Safra de Inverno

Produção de cevada ainda enfrenta desafios para se consolidar no Sul do Brasil

Clima e exigências do cultivo são considerados obstáculos na produção

Foto de espigas de cevada em lavoura.
Na safra de 2024, a área da cultura diminuiu novamente, passando para 120 mil hectares | Foto: Bruna Scheifler/Arquivo Destaque Rural
Evolução da área plantada (em azul) e da produção (em laranja) desde 1997 no Brasil | Fonte: Conab

Em 2022, a área de cevada no Brasil chegou a 130 mil hectares, a maior extensão da série histórica desde 2005, quando o país cultivou 142 mil hectares. A produção acompanhou e, com o incremento da produtividade, chegou ao patamar recorde de 502,5 mil toneladas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No entanto, em 2023 a área da cevada voltou a encolher no país, assim como a produção. Na safra de 2024, em andamento, novamente a área diminuiu, passando para 120 mil hectares, apesar da expectativa de recuperação da produtividade e produção.

A demanda de cevada para a produção de malte no Brasil é crescente. Em 2023, o número de estabelecimentos produtores de cerveja registrados chegou a 1,8 mil, enquanto a produção foi superior a 15 bilhões de litros de cerveja, de acordo com o Anuário da Cerveja, produzido pelo Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil (Mapa). Além disso, também vem aumentando o número de maltarias instaladas no país. Recentemente, foi inaugurada a maltaria Campos Gerais, a maior maltaria da América Latina, no Paraná, com capacidade para a produção de 280 mil toneladas de malte por ano.

Apesar da demanda constante, a produção de cevada, insumo essencial para a produção do malte utilizado na fabricação de cervejas, segue um movimento irregular, com altos e baixos. Produtores e especialistas avaliam que o clima e as exigências técnicas da produção são os principais desafios da produção no Brasil.

Frustração

A redução da área neste ano é uma consequência direta da frustração da safra passada, decorrente das chuvas excessivas em todo o Sul do país. “No ano passado, a gente teve um efeito forte do fenômeno climático El Niño, que provocou o excesso de chuvas durante o cultivo da cevada, principalmente no período reprodutivo, no enchimento de grãos e na maturação, o que prejudica muito a qualidade do grão, fazendo com que boa parte da cevada produzida não alcançasse o padrão cervejeiro para que ela pudesse ser aproveitada para malteação”, explica o pesquisador da Embrapa Trigo Aloisio Alcantara Vilarinho.

No Paraná, principal estado produtor no país, a área reduziu 12% em 2024, passando para 76,5 mil hectares, segundo o Departamento de Economia Rural (Deral). Com a instalação da maltaria nos Campos Gerais, a produção aumentou nessa região enquanto diminuiu na região de Guarapuava, que tradicionalmente liderava a produção estadual de cevada. O analista Carlos Hugo Godinho, do Deral, avalia que essa redução é um ajuste, considerando os grandes avanços de área nos últimos anos no Paraná.

Ainda assim, ele ressalta que produtores frustrados com os resultados do ano passado reduziram a área ou até mesmo desistiram da cultura. “É uma cultura muito exigente, é bom que se diga isso, tem características que são exigidas pela indústria muito específicas, e elas demandam muita atenção do produtor e um pouco de sorte também com o clima”, afirma.

Clima

De uma forma geral, a cevada é uma cultura que não responde bem ao excesso de chuvas em diversas fases do desenvolvimento: “no período vegetativo, impede que os traços culturais sejam feitos no momento adequado e favorece o desenvolvimento de doenças. No período reprodutivo, do espigamento para frente, favorece também o desenvolvimento da giberela e micotoxinas, que a partir de um determinado nível torna o grão impróprio para uso na alimentação e também para uso na malteação”, explica Vilarinho.

Outro problema ocasionado pelo excesso de chuvas é a germinação do grão antes da colheita, ainda na espiga. “Uma das características fundamentais para que o grão de cevada seja utilizado na malteação é que tenha uma germinação acima de 95%”, ressalta o pesquisador. Nos casos em que o grão germina antes da hora, ele não alcança esse teor de germinação exigido pela indústria.

Otimismo

O fim do fenômeno El Niño e a previsão do fenômeno La Niña para os próximos meses traz alívio e otimismo para a produção de cevada. O La Niña, no Sul do país, historicamente reduz o volume de chuvas nessa época do ano. “As condições que o La Niña favorece são ideais para o cultivo das culturas de inverno de uma forma geral. Isso acaba favorecendo não só um aumento na produtividade, como também, principalmente, a qualidade desses grãos, que vão ter um período mais seco durante a fase de enchimento e maturação”, ressalta Vilarinho.

Apesar disso, no Norte do Paraná, a estiagem prolongada no início do cultivo preocupa. Já no Sul do Estado, foram registradas chuvas, o que pode beneficiar a cultura nesse estágio. Caso atinja a produtividade estimada de 4,4 mil kg/ha, o Paraná pode colher nesta safra 341,8 mil toneladas, quantidade 23% superior à produção do ano passado.

