Leite

“É um prejuízo atrás do outro”, lamenta produtor de leite passo-fundense

Estiagem, altos custos de produção e baixo valor de matéria prima não são as únicas preocupações que angustiam os produtores de leite no Rio Grande do Sul

Os produtores de leite do Sul do Brasil vêm sofrendo com diversos gargalos, entre eles a seca prolongada, pastagens comprometidas, custos de produção elevados e ainda assim trabalhando dia após dia comprometidos com o gado leiteiro. Entretanto, os produtores do Rio Grande do Sul foram surpreendidos em fevereiro com a notícia de que não iriam receber pelo leite coletado pela empresa Friosul, após 45 dias de captação e entrega do leite à agroindústria.

São cerca de 700 produtores de leite do norte, noroeste e da serra gaúcha prejudicados. Estima-se que a dívida da empresa gire em torno de R$ 10 milhões. Para os produtores de leite do distrito de Pulador, no município de Passo Fundo, os irmãos gêmeos Daniel e Dilamar de Oliveira, de 43 anos, que entregavam leite à empresa há quase um ano, o prejuízo é de pelo menos R$ 25 mil.

“Nesse ano nem pasto não tinha, porque a seca matou tudo, o milho pra silagem estava muito ruim e daí tinha que aumentar na ração […] É complicado, porque, tanto nós como todos os outros produtores não tem dia de folga, é de segunda a segunda, conta desde o primeiro dia do ano, é sábado e domingo, enquanto muitos estão de folga nós temos que seguir, e daí vem uns sem-vergonha e dão um golpe desses. Desanima!”, desabafa Daniel.

A realidade não é diferente para o produtor Edmundo Ficagna, de 49 anos, morador da localidade de São João da Bela Vista, também em Passo Fundo. Ele entregava leite há oito meses para a Friosul e o dano foi de cerda de R$ 21 mil. “A maioria dos produtores estão na mesma situação, ficaram com as contas, estão bravos. E se a gente não pagar o boleto da ração que vence dia 20, no outro dia já tem um monte de juros, em três dias vai a protesto. E essa empresa? Cadê a lei pra quem dá o golpe? Pedem seis meses pra tentar se organizar, mas quando é pro nosso lado se a gente não pagar em dia vai pro Serasa, paga multa, paga juros e a empresa daqui seis meses quem sabe vai começar a pagar alguém ou quem sabe quanto tempo vai levar”, lamenta Edmundo.

Em relação à probabilidade de receber o valor da empresa, os produtores concordam que a chance de recuperar o prejuízo é pequena | Foto: Arquivo Pessoal/Edmundo Ficagna

Despesas

Além do prejuízo, ficou os custos da produção, onde entra silagem, ração, casquinha, sal mineral, medicação, produto de limpeza, luz elétrica e outros gastos. Os irmãos Oliveira, que administram uma propriedade de 70 hectares e arrendam mais 40 hectares, tiveram que vender a soja e pedir um empréstimo no banco para poder quitar a dívida de quase 15 mil e ainda continuar produzindo.

“Não tem segurança nenhuma, ninguém faz um contrato, ninguém faz nada, simplesmente começam a coletar e depois param quando querem. […] Nós trabalhávamos com a Santa Tereza e de uma hora pra outra ela parou também, e temos dinheiro pra receber ainda, e daí entrou a Friosul, alugou o espaço que antes era da Santa Tereza em Marau. Então nós já estamos desde março do ano passado [2021] no prejuízo”, ressaltou Daniel.

Para Edmundo, são mais R$ 8.700 em custos de produção e manutenção da ordenha, que para conseguir pagar também recorreu ao banco. O produtor administra uma propriedade de cinco hectares e arrenda mais 20 hectares para plantio da soja e do milho. “Esse ano deu a seca, que daí a gente trabalhou em uma colheita que se colhia 50/60 quilos por hectare, e está colhendo 20/25. E agora o preço começou a baixar, teve gente que teve prejuízo com chuva de pedra, outros a seca e daí agora no nosso caso a empresa que dá o golpe, e agora está chovendo demais, estamos colhendo com umidade, então é um prejuízo atrás do outro”, desabafa.

