Enchentes

“É uma incapacidade total contra a força da natureza", relata produtor rural gaúcho

Produtores rurais perderam lavouras e animais, além dos danos às casas, galpões, automóveis e máquinas

Foto de propriedade rural com área coberta por rio.
O Rio Jacuí passou de 28 metros em Cachoeira do Sul | Foto: Isabelle Brendler/Arquivo Pessoal

Os dias de sol na maior parte do Rio Grande do Sul finalmente permitiram o acesso e o contato com áreas isoladas. A população das áreas atingidas pelas chuvas e enchentes no interior do estado, agora se depara com a destruição e tenta dimensionar os prejuízos. Além da tragédia humanitária, no caso de produtores rurais, as chuvas também representaram a destruição de lavouras, morte de animais e prejuízos estruturais. Além dos danos às casas, móveis, automóveis e máquinas.

O produtor de tabaco Juarez Schünke, da comunidade da Linha do Rio, em Candelária, cresceu junto ao Rio Pardo, mas já não o reconhece mais. A família ficou três dias isolada dentro de casa, sem poder sair e sem poder receber resgate. “A gente já está acostumado com o rio, sabe que tem elevação da altura dele algumas vezes, mas sempre dentro da normalidade de uma enchente, mas essa foi três dias com muita água”, relata Schünke.

Prejuízos

“Agora a água começou a baixar e a gente começou a enxergar todos os desafios que estão por vir nos próximos dias”, resume a produtora rural Isabelle Brendler, de Cachoeira do Sul. No município, o nível do Rio Jacuí passou de 28 metros, conforme a empresa Jacuhy Consultoria Ambiental.

O Rio Jacuí passou de 28 metros em Cachoeira do Sul | Foto: Isabelle Brendler/Arquivo Pessoal

As lavouras da família de Isabelle estão localizadas nas áreas de várzea na beira do rio. Na propriedade, 35% das lavouras de arroz e 86% das lavouras de soja não foram colhidas. “As nossas áreas estão praticamente 100% debaixo d’água, essa enchente, ela veio tão forte, assim como no estado inteiro, que subiu rápido demais e a água chegou em locais que nunca tinha chegado em outras enchentes”, conta Isabelle. Um desses locais é uma das sedes da propriedade, onde a soja estava armazenada em um silo. “Além dos galpões, que tinham todo o nosso maquinário e caminhões que foram prejudicados”.

O produtor Juarez Schünke conseguiu recuperar os animais da propriedade, que se refugiaram em pontos mais altos durante a cheia, porém as lavouras e estruturas foram atingidas, levando a perda de um quinto dos 15 hectares de soja cultivados por ele durante a safra de verão. Além disso, produtores de todo o estado enfrentam dificuldades para alimentar os animais com a perda de insumos e de pastagens. “Não tem nada, o campo virou só barro, aí tem que achar algum alimento ou comprar silagem. Eu tinha uma plantação enorme de mandioca, que a gente usava para tratar o gado e os porcos, e para o consumo humano também, não sobrou nada, está tudo no barro”, conta Schünke.

A situação é semelhante na propriedade de Roberto Koepp, também da comunidade da Linha do Rio, em Candelária-RS. Ele ainda tinha metade da área de 93 hectares para colher, registrando uma perda significativa. “O rio saiu, passou quase um metro por cima da propriedade com água, arrancou tudo, aterrou, tinha soja para colher, foi tudo embora. É um cenário de guerra com barro e tudo. E as sementes também molharam e estão fedendo”, conta. Com a perda de metade da produção, o produtor afirma que está sem recursos para se manter durante o ano. “Dá vontade de fugir, nem ficar mais aqui, mas não tem opção”, desabafa.

Lavouras ficaram cobertas pela água em diversas regiões do estado | Foto: Gabriel Munari/Arquivo Pessoal

Em outras regiões do estado, menos afetadas pelas cheias, também há registro de prejuízos devido à chuva. “Vai perder peso, porque a soja estava pronta, e agora está abrindo. Não sabemos o que vai acontecer quando entrar para colher se vai tá boa ainda ou não, é uma perda grande, mas ainda não dá para estimar”, conta o produtor Roberto Paulo Teleken, de Fontoura Xavier – RS.

Reconstrução

A comunidade da Linha do Rio segue isolada da cidade de Candelária, sem luz e sem água potável. Por isso, a prioridade é liberar os caminhos para acelerar a limpeza e recuperação. Schünke relata que muitas pessoas da comunidade perderam tudo e precisam principalmente de água, comida e produtos de limpeza.

