O investimento na produção de olivas no Rio Grande do Sul passou de um risco considerado inviável para uma realidade em expansão. O estado possui, em 2024, 325 produtores, com 6,2 mil hectares, sendo que 5 mil já estão em idade produtiva, de acordo com a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi).
O perfil desses produtores costuma ser diferente daqueles que cultivam as culturas mais tradicionais, contando inclusive com muitos profissionais autônomos que buscam uma fonte de renda alternativa. Esse é o caso do ortopedista Diego da Silva Collares, cirurgião de coluna de Passo Fundo-RS. Buscando por uma fonte futura de renda, ele se deparou com a olivicultura. “Eu fui atrás de algum tipo de investimento que não precisaria ter liquidez, mas que eu conseguisse ter consistência, que eu pudesse explorar ao longo dos anos, mas que não necessariamente teria retorno a curto prazo”, explica.
Ciente de que o Brasil é um dos maiores importadores mundiais de azeite de oliva e dos resultados positivos já obtidos por produtores no Rio Grande do Sul, o médico passou a estudar a viabilidade do cultivo e as melhores áreas para instalação. Após entrar em contato com uma consultoria para implementação do pomar, adquiriu uma área de 110 hectares entre Encruzilhada do Sul e Dom Feliciano. A partir de então, foi realizado um esforço para reforma das estruturas, contratação de funcionários e preparo da terra.
“Antes de você implementar o pomar e efetivamente fazer a plantação, o preparo da terra é muito demorado e custoso. Então a gente contratou uma empresa para fazer a implementação baseada no projeto do engenheiro agrônomo”, relata o ortopedista. A dificuldade para a obtenção de financiamento levou a um atraso na instalação do pomar, o que só ocorreu no início de 2022. “ A gente teve que arcar muito com recurso próprio, demorou para conseguir empréstimo, então isso atrasou um pouco o nosso projeto”, afirma.
A pretensão inicial era de instalar 40 hectares, porém os custos e a demora para obtenção de lucros levaram a uma redução do investimento inicial para 25 hectares. Isso porque a produção de oliva começa apenas quatro anos após o plantio das árvores, caso a implementação tenha sido realizada adequadamente. “Não é uma cultura onde você vai colocar as oliveiras e ter um retorno rápido […]. A ideia é que a partir do quarto ano a gente consiga ter algum retorno para que no quinto ano em diante já consiga contabilizar algum lucro”, explica Collares.
Até o momento, considerando a aquisição da terra e a implementação das oliveiras, o custo do investimento é de cerca de R$ 2,5 milhões. Ao longo prazo, o objetivo do produtor e dos sócios é realizar a ampliação da área do pomar para 50 hectares e futuramente investir na extração do azeite.
O setor vive um momento delicado, com quebra da safra mundial e aumento de preços para o consumidor final. Nesse cenário, o investidor acredita que a qualidade do azeite brasileiro se destaca e vê potencial para expansão. “Eu acho que no futuro a gente vai exportar azeite de oliva. Hoje raras empresas brasileiras conseguem fazer isso porque a gente não dá conta da demanda nacional, mas a partir do momento em que tivermos uma produção maior”, avalia o Collares.
Histórico
O desenvolvimento da olivicultura no Rio Grande do Sul começou entre 2005 e 2006 de forma pioneira e baseado em informações de outros países. “Não existiam orientações técnicas, não existia tradição, até pelo contrário, algumas tentativas no século passado não tinham dado certo aqui no Brasil”, lembra o coordenador da Câmara Setorial das Oliveiras da Seapi, Paulo Lipp.
As plantas não responderam da forma esperada. Por isso, foi estruturado um grupo de técnico para pesquisa e extensão rural, reunindo entidades como Embrapa, Emater-RS/Ascar e universidades para fornecer orientações técnicas baseadas nas condições do clima e solo gaúcho.
“Nós tínhamos que ter duas ou três variedades no mesmo olival para que pudesse polinizar melhor, a correção da acidez do solo para a oliveira tem que ser extremamente bem feita, muito melhor que se for fazer, por exemplo, para soja ou milho ou para outra fruta, porque a oliveira não tolera solos ácidos. Enfim, uma série de outras tecnologias que até hoje continuam sendo estudadas e adaptadas para as condições da nossa situação de clima e solo”, explica Lipp.
