O manejo de plantas daninhas está cada vez mais complexo na avaliação de especialistas e produtores rurais. No Paraná, além da resistência e da dificuldade de controle, o clima quente e seco está proporcionando condições para a emergência de plantas daninhas características do verão durante a safra de inverno. Essas condições climáticas também dificultam o manejo químico, como explica a coordenadora do setor de herbologia na Fundação ABC, Eliana Borsato, em entrevista à Cobertura da Safra de Trigo 2024, projeto desenvolvido pelo Portal Destaque Rural.
Destaque Rural: Eliana, quais são os principais problemas enfrentados hoje pelos produtores de trigo com relação ao manejo de plantas daninhas?
Eliana Borsato: Pensando em plantas daninhas em cereais de inverno, as espécies que predominam e que mais incomodam os produtores, em folha estreita é o azevém, e em folha larga, a gente tem visto um aumento expressivo das áreas com dificuldade de controle de nabo e buva, também temos algumas áreas com problema de cravorana e, pela condição climática que a gente está vivendo hoje, com temperaturas mais altas, estamos observando a presença de plantas daninhas de verão dentro do inverno. Então áreas com corda de viola, trapoeraba e caruru, são infestantes que também estão ganhando espaço dentro dos cereais de inverno.
DR: Com relação ao manejo de gramíneas, principalmente o azevém na cultura do trigo, tem ficado cada vez mais complexo esse manejo. Por quê?
EB: O azevém, após a saída do Paraquat, aumentou muito em expressão dentro dos cereais de inverno devido à dificuldade de controle na dessecação pré-plantio. Tudo começa antes do plantio da cultura, se eu não tenho uma boa dessecação antes de plantar, dentro da cultura o manejo se torna cada vez mais difícil.
Fora isso, a gente teve o avanço das resistências. Então a gente tem problema de azevém resistente à ALS, que é a base de uma recomendação de azevém. Quando a gente pede essas estratégias de manejo, temos que buscar herbicidas alternativos. Os herbicidas alternativos foram os graminicidas, inibidores da ACCase. Ao utilizar muito também esse mecanismo de ação, estamos novamente selecionando plantas resistentes. Rio Grande Sul e Santa Catarina vivem hoje um cenário caótico, pensando na resistência de azevém aos graminicidas, e aqui também, dentro dos Campos Gerais, a gente começa a observar dificuldades de controle. Então, se a gente perde os inibidores da ALS, perde os inibidores da ACCase, acaba ficando sem opções de controle de azevém dentro da cultura do trigo.
O que se fala hoje é que o pré-emergente é a base para que o meu pós-emergente possa ter uma boa performance de controle, mas se eu tenho problema de resistência, não é o pré-emergente que vai salvar. Então, dentro da Fundação ABC, a gente sempre buscou medidas pró-ativas e o pré-emergente se encaixa muito bem dentro desse cenário, porque faz o controle da planta antes dela emergir e vai ter uma facilidade, uma flexibilidade maior de manejo dentro da cultura, seja com relação ao estádio da cultura, porque você vai colocar o herbicida de forma mais flexível, às vezes num pré-fechamento de linha, mas principalmente tendo um controle mais eficaz sobre plantas no estádio ideal de desenvolvimento, que são plantas pequenas e poucas plantas.
Eu falo assim, se você tem 100 sementes de azevém no teu solo e deixar essas 100 plantas emergirem, a carga é muito grande sobre o teu herbicida pós-emergente, e quando se usa um pré-emergente, das 100 plantas que teriam potencial de emergir, vão emergir 20. Então a carga sobre o teu pós-emergente vai ser menor, a pressão de seleção da resistência vai ser menor sobre esse manejo na pós-emergência. Hoje a gente fala que o pré-emergente é a base para ter um bom sucesso de controle na pós-emergência, pensando em azevém.
DR: E com relação ao ano, nós estamos vivendo um ano mais quente, você comentou então a respeito do surgimento de folhas largas, que normalmente são problemas nas culturas de verão. O que o produtor pode esperar nesse ano?
EB: Historicamente, aqui na região, a planta daninha que predomina é o nabo, mas o nabo era facilmente controlado pelo metsulfuron no estádio inicial de desenvolvimento da cultura. E quando a gente tinha fluxos mais tardios, a gente fazia o uso de um auxínico. O auxínico tem algumas restrições, a gente tem que tomar muito cuidado com o momento de aplicação na cultura. Por exemplo, o 2,4-D deve ser aplicado sobre um trigo completamente perfilado. Se eu fizer aplicações mais cedo, eu posso perder produtividade e vou ter problemas de deformação da espiga. Então esse manejo acaba ficando mais restrito à fase de pré-fechamento da cultura, mas a gente sabe que essas folhas largas interferem muito no potencial produtivo da cultura no estádio inicial. O nabo também tem problema de resistência para inibidores da ALS. A gente acaba perdendo essa ferramenta e a carga ficou toda para o auxínico, que só pode usar lá no pré-fechamento da cultura e a gente sabe que tem problema de seletividade de aplicações mais cedo. E aí o mato cresce, se desenvolve e vai tirando todo o potencial produtivo da nossa lavoura. Então alguns herbicidas inibidores da Protox estão entrando nesse cenário como uma opção de controle.
