Representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) defenderam, em audiência pública da Comissão de Agricultura (CRA) nesta quarta-feira (19), os resultados dos assentamentos promovidos pela entidade, apesar dos recursos limitados, o que consideram essencial para reduzir os conflitos no campo. Representantes do setor rural, porém, cobraram providências contra as invasões de terra, que associaram à atuação de movimentos sociais.
A audiência atendeu a requerimento do senador Alan Rick (União-AC), que presidiu o debate. Em sua justificação, o parlamentar alerta para o “expressivo aumento” das invasões ilegais de terras verificado em 2023 e cobra a discussão de soluções para impedir ocupações irregulares. Na abertura da discussão, o presidente do Incra, César Aldrighi, ressaltou o desafio do atual governo de retomar os projetos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), incluindo a reorganização e o reforço orçamentário do Incra. Ele ressaltou que a propriedade fundiária no Brasil continua sendo muito concentrada, o que requer um sistema avançado de gestão de conflitos.
“O que estava andando bem, demos continuidade, mas o programa, a discussão e o desafio foi de voltar a assentar famílias, voltar a demarcar territórios quilombolas, voltar a fazer gestão mais próxima dos assentamentos”, afirmou Aldrighi. Segundo o presidente do Incra, mesmo com baixo orçamento e funcionários desmotivados, ano passado a autarquia assentou 50,9 mil famílias, sendo que 24 mil foram regularizadas.
Maíra Coraci Diniz, defensora pública e diretora da Câmara de Conciliação Agrária do Incra, exibiu estatísticas do Sistema de Controle de Tensões e Conflitos Agrários (CTCA) que mostram, em 2020 e 2021, um aumento expressivo de registros classificados como de tensões e conflitos — em seguida, os índices caíram em 2022 e 2023. Ela atribuiu o aumento naquele período às consequências da pandemia de covid-19 e à paralisação da política de reforma agrária. “O que importa na diminuição dos conflitos é […] dar uma resposta às famílias vulneráveis que estão sem moradia e sem capacidade de produção”, disse.
No mesmo sentido, o secretário de Governança Fundiária do MDA, Moisés Savian, citou relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), elaborado em 2022, que apontava a gestão no setor fundiário como de “alto risco” da administração pública. Ele explicou a política de governança fundiária do atual governo, que considera tratar de um ativo estratégico do Brasil, e defendeu o programa oficial de crédito fundiário. “No primeiro ano de acesso a crédito, há um aumento de renda da família de 177%”, apontou.
O diretor de Governança Fundiária do Incra, João Pedro Gonçalves da Costa, considerou que o instituto enfrentou uma situação desfavorável em governos anteriores, mas defendeu o esforço dos servidores e o resultado dos projetos de assentamento. “Temos um compromisso com a transparência, com a reforma agrária, com a democracia e de fazer aquilo que as regras brasileiras garantem”.
‘Salto’ nas invasões
Representando a Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), José Henrique Bernardes mostrou estatísticas do Incra e da própria CNA sobre invasões de propriedades rurais: o número de invasões era bastante expressivo até 2015, caiu nos anos seguintes, e apresentou um “salto” em 2023. Ele associou as invasões à atividade de movimentos sociais e cobrou “aptidão” dos candidatos a assentamento.
“[Sugerimos] garantir que o processo de seleção de famílias ao programa nacional de reforma agrária seja transparente e impessoal, sem interferência de movimentos sociais. Isso é uma sugestão do próprio TCU”, afirmou.
Segundo dados do TCU apresentados por Bernardes, há cerca de 205 mil lotes vagos para assentamento, enquanto, segundo o CadÚnico, as famílias acampadas no meio rural são 33 mil. “Há necessidade de mais terras para a reforma agrária?”, indagou.
César Aldrighi, porém, contestou o dado dos 205 mil lotes vagos e afirmou que o Incra já respondeu o acórdão do TCU a respeito de questões metodológicas. “Explicamos ao Tribunal de Contas que eles [os lotes] não existem e que nós vamos gradativamente fazer o ajuste nas portarias. […] A gente organiza nossa discussão […] com números que a gente possa partir para uma reflexão mais profunda”.
Nesse sentido, Aldrighi lembrou que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem critérios rigorosos para aprovação de financiamentos e já financiou projetos que o Movimento dos Sem-Terra (MST) apoia em São Paulo e no Rio Grande do Sul, e defendeu os critérios do Incra. “Temos premissas para pesquisa, que precisam ser consideradas, para avaliar a viabilidade dos assentamentos”, afirmou.
Em réplica, José Henrique Bernardes pôs a CNA à disposição do Incra para novos estudos sobre lotes vagos, independentemente do número total, mas cobrou “pente fino” nas irregularidades correlatas. “É possível assentar novas famílias sem aquisição de novas terras ou promovendo invasões de terras”, defendeu.
Fabrício Morais Rosa, diretor executivo da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), defendeu a importância econômica e a responsabilidade ambiental do agronegócio, mas avaliou que o campo brasileiro convive com a “chaga” das invasões de propriedades. Ele contestou os argumentos do MST — que invadiu a sede da Aprosoja — de que “soja não enche o prato”.
“Não podemos compactuar com esse tipo de coisa. […] Produtor de soja hoje também é o que produz arroz no Rio Grande do Sul, que produz feijão. […] Está sustentando, sim, a população brasileira”, acrescentou Rosa, que cobrou um pacote anti-invasão com penas mais severas para os invasores.
Francisco Graziano, ex-presidente do Incra, classificou a reforma agrária como “o maior fracasso de uma política pública em nosso país” principalmente por ter um custo muito alto, elevada evasão dos assentamentos e baixa produtividade. Ele considera o processo como não democrático e direcionado aos invasores. “Para atender a reforma agrária, demandada pelos invasores de terra, o governo começou a comprar, a fazer negócios de terra. Daí vem um dos grandes problemas […]: as negociatas agrárias, os riscos desse processo, os conluios que são feitos entre o poder público e o privado”, considerou.
Fonte: Agência Senado