Na propriedade, o foco está na limpeza dos galpões e recuperação das estruturas. “Eu estou tentando levantar o que caiu, ajeitando os galpões, tirando barro, madeira, estamos nos organizando para tentar voltar de novo ao normal, mas vai demorar muito”, afirma. Outra preocupação é a recuperação do solo das lavouras. Em enchentes anteriores, menos agressivas, esse processo levou anos. “A camada fértil do solo foi toda embora, em muitos lugares tem pedra, outros só areia morta, não vai produzir nada em cima. Vai ser complicado até chegar a recompor de novo o nosso solo para ele voltar para a fertilidade dos últimos anos”, explica o produtor de tabaco.

Os produtores rurais do estado que ainda possuíam alguma área com colheita viável, correram para aproveitar as janelas de tempo bom. “As nossas áreas são planícies de ribeira de rio, alagou e estamos com essas áreas embaixo d’água, também tem um pouco de soja que a gente faz rotação com o arroz em áreas de várzea. A gente vinha conseguindo produtividades muito boas aqui, mas esse ano a dificuldade está enorme por causa das chuvas”, contou o produtor Gabriel Munari, Torres, no litoral do Rio Grande do Sul.

Preocupação

Os produtores da Linha do Rio relatam que estavam cientes da chuva, mas que não sabiam da gravidade e extensão do problema. Eles afirmam ainda que receberam muitas informações desencontradas, divulgadas especialmente em grupos de WhatsApp. A preocupação aumenta com a previsão de chuva para os próximos dias. “Não é pouca chuva, o leito do nosso rio mudou muito, eu me criei na beira desse rio, eu conheço a força que ele tem, mas agora ele mudou muito o leito, com o volume que está sendo previsto de chuva, eu não sei como ele vai se comportar, se ele vai sair fora de novo do leito, eu estou bem preocupado de novo”, destaca Schünke.

Chuvas fortes e volumosas estão previstas para a sexta-feira (10), seguindo até a próxima segunda-feira (13). O maior volume de chuva está previsto justamente para a região do Centro, Vales, Região Metropolitana e até a região de Camaquã e parte da Serra, com volumes entre 80 a 150 milímetros. Entretanto, a chuva pode chegar até 250 milímetros em alguns pontos, especialmente no Vale, Serra e região Metropolitana. Essas áreas estão entre as mais afetadas pelas chuvas e enchentes no estado.

“É uma incapacidade total contra a força da natureza, a gente só fica rezando para não ser mais extremo ainda e não perder a vida, não perder ninguém, a nossa comunidade está totalmente arrasada”, resume Juarez Schünke.

Solidariedade

A situação do Rio Grande do Sul gerou uma onda de solidariedade em todo o país. Em Cachoeira do Sul, Isabelle considera que há muita mobilização e trabalhos voluntários, que estão sendo eficientes, mas chama a atenção para a visibilidade e demandas dos trabalhadores rurais e moradores do interior. Pensando nisso, ela está promovendo uma ação solidária para arrecadar dinheiro para direcionar para essas famílias.

“Muitos foram pegos de surpresa porque nunca tinha chegado água nesses locais. E a gente está fazendo uma vaquinha, essa ação para juntar um valor significativo para poder ajudar esses funcionários de propriedades. O nosso foco são os funcionários. São pessoas que são trabalhadoras, para ajudar esse pessoal a se reerguer novamente, organizar as suas casas novamente”, explica a produtora. As informações para doações estão disponíveis no perfil do Instagram @beliwb.

Medidas

O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) anunciou nesta terça-feira (07) as primeiras propostas para apoiar o setor agrícola diante das adversidades climáticas vivida pela região Sul do país. Entre elas, está o pedido de a suspensão dos pagamentos das dívidas dos produtores rurais do Rio Grande do Sul por 90 dias, com a possibilidade de prorrogação. O pleito será analisado pelo Conselho Monetário Nacional em reunião extraordinária.

O Mapa também defende a criação de um fundo de aval, viabilizando a tomada de crédito por parte dos produtores impactados nos moldes do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), adotado durante a pandemia. O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, ainda mencionou que a Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais (SRI) darão prioridade ao empenho de emendas parlamentares direcionadas à aquisição de máquinas, como retroescavadeiras e niveladoras para a reconstrução de estradas vicinais no interior do Estado.