A área plantada e a produção de trigo voltaram a crescer no Brasil nos últimos anos, movimento liderado pelos estados do Sul do país, em especial Rio Grande do Sul e Paraná. Apesar desse avanço, a frustração na safra 2023, a indisponibilidade de sementes e condições de mercado, levaram a uma redução de área plantada na safra de 2024 de de 11,4% em comparação com a safra anterior, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O presidente da Coopavel, Dilvo Grolli, em entrevista ao Portal Destaque Rural, destaca a importância do cultivo do trigo para o sistema produtivo, para a rentabilidade dos produtores rurais e para a segurança alimentar brasileira, além do potencial da produção de trigo no Sul do país, em especial no Oeste do Paraná.
Destaque Rural: Qual é a importância da cadeia produtiva do trigo para a cooperativa?
Dilvo Grolli: O trigo é uma cultura muito importante para o Brasil porque nós hoje somos dependentes de importações de trigo. O Brasil vai colher nesta safra de 2024 em torno de 9 milhões de toneladas, numa demanda que passa de 12,5 milhões de toneladas. E os estados do Sul, liderados pelo Paraná e o Rio Grande do Sul, são as regiões que mais produzem trigo no Brasil e que melhor tem potencial para o trigo. Como cooperativa, nós temos uma responsabilidade muito grande com os produtores rurais de levar alternativas.
A Coopavel tem um moinho hoje que necessita de 780 toneladas de trigo por dia e tem outra sociedade com outras cooperativas, que é a Cotriguaçu, que necessita mais de 500 toneladas ao dia. Então é uma alternativa que é boa para a Coopavel e é uma alternativa melhor ainda para os produtores que precisam de opções para suas lavouras.
A gente não pode chegar na monocultura. Nós temos a lavoura de verão, que nos últimos anos caminhou para a soja, praticamente 90% do plantio da lavoura de verão é soja. No segundo plantio de verão, você planta o milho segunda safra. Nós não podemos deixar o produtor sem outras opções. E [o trigo] é uma opção que dá um retorno para o produtor, em termos até de engenharia e melhoria do solo, e também é uma alternativa de mercado.
O Paraná, por exemplo, vai colher 3,6/3,8 milhões de toneladas em 2024, mas a capacidade de moagem do Paraná passa de 4,5 milhões de toneladas. A cooperativa tem que entender o mercado para levar uma opção ao produtor. A gente não pode esquecer também que o produtor rural é o investidor, ele investe na sua propriedade. E para investir na propriedade, em qualquer negócio que você esteja, você tem que pensar em qual é o retorno. E para ter retorno eu tenho que ter conhecimento sobre a cultura.
Então por que do investimento da Coopavel em trigo? Responsabilidade como cooperativa com os produtores rurais, responsabilidade como cooperativa com a sociedade, responsabilidade como cooperativa de entender que o trigo é viável e também que nós temos que chegar a autossuficiência do trigo. Em 1986, o Brasil quase chegou à autossuficiência de trigo. De lá para cá se passaram 38 anos e o trigo foi perdendo importância, perdendo produção. E nós continuamos aumentando o consumo de trigo.
DR: Por que o trigo foi perdendo espaço?
DG: Não houve incentivo. Ninguém falou para o produtor que essa cultura é importante, deu ao produtor o conhecimento e disse que nós temos novas tecnologias, novas sementes, novos insumos. Então nós meio que viramos as costas para a produção de trigo. Quando nós começamos a trabalhar com o Mercosul, nós demos prioridade à importação de trigo para equilibrar a balança comercial com a Argentina. E nós esquecemos que nós somos brasileiro e temos possibilidade de aumentar a produção de trigo, independente do equilíbrio da balança comercial.
DR: De lá para cá, nós tivemos muitos avanços. Foram desenvolvidas novas cultivares, novas metodologias de produção de trigo e hoje nós temos qualidade e sanidade. Com relação a essa evolução, quais foram os principais avanços na sua opinião?
