Opinião

Sinergia no Agro Sul-Americano: Lições do Brasil e Argentina para o Futuro da Distribuição de Insumos

A produção de soja atingiu 155 milhões de toneladas, consolidando o Brasil como líder mundial em produção e exportação, impulsionado por avanços tecnológicos e logísticos

Foto de um evento.
O setor de AgTechs recebeu mais de R$ 3 bilhões em investimentos, fomentando inovações para produtividade e sustentabilidade | Foto: Arquivo pessoal/Divulgação

No início de maio, tive a honra de participar do Congresso de Distribuidores da Argentina (CDA), um evento vibrante que reforçou a importância da união e da troca de experiências entre países irmãos. Foi inspirador compartilhar um pouco sobre os desafios que enfrentamos no Brasil em nosso sistema de distribuição: desde as complexidades logísticas em um território continental até as barreiras burocráticas e regionais que, muitas vezes, dificultam a eficiência e o acesso equitativo. Mas, em meio a essa reflexão, lembrei-me de uma analogia curiosa (e bem-humorada) que nos conecta: aquela clássica propaganda da Orloff, em que o Brasil brinca com a Argentina dizendo: “O fato de eu ser você amanhã”.

A mensagem, além de divertida, traz uma verdade profunda: nossos desafios e realidades, embora distintos, estão sempre entrelaçados. O que acontece aqui hoje pode ecoar ali amanhã — e vice-versa. Por isso, a colaboração entre nações não é só estratégica, é essencial.

Neste painel, estive em companhia de Luiz Mogni, um executivo e consultor de Estratégia e organizador desse congresso, onde discutimos os desafios e oportunidades para o sistema de distribuição dos dois países. Queremos aprofundar, neste artigo, essas discussões, combinando a minha análise sobre o cenário brasileiro e a de Luiz Mogni sobre a realidade argentina.

Panorama e Tendências de Mercado

Em 2024, o agronegócio brasileiro reafirmou sua posição como protagonista da economia nacional, apesar de enfrentar desafios significativos. A produção de soja atingiu 155 milhões de toneladas, consolidando o Brasil como líder mundial em produção e exportação, impulsionado por avanços tecnológicos e logísticos. A implementação da regulação da UE sobre desmatamento (EUDR) exigiu adaptações dos produtores brasileiros em rastreabilidade e práticas sustentáveis. O país também se destacou na exportação de carne, atendendo à demanda asiática e melhorando padrões sanitários.  

O setor de AgTechs recebeu mais de R$ 3 bilhões em investimentos, fomentando inovações para produtividade e sustentabilidade. Fenômenos climáticos extremos testaram a resiliência do setor, evidenciando a importância da adoção de tecnologias. Avanços em biotecnologia trouxeram sementes mais resistentes, reduzindo custos e impulsionando a produtividade. Modelos sustentáveis como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) ganharam destaque. No entanto, o setor também viu empresas enfrentarem recuperações judiciais, como a AgroGalaxy. O Plano Safra 2024/2025 destinou um recorde de R$ 400,59 bilhões, com foco em práticas sustentáveis. O setor também vivenciou tanto críticas de empresas europeias quanto reconhecimento internacional por inovação e práticas sustentáveis, mostrando que o protecionismo hoje é totalmente diferente do que foi no passado.  

Para 2025, as tendências do mercado brasileiro de insumos agrícolas estarão alinhadas com as demandas globais por sustentabilidade e eficiência. Em agroquímicos, a pressão por reduzir o uso de produtos químicos tradicionais aumentará devido a regulações mais rígidas e demanda por alimentos saudáveis. Os bioinsumos ganharão espaço como alternativas sustentáveis, com o Brasil expandindo sua adoção. A tecnologia de aplicação de precisão, utilizando drones, sensores e sistemas inteligentes, otimizará o uso de agroquímicos. Novas formulações menos tóxicas e mais eficientes surgirão.

Em fertilizantes, a demanda por produtos de baixo impacto ambiental (orgânicos, organominerais) aumentará. O Brasil continuará investindo em projetos para reduzir a dependência de importações. A nutrição de precisão será guiada por dados e tecnologias, com fertilizantes adaptados a condições adversas ganhando protagonismo.

No mercado de sementes, o foco será o desenvolvimento genético para resistência a pragas e condições climáticas extremas, impulsionado pela biotecnologia. Variedades que demandam menos insumos e promovem a fixação de carbono ganharão espaço. Haverá expansão do mercado para sementes de cultivos alternativos. A digitalização e a rastreabilidade, utilizando tecnologias como blockchain, serão tendência forte.