Entre os pioneiros no cultivo da oliveira, está a agroindústria Olivas do Sul, empresa de Cachoeira do Sul-RS, que implementou o primeiro pomar em 2006. “Em 2010, nós tivemos uma bela colheita, nos surpreendeu a quantidade de flores que as nossas árvores tinham quando completaram quatro anos, e nós tivemos que ir às pressas para a Itália buscar uma pequena máquina de extração, quando nós elaboramos o primeiro azeite extravirgem produzido no Brasil”, conta o sócio-diretor, José Alberto Aued.
O azeite foi submetido ao Flois Olen, guia internacional que classifica os melhores azeites do mundo. “Para nossa surpresa, depois de passar por uma banca bastante rigorosa de degustadores italianos, o nosso azeite ganhou espaço no livro, sendo considerado um dos melhores extravirgens do mundo”, relata o produtor.
Desenvolvimento
A partir das primeiras colheitas, em 2010, a produção chamou a atenção de novos investidores e a área da cultura cresceu rapidamente. Com isso, a Olivas do Sul percebeu a oportunidade de negócios na comercialização de mudas e implementos para pomares, assim como na consultoria para novos produtores. “De lá para cá, a nossa equipe de campo não para e está constantemente implantando pomares”, conta o sócio-diretor.
A empresa possui um portfólio de cerca de quatrocentos clientes, para os quais presta assessoria focada na implantação dos pomares. “Nós entendemos que nós precisávamos ter o maior número de olivais e o maior número de agroindústrias para que o azeite gaúcho se tornasse conhecido não só no Brasil como no mundo”, afirma Aued.
Demanda
Além de acreditar no fortalecimento do setor, a empresa precisa suprir a própria demanda por azeitonas. Atualmente, o pomar da Olivas do Sul tem 25 hectares, com produção média de sete toneladas de frutas por hectare. Considerando que apenas a última safra foi frustrada, o negócio é considerado viável, mas ainda insuficiente para atender a demanda atual por azeite de oliva.
“Me falta azeite porque eu não tenho azeitonas suficientes para atender o mercado. Agora mesmo a nossa safra, que não foi uma safra boa, está completamente esgotada. E todo ano é assim. Quando chega numa época boa de vender, que são as festas de final de ano, a gente não tem mais azeite, a safra esgotou, então eu preciso de frutas”, relata o sócio-diretor.
Existem diferentes modalidades de contratos entre as agroindústrias e os produtores de azeitonas. Entre as opções, o produtor pode vender as suas frutas ou realizar acordos para a produção de um azeite próprio. Para a comercialização, a fruta precisa atender aos padrões de qualidade e o ponto de maturação correto para colheita. Além disso, produtores de azeite também podem negociar o produto a granel.
Qualidade
O estado ainda tem o desafio de avançar em termos de produtividade por hectare, no entanto já alcançou resultados positivos em termos de qualidade do azeite produzido. “Nós temos uma qualidade das melhores do mundo de azeite, isso é um incentivo, um estímulo realmente, e que vem da forma como o produtor aqui do Brasil colhe a azeitona verde”, explica Lipp, da Seapi. A azeitona muda de cor conforme fica mais madura. A colheita no ponto, isto é, verde, produz menos azeite, mas destaca o sabor e a qualidade sensorial do produto.
“Nós temos uma qualidade das melhores do mundo de azeite”
Paulo Lipp – coordenador da Câmara Setorial das Oliveiras da Seapi
Perspectivas
A azeitona gaúcha se destacou com boas colheitas ao longo dos anos de estiagem no Rio Grande do Sul e chegou a 580,2 mil litros em 2023. No entanto, a cultura sofreu com as chuvas na primavera de 2023, momento em que as oliveiras estavam em floração, o que levou a uma redução de 67% na safra de 2024.
O avanço do desenvolvimento de variedades de oliveiras adaptadas para o estado poderia contribuir para a resiliência da cultura frente a condições adversas de clima. “O grupo de agrônomos segue estudando tecnologias e manejos para diminuir os impactos negativos do excesso de chuvas, principalmente na floração, na primavera, nos meses de setembro e outubro. A gente precisaria de mais pesquisas de instituições de pesquisa aqui no Brasil e realmente isso está muito fraco”, avalia o coordenador.