“É uma cultura economicamente rentável e, principalmente, ela é agronomicamente muito interessante para a rotação de culturas”

Karl Milla, produtor de cevada em Pinhão-PR

O produtor Karl Milla, de Pinhão-PR, manteve a cevada em seu sistema produtivo, mesmo com uma safra considerada razoável no ano passado, e vê com bons olhos a safra atual. “É uma cultura muito interessante e muito importante para a rotação de culturas porque quebra o ciclo de algumas pragas e doenças, você rotaciona princípios ativos, é uma gramínea de inverno, é um ciclo interessante numa época em que você não tem muita opção para plantio e ela tem um potencial muito bom de ganho também. É uma cultura economicamente rentável e, principalmente, ela é agronomicamente muito interessante para a rotação de culturas”, explica.

Neste ano, o início da safra na propriedade é considerado positivo, com o registro de geadas e de temperaturas baixas que colaboram para o desenvolvimento da cevada e quebram o ciclo das doenças. “A nossa expectativa no início da safra é sempre muito boa. A gente tem um potencial bom de cevada, tanto de produtividade quanto de qualidade. A gente espera que seja um ano climaticamente mais favorável para a cevada aqui na nossa região. Eu acredito que se tudo funcionar bem, a gente vai colher uma safra boa”, considera Milla.

Mercado

Como ressaltou Milla, apesar dos riscos envolvidos no cultivo, a cultura é considerada rentável para os produtores rurais. “O produtor ganha na cevada um pouco mais do que no trigo. Normalmente as maltarias pagam em torno de 15%, 25% a mais no saco de cevada em relação ao preço do trigo. E ainda tem um plus também para aquela cevada que tem melhor qualidade, que tem uma proporção de grãos da classe comercial 1”, ressalta Vilarinho.

“É uma situação que vai ocorrer em alguns anos e que tem que ser colocada na conta do produtor aos poucos para ele ter esse risco diluído, mas com uma rentabilidade ao longo do tempo”

Carlos Hugo Godinho – Analista do Deral

Considerando que não é possível prevenir problemas climáticos com precisão, a recomendação para diminuir os riscos do cultivo da cevada é adotar a diversificação de culturas na propriedade. “É uma situação que vai ocorrer em alguns anos e que tem que ser colocada na conta do produtor aos poucos para ele ter esse risco diluído, mas com uma rentabilidade ao longo do tempo”, orienta Godinho, do Deral.

Além do potencial de rentabilidade, o mercado da cevada no Brasil é considerado próspero, levando em conta que a indústria brasileira é dependente da importação de cevada e de malte. “O consumo de malte aqui no Brasil está na casa de 2 milhões de toneladas por ano. E a gente tem produzido, considerando a capacidade máxima da maltaria que foi instalada recentemente em Ponta Grossa, a gente estaria produzindo aqui em torno de 970 mil toneladas de malte, ou seja, metade do que é o consumo hoje das cervejarias. […] Se esse malte todo que é produzido aqui no país utilizasse grãos produzidos no Brasil, a gente precisaria de mais de 1 milhão de toneladas de grãos para abastecer essas maltarias”, ressalta Vilarinho. Não estão disponíveis dados oficiais relacionados à demanda de cevada e malte no país, porém as importações de cevada em 2023 foram de 616,1 mil toneladas, de acordo com a Secretaria de Comércio Exterior (SECEX).

Desafios

Para atingir uma produção que atenda completamente o mercado, o Brasil ainda precisa superar obstáculos na produção e na logística.

Diferente de outras commodities agrícolas, o mercado da cevada opera com compras antecipadas. Os contratos são firmados no início da safra entre os produtores e as cooperativas ou maltarias, portanto a compra é garantida, desde que os padrões de qualidade sejam atingidos. Como a liquidez da cevada é menor que a de outros grãos, como soja, milho e trigo, o cultivo dessa cultura está atrelado à presença das maltarias.

Portanto, mesmo que a cevada seja uma opção no Brasil Central para cultivo em áreas de maior altitude, no inverno e sob irrigação, como tem ocorrido com o trigo, essa produção se torna inviável pela ausência de maltarias, já que a maioria está instalada no Sul do país. Também não é viável instalar maltarias fora da área de produção atual, levando em conta a competição nessas regiões com grãos mais rentáveis. Esse fator acaba limitando a expansão da área de cultivo para outras áreas do país.

O segundo caminho para ampliar o cultivo da cevada é o desenvolvimento por melhoramento genético de cultivares mais tolerantes aos problemas causados pelo excesso de chuvas, principalmente a giberela e a germinação na espiga após a maturação. “Isso não é tão simples assim de resolver. Mas a gente vai avançando aos poucos e vamos conseguindo materiais que toleram mais essas condições”, pontua o pesquisador Vilarinho.

Esse avanço já é percebido por produtores como Karl Milla. “Os institutos de pesquisa de melhoramento genético têm feito bastante diferença, tem avançado com cultivares bastante adaptadas para a nossa região e isso tem facilitado um pouco todo esse processo”, relata.

Mesmo com esses obstáculos, o cultivo da cevada no Sul do país vem crescendo, mostrando que a cultura está se consolidando como uma opção para produtores rurais. Neste momento, a diversificação do sistema produtivo é mais do que uma recomendação, mas uma exigência para a sustentabilidade financeira e ambiental da agricultura em larga escala.