, que deve ser validada com o programa federal,” explicou.
O dirigente, que acumula também a presidência da Associação dos Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando), enfatizou a importância de reconhecer o trabalho histórico dessas entidades. “Queremos que as associações sejam respeitadas pelo que já fizeram até aqui, pois elas trabalharam nesse sentido. O animal registrado já tem rastreabilidade, e isso precisa ser complementado pelas normas oficiais federais, não iniciando do zero,” argumentou.
A Febrac defendeu, ainda, que os quadros técnicos das associações podem atuar como agentes do programa de rastreabilidade, aproveitando o acesso que já possuem às propriedades. “As associações, com seus técnicos qualificados, já entram nas propriedades e realizam atividades como o registro genealógico, controle de resultados como controle leiteiro e avaliação de carcaças, entre outros índices, regularmente. Elas podem ser agentes treinados para trabalhar na implementação da rastreabilidade, beneficiando tanto o governo quanto os criadores,” sugeriu Tang.
A Febrac acredita que a colaboração entre as associações de criadores e o governo federal é o caminho para fortalecer ainda mais o setor. “Podemos trabalhar juntos e ambos temos a ganhar. As associações já possuem uma base consolidada de dados e acesso aos produtores, o que pode acelerar a implementação do plano,” concluiu o dirigente.
Novos Mercados
A presidente da Associação Gaúcha de Criadores de Búfalos (Ascribu), a criadora e médica veterinária Desireé Hastenpflug Möller, destacou o avanço da segurança alimentar a partir da iniciativa. “No cenário que o Brasil se encontra hoje de ser um dos maiores exportadores de proteína animal do mundo, a rastreabilidade é de extrema importância visto que estamos tratando sobre segurança alimentar”, observou. “O País só se tornou essa potência por todo o cuidado que os produtores têm ao longo do processo com os seus rebanhos”, disse a dirigente, que cria búfalos das raças Mediterrânea e Murrah desde 2018, em Araricá (RS).
O PNIB entra como um grande um aliado para o setor comprovar e abrir mercados, segundo a presidente da Ascribu. “Saber de onde veio determinado animal, os cuidados e os lugares que transitou ajuda muito a rastrear possíveis enfermidades sanitárias que eles possam vir a ter”. destacou. A medida ainda permitirá que o consumidor seja informado sobre a qualidade do produto. “Ele terá informações sobre a qualidade da carne que está sendo comprada, se vem de uma fazenda do bioma Pampa ou é oriunda de confinamento”, enfatizou.
A presidente da Mesa Brasileira de Pecuária Sustentável (MBPS) e gerente do Programa Carne Angus Certificada, da Associação Brasileira de Angus e Ultrablack (ABA), Ana Doralina Alves Menezes, frisou a oportunidade de abertura de novos mercados que a medida pode alçar. “É um momento especial para a pecuária brasileira. Essa identificação traz garantias sanitárias que o Brasil, que é o maior exportador de carne bovina, busca entregar a novos consumidores”, salientou.
A médica veterinária e criadora Mariana Franco Tellechea, de Uruguaiana (RS), também elogiou o lançamento do PNIB. “Vejo com bons olhos essa iniciativa do Mapa, porque o Brasil é o maior exportador mundial de carne e os mercados estão cada vez mais exigentes com a origem desses animais”, observou a dirigente.
Mariana, que comandou a entidade durante o biênio 2023/2024, lembrou que o Programa Carne Angus Certificada, criado há 25 anos, é a maior iniciativa do gênero existente no País e reúne 27,5 mil produtores. Atualmente, a carne angus de qualidade é embarcada para 41 países, com abates realizados em 53 frigoríficos. De janeiro a novembro, a entidade exportou 2,8 milhões de quilos, crescimento de 9% em relação ao mesmo período de 2023. “A China é o maior comprador da nossa carne”, encerrou.
Avaliação
O coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Júlio Barcellos, lembrou que a rastreabilidade já é uma ferramenta usada há mais tempo pelos produtores, mas espera que o sistema agora seja um pouco mais factível e os pecuaristas possam se ajustar às exigências para que toda a sua produção seja certificada. O médico veterinário, porém, apontou que o cronograma de implementação é muito longo. “Deveria ser um marco regulatório nacional com perspectiva de que os estados desenvolvessem seus sistemas, sempre com uma norma geral”, declarou.
Barcellos disse que o cronograma, até 2027, poderia ser mais curto, principalmente colocando para determinados tamanhos de propriedades. Por exemplo, a partir de 500 cabeças, poderia ser aplicado de uma forma mais vertical para ir ajustando, conhecendo toda a funcionalidade, todo o sistema. “Com os avanços no setor de tecnologia de informações, Inteligência Artificial e blockchains, certamente será mais fácil do que no final da década de 1990, que não avançou como se esperava”, declarou.
O especialista ressaltou, ainda, a necessidade de certificar também as propriedades rurais. “Uma vez elas atendendo à certificação em termos ambientais, do processo produtivo e sanitário e ainda aspectos de natureza trabalhista, teríamos propriedades rurais certificadas. O produto que sai dali não precisaria ter exclusivamente uma certificação individual. O número do indivíduo, mas sim, tudo que sai da propriedade rural certificado”, completou.
Diálogo com o Mapa
No Rio Grande do Sul, a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) está em diálogo constante com o setor produtivo sobre a rastreabilidade, além de conduzir testes com diferentes tecnologias na unidade de pesquisa da secretaria em Hulha Negra. “Além de participar do lançamento do Plano Nacional, também tivemos reuniões com a Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa, em que expusemos o interesse do Rio Grande do Sul em ser um dos primeiros estados a implementar a rastreabilidade, obviamente em construção com o setor produtivo”, destacou o secretário adjunto Márcio Madalena.
Para o diretor adjunto do Departamento de Vigilância e Defesa Sanitária Animal (DDA/Seapi), Francisco Lopes, o Estado tem a capacidade de antecipar entregas de processos e sistema. “Vejo que o longo prazo de início da obrigatoriedade em nível nacional será uma oportunidade para o Rio Grande do Sul sair na frente e conquistar mercados em nível estadual antes do Brasil como um todo”, concluiu.