Para 2025, é esperada uma safra melhor, mas a frequência das chuvas ao longo do ano e a falta de incidência solar podem impactar a cultura. “Todas as árvores se desequilibraram, agora que as árvores estão se recuperando. Na próxima safra nós temos a plena convicção de que [a produção] será um pouquinho abaixo da média, mas teremos uma boa safra”, avalia Aued, da Olivas do Sul.
Nos próximos anos, a produção de olivas deve retomar o ritmo de crescimento no estado. “A tendência da produção é de aumentar porque tem muitas áreas novas ainda, tem muitos olivais com menos de seis anos de idade […]. A árvore vai chegar numa fase adulta mesmo com 12, 13, 14 anos. Só do que está plantado hoje, desses 6,2 mil hectares, já tem potencial para nós produzirmos, seguramente, 1 milhão, 1,5 milhão de litros. Parece muito, mas não é, isso abasteceria uma pequena parte do Rio Grande do Sul, mas já é um crescimento. E, para o produtor que investiu, seria um retorno bastante significativo. Então existe esse potencial de crescimento pelo que já está plantado e a gente espera que daqui a pouco se alcance isso. E a perspectiva é de que a qualidade continue muito boa”, prospecta Lipp.
“Dentro de cinco anos, a metade dos pomares implantados no Rio Grande Sul estarão sendo abandonados porque foram mal implantados”
José Alberto Aued – sócio-diretor da Olivas do Sul
Já José Alberto Aued vê o futuro da olivicultura com “extrema preocupação e com uma empolgação muito grande”. A empolgação vem do desenvolvimento rápido das árvores e da qualidade do azeite produzido. Já a preocupação está relacionada a equívocos na implantação dos pomares. “Dentro de cinco anos, a metade dos pomares implantados no Rio Grande Sul estarão sendo abandonados porque foram mal implantados”, avalia. Os problemas da implantação vão aparecer na idade produtiva das árvores, por isso cuidados devem ser tomados desde o planejamento do cultivo.
De forma geral, a expectativa é de que a área da cultura estabilize no estado nos próximos anos. “Principalmente depois da pandemia para cá, houve uma diminuição na implantação de pomares, por algumas razões que a gente mais ou menos já esperava”, explica Lipp.
Em relação à disponibilização de crédito rural, o coordenador afirma que o Plano Safra, divulgado anualmente pelo governo federal, contempla investimentos para a implantação de áreas de oliveiras e de outras frutas. No entanto, admite que a disponibilização de recursos depende de cada banco e que eles podem se esgotar rapidamente, especialmente em relação ao custeio. “Como não é uma atividade tão tradicional, muitos bancos às vezes não tem ou não disponibilizam [recursos], mas essa linha existe também para os produtores”, afirma.
Mercado
Em 2024, o preço do azeite de oliva disparou devido à quebra da safra mundial. Em termos de comercialização, o maior desafio dos produtores nacionais é a competição com os importados e, inclusive, com as falsificações. Ações do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) ao longo do ano retiraram cerca de 30 marcas do mercado.
Apesar de reconhecer a importância das ações, Aued considera pouco eficaz a retirada das marcas do mercado. Entre as mudanças sugeridas, está uma legislação mais rígida e a inclusão de dados técnicos nos rótulos. “Nós temos que mudar a legislação, mudar a norma. Se nós conseguimos mudar a norma, nós resolvemos o problema”, avalia o produtor.
Consumidor
O avanço da olivicultura no Rio Grande do Sul oferece aos consumidores novas opções de produtos de alta qualidade. No entanto, essa qualidade superior do azeite gaúcho custa mais caro. Além disso, o crescimento do setor tem pouco impacto nos preços em geral, que são ditados pelo mercado externo. Por isso resta ao setor o desafio de educar os consumidores para a escolha de produtos autênticos e de qualidade superior, esforço que deve ser combinado às medidas de fiscalização, adequação e punição às fraudes. Desta forma, a olivicultura terá potencial para se desenvolver ainda mais no estado.