Nesse clima seco, quais são as plantas que também podem estar acontecendo junto com a cultura do trigo? A gente tem visto a presença de áreas com trapoeraba e com corda de viola, que são plantas daninhas características do verão entrando no cenário de inverno. Caruru em soja foi a planta daninha do ano. Então a gente teve temperaturas muito altas nos meses de abril e maio. Com isso a gente teve a presença do caruru resistente, não só dentro dos cereais de inverno, mas principalmente nas áreas de cobertura de aveia, é uma planta daninha que era predominante de verão e também avançou no nosso cenário de inverno.
Com as condições climáticas que a gente está vivendo, a gente também tem que ter atenção com relação ao horário de aplicação, presença de orvalho e temperatura no momento da aplicação.
Eliana Borsato – coordenadora do setor de herbologia na Fundação ABC
Começa a ter que montar um quebra-cabeça, porque as opções de herbicidas ficam muito restritas ao estádio da planta daninha, mas com as condições climáticas que a gente está vivendo, a gente também tem que ter atenção com relação ao horário de aplicação, presença de orvalho e temperatura no momento da aplicação. Porque a gente sabe que a performance dos herbicidas em condições de estresse hídrico também é reduzida. Então o cenário começa a ficar cada vez mais complexo, porque eu não posso levar em consideração somente a espécie que está presente. Eu tenho que levar em consideração o estádio da planta daninha, as condições climáticas que eu tenho e qual vai ser o herbicida que eu vou trabalhar, e tem a questão da seletividade.
DR: E a buva, nesse cenário de trigo, às vezes ela se desenvolve no trigo e vai incomodar lá na colheita do trigo e depois na soja. O que você tem a falar sobre essa planta daninha?
EB: A buva era uma planta daninha que tinha um fluxo de emergência preferencial no inverno e parece que ela se adaptou e foi estendendo o fluxo para mais próximo do plantio de verão. Se a gente olhar hoje no campo, a plantinha de buva está começando a emergir. Eu falo que essa buva fica escondida, fica quietinha nos primeiros 60 dias, ela forma como se fosse uma roseta e está lançando um sistema radicular sistemático. Ela tem pouca área foliar, mas ela está lançando o sistema radicular. E, às vezes, por algum motivo, a gente não faz um manejo de folha larga porque acha que tem pouca planta daninha ou passa batido. E quando a gente não faz o manejo dela, depois dos primeiros 60 dias que deu o início no campo, ela vai dar aquele estouro, então ela vai ter um crescimento muito grande com relação à altura e quando você vai colher o trigo, você enxerga a buva.
A dessecação pré-colheita acaba sendo uma estratégia, mas que queima só a área foliar. A gente não tem bons controles de plantas já bem desenvolvidas e a gente vai colher o trigo, vai cortar essa planta e depois eu vou ter problema de rebrote. Não é fácil manejar esse rebrote porque ela já está lá no campo faz muito tempo, lançou o sistema radicular, então é uma planta que é de difícil manejo, porque a gente tem o sistema radicular bem desenvolvido. Vamos ter que adotar algumas estratégias para que tenha bons controles, sem rebrote pré-plantio da soja. Porque se eu não tenho um bom controle antes do plantio da soja, são poucas as opções de manejo na pós e eles são efetivos só para o controle sobre plantas novas, a não ser que a gente adote tecnologias de soja que permitam usar auxínicos ou glufosinato na pós-emergência.
DR: Diante dessas complexidades, é cada vez mais importante levar em conta o sistema produtivo, não pensar em culturas isoladas para o manejo de plantas daninhas. Nesse sentido, como o trigo pode contribuir no manejo de plantas daninhas dentro da produção anual e quais são as estratégias a serem utilizadas durante o ano para não ter uma pressão muito grande de plantas daninhas na cultura?
EB: Para a buva, o melhor herbicida e o mais barato é a cobertura. A buva é muito dependente de luz para emergir. Então, se eu tenho uma palhada sobre ela, eu faço uma inibição do fluxo. Quer uma alternativa melhor para controle de buva que o uso de coberturas? Seja o uso de aveia, seja o uso de cereais de inverno, como o trigo e cevada.
Para essa safra a gente vai ter muita presença de buva no pré-plantio da soja porque a gente não conseguiu bom fechamento de linha e bom desenvolvimento desses cereais de inverno.