DG: Questão de qualidade é a questão de você saber para que vai usar o trigo. No ano passado, colhemos também 9 milhões de toneladas, um pouquinho mais, e todo ele foi usado. Todo trigo tem uma finalidade. Nos últimos anos, melhorou-se a qualidade do trigo por novas variedades de trigo, novos insumos, estudo de qual é a melhor época de plantio, qual é a região mais adequada para o trigo, mas em nenhum momento nós falamos ‘“esse trigo não é bom para o pão”. Você se enquadra, o que não se pode é pensar que nós temos que ficar sempre na dependência da importação ou achar que o nosso destino é importar trigo.
Claro, por conhecimento, eu julgo que há lugares no mundo que produzem um trigo de qualidade excepcional. Mas quem vai garantir que o Brasil não vai chegar com essa mesma qualidade? Só que você tem um caminho a trilhar. Você planta, desenvolve, acumula conhecimento e aí vai ter o crescimento. Esse negócio de qualidade de trigo, claro que nós sabemos e não podemos virar as costas para isso, existe uma realidade. Agora, dizer que nós não temos competência, dizer que nós não temos solos e que nós não temos clima? Vamos trabalhar tudo isso.
DR: E com relação à rentabilidade para o produtor? O produtor faz as contas na hora de decidir o que vai plantar e olha para o resultado. Como a cooperativa tem trabalhado essa questão? A cooperativa está conseguindo trabalhar junto com o produtor, alinhando demanda versus oferta?
DG: Para você ser grande e grandioso, você tem que pensar grande. Você não vai levar o produtor a uma produção menor, ou levar a produção para uma produção que não seja a melhor. Então você tem que ter primeiro esta visão estratégica e levar o produtor para o melhor caminho. Mas se nesse caminho você tiver algumas circunstâncias, por exemplo, clima, que não deu aquela safra que estava sendo projetada, você não pode desistir. Você não pode criar ao produtor um obstáculo, dizer para ele que o trigo não é uma planta viável.
O trigo é uma planta viável no Sul, muito viável. Nós dependemos do clima, mas vamos pensar que a ciência, a academia, as empresas de insumos também estão criando variedades de trigo mais resistentes.
Por exemplo, na região Oeste do Paraná nós temos as maiores produtividades de trigo do Brasil. Temos no Paraná 3,6/3,8 mil kg/ha. Aqui no Oeste do Paraná nós temos 4,5/4,6 mil kg/ha, mas as experiências dentro do Show Rural já estão elevando para 5,4/5,5 mil kg/ha. Nós temos que passar essa visão para os produtores rurais porque é uma realidade. A realidade do Oeste do Paraná é 4,5 mil kg/ha porque já absorveu mais tecnologias, absorveu variedades mais produtivas, mas o Show Rural tem que mostrar para eles que o futuro está em 5,4/5,6 mil kg/ha. É isso que nós temos que fazer, acompanhar a evolução da ciência, dos novos insumos e trazer o produtor junto, elevando o seu conhecimento sobre a triticultura.
DR: Presidente, qual é o futuro da cooperativa, pensando em trigo? Como vocês projetam o trigo daqui para a frente dentro da cooperativa?
DG: Em 2008, nós fizemos um projeto de trigo, entre o projeto e a viabilidade econômica, o moinho entrou em funcionamento em 2012. Em 2022, depois de dez anos, nós já aumentamos sua capacidade em 50% porque houve um crescimento na produção, houve também um crescimento na produtividade e uma viabilidade econômica para os produtores. E a cooperativa fez esse acompanhamento.
Antes, porém, nós já tínhamos uma sociedade com um moinho de trigo, com outras cooperativas da região, numa cooperativa central chamada Cotriguaçu. Então nós já tínhamos um moinho de trigo e esse moinho de trigo, por sua vez, também em 2022, aumentou a sua capacidade porque aumentou a produção de trigo aqui no Oeste do Paraná.
Nós temos que evoluir e agir num projeto pensando que o trigo é viável, que o trigo é uma necessidade para o Brasil, que tem condições de produzir trigo aqui no Paraná e nos estados do Sul. O trigo também é um produto que serve para a segurança alimentar do Brasil. Não podemos ficar dependendo de importação. Nós temos solo, temos clima nesse país, temos produtores rurais, nós temos necessidade melhorar a cultura melhorando a rentabilidade.