Os irmãos Oliveira tiveram um dano de aproximadamente R$ 25 mil | Foto: Arquivo Pessoal/Daniel de Oliveira

Produção

Daniel e Dilamar entregavam cerca de 12 mil litros da matéria-prima para a Friosul por mês, à R$ 2,08 o litro. Com 20 vacas dando leite, os produtores sentiram na pele o aumento nos custos de produção, “aumentou cerca de 30%, porque nos outros anos tinha pasto verde e diminuía na ração e na silagem […]. Cheguei a entregar no mês de janeiro, quando ainda tinha pasto, 300 litros por dia, agora eu tô tirando na base de 160 litros por dia, com a mesma quantidade de ração, mais silagem, só que não tem pasto. Por isso, no pedaço que eu colhi soja, já plantei aveia pra fazer a pastagem de inverno”, frisa Daniel.

Com 18 das 23 vacas dando leite, Edmundo, entregava cerca de 7 mil litros do insumo à agroindústria, por R$ 1,83 o litro. “E quem paga arrendamento? Colhendo na base de 25 sacos por hectare, pagando 20 sc/ha, com gasto de 23/25 sc/ha pra planta. E daí como vai fazer?”, questiona.

“A esperança é pouca de receber”

Ambos os produtores entrevistados conseguiram escoar o leite à outras empresas. Daniel e Edmundo contam que ouviram boatos negativos sobre a Friosul, mas decidiram ignorar, pois “até então vinha certinho”, comentou Edmundo, sobre os pagamentos.

Sobre a possibilidade de receber o valor da empresa, é um consenso entre os produtores que há poucas chances de reaverem o valor. “Eu não acredito muito, porque quando estourou a notícia, eu procurei um advogado, que é conhecido meu, e nós fizemos um levantamento pra entrar na justiça. Ele achou no nome da Friosul três camionetas de cerca de R$ 200 mil, mas naquele dia (17/3) já tinha cerca de 11 processos contra eles, e só um produtor tinha mais de 100 mil pra receber”, explica Daniel.

Então vai gastar dinheiro pra entrar na justiça, gastar com advogado e arriscar não receber? Daí que eu procurei o sindicato, pra ver se teria um advogado deles, e então começou a surgir outros produtores […] O que nós fizemos foi um Boletim de Ocorrência, pois isso aí é estelionato né, pegaram nosso produto e não pagaram, e nós temos despesas pra produzir”. Ele ainda acrescenta: “a esperança é pouca de receber”.

Região de Passo Fundo

Segundo o vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Eugênio Zanetti, haverá uma reunião com os administradores da empresa na próxima quarta (06/4) para definir as ações a serem tomadas pela Fetag-RS.

São 98 produtores afetados entre Passo Fundo, Marau, Vila Maria e Camargo, que somam cerca de 1,5 milhão a receber da empresa. “A região é mais afetada porque em Marau a empresa produz o queijo”, informa o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Marau, Silvio Borghetti.

A empresa Friosul, de Caxias do Sul, informou aos produtores que não recolheria mais o leite em suas propriedades e, através de uma nota divulgada em suas mídias sociais no dia 17 de março, a agroindústria justificou que estava passando por dificuldades financeiras.

Também em nota esclareceu a empresa está aberta e que alternativas como recuperação judicial ou autofalência demandam muito dinheiro. “Ocorre que a dívida para com os produtores/parceiros e colaboradores soma aproximadamente R$10.000.000,00 (dez milhões de reais), entretanto o faturamento, sem o laticínio, chega ao teto de 10% (dez por cento) deste valor”, informa nota da Friosul disponibilizada pelo Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Passo Fundo.

O plano de pagamento apresentado pela empresa, inclui um prazo de 180 dias de carência “para ajuste do fluxo de caixa, sendo que neste período, o saldo líquido, com cumprimento das obrigações diárias, serão iniciados pagamentos dos credores de menor volume financeiro, e assim o será sucessivamente”, explica.

A Destaque Rural tentou contato com a Friosul, mas não obteve resposta até a publicação.