Principalmente nesse cenário que a gente está vivendo agora de estresse hídrico, as culturas não estão conseguindo ter bom fechamento de linha. A gente tem plantas de porte mais baixo, o que está permitindo a entrada da radiação na entrelinha. Então eu acredito que para essa safra a gente vai ter muita presença de buva no pré-plantio da soja porque a gente não conseguiu bom fechamento de linha e bom desenvolvimento desses cereais de inverno.
Dentro desse cenário, a dificuldade de controle fica maior. Quando eu faço um controle de buva com plantas pequenas, uma única aplicação é eficaz. Agora, se eu tenho o manejo de uma planta pequena, mas que ficou no campo por um período muito grande, de 60 a 90 dias, passou por condições de estresse hídrico e desenvolveu o sistema radicular, ela parece pequena, mas ela não é fácil de manejar e aí uma única aplicação não resolve. A gente sabe que tem muito problema de rebrota, eu tenho que fazer duas aplicações. E hoje, qual é a recomendação para o manejo de buva? A gente trabalha com produtos de contato, normalmente são os inibidores da Protox, associado ao auxínico. Então o produto de contato traz aquela ação rápida de controle e o auxínico vai ajudar a manejar o meu rebrote. E quando são plantas maiores, a gente precisa fazer uma complementação para garantir realmente o controle total dessa planta de buva. E essa complementação vai entrar no pré-plantio da soja.
Mas quando eu planto trigo eu não tenho esse intervalo, porque eu tenho que dessecar, esperar 14 dias para fazer a complementação pré-plantio. Fica um pouco mais desafiador, porque quanto mais eu esperar para plantar soja, mais eu estou perdendo o potencial produtivo da minha lavoura. Então, num cenário pós-trigo, a gente costuma fazer uma única aplicação porque eu não tenho intervalo, mas também se entende que são áreas mais limpas, onde eu tenho uma facilidade maior de manejo. E aí, dentro desse cenário, eu vou buscar trabalhar com auxínicos, pensando em controle de rebrote, mas que não tenha intervalo de plantio para soja. Qual auxínico eu vou trabalhar no manejo de rebrote? Aquele auxínico que me traz mais flexibilidade com relação ao intervalo. E aí eu vou trabalhar com protox associado. A gente tem que lembrar que tem diferença entre os cultivares de soja com relação a sensibilidade desses protox. Então o acesso à informação é fundamental para definir qual vai ser a melhor estratégia para a área. Quando você não tem esse acesso à informação, você acaba arriscando. Então a gente pode ver muito problema de toxicidade no campo atrelado ao uso desse herbicida.
Pensando nos desafios da soja, o que entraria como base na recomendação? Como eu comentei para trigo, o uso de pré-emergentes. Vamos lembrar do avanço da resistência, o pré-emergente entra como base na recomendação, mas principalmente porque ele traz flexibilidade no manejo de planta daninha na pós-emergência, pensando em glifosato, eu consigo fazer glifosato só no pré-fechamento de linha. Além de uma boa dessecação, o pré-emergente entra no dia do plantio para controlar esse banco de sementes da área.
DR: Então o pré-emergente é uma ferramenta indispensável tanto na cultura de inverno quanto de verão para você entregar uma cultura mais limpa e também um sistema produtivo mais limpo?
EB: O pré-emergente é o facilitador do pós e ele também vai trazer uma maior sobrevida para os pós-emergentes que a gente tem hoje no mercado. A gente sabe da dificuldade que é lançar um novo herbicida e ainda mais trazer novos mecanismos de ação para o sistema, quanto tempo demora para eu desenvolver uma molécula para que ela tenha um uso eficaz e seguro dentro do campo? Antes de pensar em novas ferramentas para resolver os problemas que eu tenho hoje, como eu posso utilizar da melhor forma as ferramentas que eu tenho hoje na minha mão?
Então o pré-emergente entra como um facilitador. Somado a isso, a gente vive cenários de incerteza com relação a preços de produtos. Num cenário que está bem estreita a margem de rentabilidade, tem como a gente trabalhar com bons produtos que inicialmente parecem ter um custo inicial mais alto, mas que vão facilitar o manejo depois na pós. Então vale a pena você fazer um investimento inicial no pré-emergente, porque eu vou ganhar flexibilidade na pós.
Você acaba trazendo rentabilidade para o sistema adotando pré-emergentes.
Se eu falar no manejo de cereais inverno, a gente consegue tirar aplicações iniciais de graminicidas, consegue fazer uma única entrada no pré-fechamento, dependendo da graminicida, consigo fazer algumas associações com outros produtos, ganhando na logística de maquinário e o mesmo vale para a soja, eu usando um bom pré-emergente, eu vou trazer um residual longo de 35 dias, consigo fazer uma única entrada de glifosato na pós-emergência. Se eu tiver problema de resistência a glifosato, como tenho em buva e amargoso, eu vou escolher um herbicida parceiro para estar associado. Então você acaba trazendo rentabilidade para o sistema adotando pré-emergentes.