O casal Oliveira, de Eugênio de Castro, pequeno município situado no noroeste do Rio Grande do Sul, largou o emprego na cidade para assumir a propriedade do pai, de 29,9 hectares, que seria arrendada. Com investimentos em tecnologia, a produção do tambo passou de 8,5 mil litros/hectare/ano, em 2012, para 16,2 l litros/hectare/ano, em 2023. A média de litros/vaca/dia da propriedade também aumentou 102%, saltando de 12,8, em 2012, para 25,9 em 2023. E o objetivo dos produtores para 2025 é aumentar a produção, a produtividade da terra e ainda tornar a propriedade 100% digital.
Esses números, entretanto, não refletem a realidade da maioria dos produtores de leite do Estado, que é o terceiro maior produtor de leite do Brasil, contribuindo com 11,6% da produção em 2023 – 4,1 bilhões de litros/ano -, conforme dados da Pesquisa da Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os produtores gaúchos enfrentam inúmeros desafios, como a exigência de melhoria na produtividade dos animais e da terra, a escala de produção e a baixa rentabilidade. Além disso, há dificuldade para a formação de mão de obra, com cursos de qualificação profissional e adaptação dos currículos das escolas técnicas para atender também essa área de produção. O setor também enfrenta problemas com a falta de assistência técnica qualificada. Com isso, o número de produtores vem caindo ao longo dos últimos anos.
“São vários os fatores que explicam essa redução. Vai desde a dificuldade para ampliação da produção, a falta de terras disponíveis e a sucessão rural, já que os jovens preferem procurar trabalho nas cidades”, ressalta o coordenador da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Leite e Derivados da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), Eugênio Zanetti, que representa a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag/RS).
Durante a última reunião da Câmara Setorial, o gerente de Suprimento de Leite da Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL), o engenheiro agrônomo Jair da Silva Mello, apresentou um estudo sobre os principais desafios do setor leiteiro e apontou que a produção de leite inspecionado do Rio Grande do Sul deve ficar neste ano em cerca de 2,98 bilhões de litros/ano, segundo dados da Pesquisa Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “A produção não cresce há 12 anos e perdemos lugar para os outros estados do Sul”, afirma Mello.
O Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat/RS), no entanto, tem números diferentes e até projeta uma pequena alta na produção. Em 2023, a produção estadual chegou a 3,908 bilhões de litros, conforme dados do IBGE. E, para este ano, a estimativa do instituto é de que a produção gaúcha chegue a 3,986 bilhões de litros. “Os números são divergentes porque no Rio Grande do Sul cerca de 5% do leite inspecionado, que é processado pelas indústrias, fica nas propriedades e não é inspecionado”, explica o secretário executivo do Sindilat/RS, Darlan Palharini.
Dificuldades
O gerente da CCGL destaca que o setor enfrenta muitas dificuldades. “Foram três secas, uma enchente, aparecimento da cigarrinha e da doença foliar no milho silagem e ainda o aumento dos custos de produção”, sublinha Mello. A enchente de maio devastou propriedades, matou milhares de animais e destruiu a infraestrutura essencial para a produção, como galpões, salas de ordenha, pastagens e tanques. A estimativa da Associação dos Criadores de Gado Holandês do Rio Grande do Sul (Gadolando) é que a catástrofe climática tenha impactado de 40% a 50% dos produtores de leite do Estado. Os prejuízos no campo superaram os R$ 25,5 bilhões.
A produção de leite no Rio Grande do Sul é bem distribuída pelo território e o Estado registra 448 dos 497 municípios gaúchos com venda de leite a empresas. Santo Cristo e Augusto Pestana se destacam, com produção superior a 50 milhões de litros em média. Ela tem grande relevância econômica e social, sendo que aproximadamente 40 mil propriedades têm a atividade leiteira como fonte de renda.
Custos de produção
A atividade é realizada principalmente por pequenos produtores – cerca de 95% – que dependem dela para se manterem no campo. Mas, diante das sucessivas crises enfrentadas pelo setor, que já sofreu uma baixa de 64% no número de produtores na última década, está cada vez mais difícil resistir.
“Uma das maiores dificuldades do produtor de leite é o aumento dos custos de produção, que varia conforme a propriedade, mas está entre R$ 2,20 e R$ 2,30 por litro de leite produzido. A baixa rentabilidade aparece como terceiro fator – depois dos custos de produção e da sucessão – que explica o número de produtores que deixaram a atividade”, reclama o presidente da Gadolando, Marcos Tang, que administra com a família uma propriedade de 3 hectares em Farroupilha, na Serra Gaúcha, onde mantém 45 vacas em produção.
Um levantamento da Emater/Ascar-RS mostra que o número de produtores de leite vinculados à indústria passou de 40,1 mil em 2021, para 33 mil em 2023, uma redução de cerca de 18%. O número fica ainda mais expressivo quando comparado ao primeiro ano de realização do diagnóstico (2015), que indicava a existência de 84,2 mil estabelecimentos, o que corresponde a uma redução de 60,78% em oito anos. “Na grande maioria, são pequenas propriedades, mas eu digo que são grandes produtores, porque conseguem, em uma área de 20 a 30 hectares, produzir mil ou até 2 mil litros de leite por dia”, salienta o presidente da Gadolando.
Produção estagnada
Em contrapartida, a produção anual de leite caiu de aproximadamente 4,2 bilhões de litros por ano para cerca de 3,9 bilhões de litros no mesmo período, uma queda próxima de 9%, ainda conforme o Relatório socioeconômico da cadeia produtiva do leite no Rio Grande do Sul, divulgado pela Emater/RS-Ascar em agosto do ano passado. O volume se manteve porque os produtores que saem da atividade são aqueles de menor volume de produção e de área. Em 2015 predominavam os produtores com até 100 litros de leite por dia. Hoje, predominam as faixas de produtores entre 200 e 500 litros de leite ao dia.
O presidente da Gadolando lembra que o Estado tem a melhor produtividade do País, conforme dados do IBGE. Enquanto a média nacional é de 2 mil litros por vaca ao ano, no Rio Grande do Sul essa média é de 3,5 mil litros. “Há dez anos, o Estado tinha 80 mil a 100 mil produtores que produziam 80 litros por dia, cada um. Hoje, são 32 mil produtores que produzem cerca de 400 litros por dia, sendo que alguns chegam a mil litros por dia”, compara.
“Muitos produtores estão desanimados e abandonando a atividade, mas os que permanecem têm se empenhado em investir em tecnologia e melhoramento genético de seus animais, tanto em morfologia como em produção”, salienta Tang. “Se bem administrada, a produção de leite na pequena propriedade é uma das atividades mais rentáveis para o produtor familiar, como o cultivo de fumo e hortifrútis”, completa.
Mas nem só de notícias ruins vive o setor. Na última reunião do Conseleite, na semana passada, o preço do leite, que estava fixado em R$ 2,53, passou para R$ 2,59. O preço do leite Conseleite é divulgado mensalmente e serve como referência para as negociações entre produtores e indústrias. O cálculo do preço do leite é feito por um grupo de trabalho que considera os custos de produção, o preço dos insumos e o valor de mercado do leite. “Já é um alento ao produtor, porque no Rio Grande do Sul, no final do ano, os preços do leite sempre tendem a baixar”, encerra o dirigente.