Especialidades como inoculantes, bioestimulantes e adjuvantes terão crescimento, sendo amplamente adotados para melhorar a nutrição e saúde do solo, aumentar a tolerância das plantas ao estresse climático, melhorar a eficiência da aplicação e serão integrados à agricultura digital para recomendações personalizadas. Tendências transversais incluem foco em Sustentabilidade e ESG, Agricultura Digital, adaptação a regulações e certificações e colaboração entre setores.  

Na Argentina, a economia em 2024 experimentou fortes mudanças macroeconômicas. A queda da inflação e a sustentação do tipo de câmbio elevaram os custos operacionais em dólar, agravados por um clima desfavorável. Em 2025, o mercado se reordena com ajustes em estruturas e custos. As tendências no mercado de agroquímicos incluem ajuste de estoques e foco no “just in time”. Os preços baixos, impulsionados pela forte oferta chinesa, e a tendência a produtos comoditizados são características, mas o mercado cresce ajustado à demanda real, onde ter estoque não é uma vantagem.

No mercado de sementes, acordos privados sobre propriedade intelectual impulsionam a melhoria genética. Novos players no mercado de milho e o uso intensivo de tecnologias em soja e girassol indicam um mercado mais firme, com ajuste e melhoria de valor. Em fertilizantes, as margens apertadas na produção e o risco climático diminuíram o mercado em relação ao potencial técnico. Há uma necessidade clara de aumentar o uso para potencializar a produção, sendo um segmento com potencial de crescimento, especialmente com a tendência crescente no uso de microgranulados.  

Principais Problemas no Canal de Distribuição

Os desafios no canal de distribuição são distintos, mas com pontos de convergência entre os dois países.

No Brasil, os principais problemas identificados são a crise financeira e recuperações judiciais, com grandes distribuidoras enfrentando endividamento e margens reduzidas, agravados pela pandemia e guerra na Ucrânia. O modelo de consolidação baseado em aquisições, iniciado em 2016, mostrou-se insustentável, pois a busca por volume não se traduziu em rentabilidade. A perda de identidade e conhecimento local ocorreu com a saída de sócios das empresas adquiridas, afetando a relação com os agricultores. A gestão ineficiente e centralizada, com gestores sem experiência no setor, levou a decisões desalinhadas com a realidade do campo e dificuldades na gestão de estoques. A forte competição resultou em pressão por preços e margens ajustados, gerando inadimplência e insatisfação. Isso impactou os agricultores, gerando incertezas sobre a entrega de insumos. O mercado financeiro tornou-se mais cauteloso, dificultando o acesso ao crédito.  

Na Argentina, os três grandes problemas do canal de distribuição são: a sobreoferta de produtos e a consequente baixa de preços, que diminuem a rentabilidade; a falta de reconhecimento e pagamento por parte dos clientes/produtores pelos serviços prestados, como armazenamento, logística e recomendações técnicas, que geralmente não são remunerados; e a estratégia volátil dos fornecedores de insumos, que dificulta a tomada de decisões no curto prazo.  

O Impacto da Tecnologia: IA, Digitalização e E-commerce

A tecnologia surge como um fator transformador para o canal de distribuição em ambos os países.

No Brasil, a Inteligência Artificial (IA) tem o potencial de otimizar a cadeia de suprimento através da previsão de demanda, gestão automatizada de inventários e logística eficiente. Na relação com o cliente, a IA permite personalização e melhor atendimento via chatbots e análise de comportamento. A gestão financeira se torna mais eficiente com avaliação de crédito e ajuste dinâmico de preços. A IA também contribui para a sustentabilidade, reduzindo desperdícios e aumentando a rastreabilidade. Além disso, pode transformar modelos de negócio com a criação de plataformas digitais e automação de processos administrativos.

Contudo, a implementação enfrenta desafios como alto custo inicial, necessidade de capacitação e limitações de infraestrutura. A digitalização e o comércio eletrônico estão aumentando a eficiência, acessibilidade e competitividade do comércio agrícola brasileiro. Plataformas digitais e marketplaces ampliam o acesso a produtos e informações, eliminando barreiras geográficas. A redução de custos operacionais e o fomento à concorrência melhoram os preços para os agricultores. A personalização da oferta e a agilidade nas compras são facilitadas pela análise de dados e novas formas de pagamento. Tecnologias para logística e entregas inteligentes aprimoram a distribuição. Os desafios incluem a limitada conectividade rural, a resistência à mudança e a complexidade logística.  

Na Argentina, a Inteligência Artificial melhora processos, permite decisões mais precisas e acelera a interação entre os atores da cadeia. Além disso, possibilita uma visão integral da cadeia, mostrando o impacto de mudanças em todo o processo produtivo. A digitalização e o comércio eletrônico são vistos como um processo lento na Argentina, com certa reticência por parte dos produtores e do canal em comprar eletronicamente, mas em avanço. Há expectativa por modelos logísticos mais eficientes que complementem a comercialização eletrônica.  