É evidente, quando falamos em questão de margem de lucro, temos a soja que lidera o processo e o milho que também dá lucratividade, mas o trigo também dá lucratividade, talvez nem tanto quanto a soja e o milho, mas é um produto viável e preenche uma lacuna da propriedade para não ficar somente na dependência de duas culturas.
DR: Essa também é a ideia também de colocar os ovos em diferentes cestos para minimizar os riscos, certo?
DG: Tem uma teoria econômica, você nunca pode ter menos do que três alternativas, o bom é você ter cinco alternativas. Então é bom a parte econômica ser diluída em no mínimo em três negócios, o bom seria chegar a cinco negócios. O produtor rural é uma pequena empresa, tem outros que são médias empresas, mas todos são empresas.
Não podemos pensar que a vida começa com soja e termina com o milho.
Dilvo Grolli – Presidente da Coopavel
E você tem que pensar também no quanto o produtor tem imobilizado na propriedade e como é que ele vai ter rentabilidade? Nós temos que elevar sua renda porque temos também a responsabilidade de que ele não fique com a renda baixa, não tendo prosperidade para sua propriedade e para sua família. Nós temos que levar os filhos produtores para a faculdade. Nós temos que melhorar o nível da produção e da produtividade. As cooperativas e a Coopavel têm responsabilidade com o produtor rural, não podemos pensar que a vida começa com soja e termina com o milho.
DR: Quais são os mercados que a cooperativa atende com a produção do moinho?
DG: Todo o mercado brasileiro. Paraná e região Sudeste são as regiões que a Coopavel mais atende, mas nós mandamos muito trigo também, várias cargas durante o ano, para a região Nordeste. Onde está a grande produção de trigo? Nos estados do Sul, chegando 88% a 90%. Onde se consome trigo? Em todos os estados brasileiros. Então você tem que olhar o Brasil como um consumidor de trigo. É evidente que no plano estratégico, tem regiões em que você é mais competitivo, então você vai procurar essas regiões, mas se tiver que atender todos estados da federação, pode ser atendido, claro que pode ser atendido, todos eles consomem.
DR: A cooperativa fornece a farinha de trigo ou ela já fornece os produtos acabados?
DG: Nós somos parceiros das empresas que produzem massa, biscoito, qualificador, etc. Porque são dois nichos de mercado, um é a produção com o produtor rural e outro é cooperativa como alavanca do produtor rural até chegar nas indústrias ou agroindústrias. E depois a agroindústria vai chegar no varejo e no consumidor. Então, muitas vezes, pensando que se deve assumir todos os elos da cadeia, você acaba não tendo uma especialidade maior naqueles elos onde você tem que ser mais importante, tem que ser mais ativo, ter mais gente junto contigo e ter a responsabilidade. No caso da cooperativa, com os produtores rurais.
A cadeia continua até chegar na mesa do consumidor. E nesses elos tem outras agroindústrias, outros agentes que vão chegar na mesa do consumidor. Você tem que compartilhar esses elos da cadeia com mais agentes econômicos.
DR: A cooperativa tem projeções para aumentar ainda mais o moinho? E há mercado para isso? A cooperativa consegue ver um crescimento ainda maior de área e de produção?
DG: Primeiro, o Brasil consome 12,5 milhões de toneladas, todo o Brasil, mas produz nove, tem um déficit. Segundo, quais são os estados que mais produzem trigo? O Rio Grande do Sul e o Paraná. Todas as empresas e todas as cooperativas que estão nesses dois Estados tem que ter uma visão de futuro grande e grandioso. Vamos crescer. Inclusive, os 12,5 milhões de hoje, de consumo de farinha de trigo, vão aumentar para 13, 14 e 15 milhões. Você tem que ser um agente da cadeia ativo.
Cobertura da Safra de Trigo 2024
O Projeto Cobertura da Safra de Trigo é uma iniciativa do Portal Destaque Rural com o objetivo de realizar a cobertura jornalística da safra nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Mais do que simplesmente relatar os acontecimentos, o projeto busca estabelecer uma conexão entre a pesquisa acadêmica e a realidade enfrentada pelos produtores do cereal. Na edição de 2024, o projeto conta com o patrocínio da BASF.