Opinião

O arrendamento de terras é um bom negócio?

O arrendamento de terras é uma prática comum tanto nos EUA quanto no Brasil

Foto de área agrícola com divisão de terras.
Entender a relação entre o arrendamento e a concessão de crédito é crucial para analisar o impacto no setor agrícola | Foto: Yulian Alexeyev/Unsplash

Neste artigo, faço um recorte de algumas questões que considerei importantes ao analisar o Censo Agropecuário do Brasil (2017) e dos Estados Unidos (divulgado no início do ano), e que podem ser a base de uma discussão interessante, como a questão do arrendamento de terras nos dois países e a diminuição da área agrícola.

EUA

Está ocorrendo um declínio no número de propriedades rurais nos Estados Unidos desde 2007, sendo que em 2022, o país tinha pouco mais de 1,9 milhão de fazendas, uma queda de 6,9% em relação a 2017, o que gera preocupações sobre o impacto nas pequenas cidades e comunidades rurais.

Em relação às propriedades rurais em 2022 cerca de 85,3% das propriedades rurais dos EUA tinham menos de 200 hectares, sendo que 82,5% da área utilizada se concentrava em propriedades maiores, com mais de 200 hectares. As propriedades menores vêm diminuindo de tamanho, enquanto as maiores tendem a crescer, impulsionadas pela viabilidade financeira e acesso a recursos. As propriedades maiores concentram a maior parte da renda do setor, representando 78,3% do valor total de produção, apesar de serem apenas 5,5% do total de propriedades.

De acordo com o censo americano ocorreu uma redução na área cultivada nos últimos 20 anos, atribuída ao desenvolvimento urbano, expansão de parques solares e outros fatores. Apesar da perda de terras, a produtividade agrícola se manteve alta, garantindo o abastecimento alimentar.

Brasil

De acordo com o IBGE, o Brasil tem um território de 851,487 milhões de hectares (ha), e possui um total de 5.073.324 estabelecimentos agropecuários, que ocupam uma área total de 351,289 milhões de ha, que representa cerca de 41% da área total do país. No Brasil cerca de 70% dos estabelecimentos agropecuários tem área entre 1 e 50 hectares, e áreas com 100 a 10.000 hectares representam 9,2% do total.

Nos Estados Unidos, a idade média dos produtores está aumentando, mas o número de jovens agricultores também está crescendo, especialmente em estados com grandes áreas de cultivo. No Brasil o número de jovens produtores com menos de 25 anos segundo o IBGE é 2%, e o grupo de 25 a menos de 65 anos é de 74,8%.

Arrendamento de terras

O arrendamento de terras é uma prática comum tanto nos EUA quanto no Brasil, e o Censo Agropecuário de 2022 nos EUA evidencia a sua crescente importância. Entender a relação entre o arrendamento e a concessão de crédito é crucial para analisar o impacto no setor agrícola.
As terras arrendadas representam uma parte significativa da área agrícola, impulsionadas por fatores como os altos preços das terras e a busca por segurança financeira.

Nos Estados Unidos em 2022, cerca de 31% das terras agrícolas foram arrendadas a agricultores que também possuem as suas próprias terras e 9% foram arrendadas a produtores que não possuem terras. As propriedades rurais que utilizam a totalidade das suas terras representam apenas 35% do total.

No Brasil os produtores que são proprietários das terras passaram de 76% em 2006 para 81% em 2017. As terras arrendadas são a segunda maior proporção, com um total de 6,3% das propriedades, mas a participação em hectares nesse modelo aumentou cerca de 4,5% para 8,6% do total em área.

O arrendamento permite a ampliação do acesso à terra, os agricultores que não possuem terra própria ou com pouca terra podem expandir suas operações e aumentar a produção, o que impacta positivamente a segurança alimentar. Ele também permite que o agricultor se adapte a diferentes condições de mercado e de produção sem o compromisso de compra e manutenção de terras.

O arrendatário pode ter mais flexibilidade para realizar investimentos sem a necessidade de retorno do investimento em terras.

Maria Flávia de Figueiredo Tavares – Economista pela UNESP, mestre em Administração e Política de Recursos Minerais pela Unicamp e doutora em Agronegócios pela UFRGS

Outro ponto positivo em relação ao arrendamento está relacionado ao fato de incentivar o investimento em tecnologias e práticas de produção mais eficientes, já que o arrendatário pode ter mais flexibilidade para realizar investimentos sem a necessidade de retorno do investimento em terras.

Mas, o arrendamento de terras pode ter também algumas questões negativas como a incerteza para o arrendatário, pois a falta de segurança jurídica em alguns contratos de arrendamento e a possibilidade de perda da terra no futuro podem desincentivar investimentos a longo prazo por parte do arrendatário.

Outro ponto importante que deve ser considerado é a dificuldade de acesso ao crédito, pois os bancos e instituições financeiras podem ter mais dificuldade em avaliar o risco de crédito para arrendatários, considerando a instabilidade da posse da terra e a possibilidade de perda do investimento.
O arrendamento pode contribuir para a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários, gerando desigualdade e fragilizando o acesso à terra para pequenos agricultores.

Atualmente no Brasil vem reduzindo o volume de crédito público oferecido para o Agronegócio, o que faz com que aumente a demanda por crédito privado. É importante que as instituições financeiras e fintechs desenvolvam mecanismos mais eficientes para avaliar o risco de crédito para arrendatários, considerando a instabilidade da posse da terra e os riscos do negócio. Quanto mais eficiente for a análise do risco da operação, menores serão os custos de transação, e considerando sempre que o risco não pode ser eliminado, mas gerenciado. O uso de Inteligência Artificial pode ser uma boa opção que favorecerá os dois lados, e trará agilidade, transparência e eficiência no processo.

Entre as medidas para mitigar os impactos negativos do arrendamento de terras estão:

  • É fundamental que os contratos de arrendamento sejam claros, seguros e garantam a estabilidade da relação entre arrendador e arrendatário, incentivando o investimento e a produção.
    Entre as medidas para mitigar os impactos negativos do arrendamento de terras estão:
    Incentivos para o arrendamento: criar políticas públicas que incentivem o arrendamento de terras, garantindo segurança jurídica para o arrendatário, facilitando o acesso ao crédito e estimulando a produtividade.
  • Simplificação do acesso ao crédito: implementar mecanismos de crédito mais ágeis e acessíveis para arrendatários, com taxas de juros menores e prazos mais longos, além de oferecer seguros e garantias específicas para esse tipo de operação.
  • Programas de apoio à agricultura familiar: desenvolver programas de apoio à agricultura familiar que possibilitem a aquisição de terras e a formação de cooperativas, reduzindo a dependência do arrendamento e promovendo a justiça social.

Preservação ambiental

Algumas outras questões também devem ser consideradas como a gestão de recursos naturais, e a redução da área agrícola nos EUA, principalmente por causa do desenvolvimento urbano e da instalação de parques solares, nos mostra a importância de uma gestão sustentável dos recursos naturais.

Esta é uma questão importante que precisa ser considerada no Brasil, precisamos equilibrar o crescimento econômico com a preservação ambiental. É importante também se preocupar com as práticas de manejo do solo e a necessidade de reduzir o impacto ambiental da agricultura, sendo importante investir em agricultura regenerativa, que visa a recuperação e a saúde do solo, e práticas de baixo carbono.

Referências

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