Processo de Concentração e o Papel dos Fornecedores

O processo de concentração nos canais de distribuição é uma realidade em ambos os países, com diferentes dinâmicas.

No Brasil, essa transformação tem sido intensa nos últimos anos, impulsionada por movimentos de consolidação e mudanças estruturais. O setor, avaliado em aproximadamente R$ 350 bilhões (US$ 60 Bi), tem a maior parte das vendas realizada por distribuidores, cooperativas e redistribuidores (70%), enquanto 30% são vendas diretas aos produtores. O processo de consolidação iniciado em 2016 por fundos de private equity e grandes empresas como Nutrien, Marubeni e Syngenta buscou escala e maior poder de negociação. Paralelamente, cooperativas agrícolas e modelos de venda direta cresceram, com indústrias e traders estabelecendo estratégias para chegar diretamente aos produtores.

Plataformas digitais como Orbia e Agrofy trouxeram abordagens inovadoras. A estratégia de consolidação, baseada na expansão de margens e maior poder de negociação, encontrou armadilhas em fatores macroeconômicos, apalancamento financeiro e competição, pressionando os resultados. A compra de distribuidores por empresas fornecedoras no Brasil, que parecia promissora, enfrentou problemas financeiros, operacionais e conflitos com distribuidores independentes, sendo impactada pela mudança no comportamento dos agricultores.

Estratégias que funcionam incluem modelos híbridos, soluções integradas, alianças estratégicas e expansão digital. O futuro aponta para modelos híbridos, onde fabricantes e distribuidores coexistem com papéis definidos.  

Na Argentina, a concentração dos canais ocorre em busca de eficiência, impulsionada pela mudança geracional e pela baixa rentabilidade. Grandes players buscam novas áreas de operação através de estruturas existentes. É um processo lento e não atinge os níveis de concentração de países como Chile ou Estados Unidos, mas há processos de consolidação. A compra de canais por empresas fornecedoras não é uma tendência observada na Argentina. O mercado com tendência a genéricos, a ampla oferta de produtos e a baixa rentabilidade do canal não o tornam atrativo para empresas fornecedoras.  

Recomendações para o Canal do Futuro

Para garantir competitividade e sustentabilidade, o canal de distribuição do futuro, em ambos os países, precisa evoluir para um modelo mais ágil, eficiente e focado no cliente. As recomendações para essa transformação incluem:  

  • Modelo Híbrido: Integração entre Distribuição e Digitalização: Adotar plataformas digitais (marketplaces e e-commerce) para facilitar a compra, melhorar a experiência do cliente e oferecer transparência. Desenvolver atenção omnicanal, combinando lojas físicas, e-commerce, aplicativos e consultores digitais. Utilizar Big Data e CRM com inteligência artificial para analisar padrões de compra e antecipar necessidades.  
  • Eficiência Operativa e Gestão Financeira: Reduzir custos fixos e automatizar processos com software de gestão logística, otimização de inventários com IA e automação em armazéns. Desenhar modelos de financiamento inteligentes, adaptados aos ciclos produtivos dos agricultores. Implementar gestão proativa de risco para monitoramento financeiro.  
  • Diferenciação através do Valor Agregado: Posicionar-se como aliado estratégico, oferecendo consultoria agronômica especializada com suporte contínuo e personalizado. Oferecer pacotes tecnológicos personalizados que combinem insumos, software e equipamentos. Integrar plataformas digitais para monitoramento em tempo real dos cultivos.  
  • Estratégias de Alianças e Expansão do Ecossistema de Negócios: Desenvolver parcerias estratégicas com indústrias e cooperativas para acesso a condições preferenciais e ampliação da oferta. Criar programas de fidelização e benefícios exclusivos para agricultores. Avaliar oportunidades de crescimento através de alianças em novas regiões.  
  • Adaptação ao Novo Perfil do Agricultor: Utilizar inteligência artificial para personalizar a oferta com base em dados de compra e condições agronômicas. Implementar soluções que promovam o uso responsável de insumos, práticas regenerativas e reciclagem, com foco em sustentabilidade e ESG. Desenvolver programas de capacitação e educação para os agricultores sobre novas tecnologias e boas práticas.  

Em síntese, o distribuidor do futuro não será meramente um canal de vendas, mas um hub de soluções integradas para os agricultores. O sucesso dependerá do equilíbrio entre eficiência operacional, digitalização e a construção de um relacionamento de valor com o produtor. Este cenário exige adaptação contínua e uma visão estratégica para navegar pelas complexidades e aproveitar as vastas oportunidades do agronegócio Brasileiro e Argentino.