Desafios

“Voltamos à estaca zero”: por que a área de plantio direto não avança mais no Brasil?

Grande parte da área com plantio direto não adota todos os pilares do sistema, principalmente a cobertura de solo e a rotação de culturas

O Sistema Plantio Direto, celebrado nesta quarta-feira (23), revolucionou a agricultura brasileira há mais de 50 anos. Reconhecido internacionalmente, o sistema promove a conservação do solo a partir de três pilares: o não revolvimento do solo, a cobertura permanente e a rotação de culturas.

A partir dessas práticas, inúmeros benefícios são alcançados, principalmente o controle da erosão do solo. Implantado de forma correta, o sistema também diminui a necessidade de insumos, como fertilizantes e defensivos agrícolas, promove o maior armazenamento de água e o sequestro de carbono. Justamente por isso, o sistema é considerado conservacionista e atende às exigências para que o agronegócio se torne cada vez mais sustentável.

Desde a implantação do Sistema, com apenas 200 hectares na primeira safra, ele avançou para mais de 33 milhões de hectares na safra 2017/2018, de acordo com dados da Federação Brasileira do Sistema Plantio Direto. Dados indicam que a área teria chegado a 36 milhões de hectares em 2020, porém as fontes não são claras e os dados são considerados controversos. Para efeito de comparação, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a safra de grãos 2024/2025 alcance mais de 81,3 milhões de hectares.

É preciso considerar também que grande parte da área com plantio direto não adota todos os pilares do sistema, principalmente a cobertura de solo durante todo o ano e a rotação de culturas. Além disso, especialistas apontam que nos últimos anos houve uma estagnação e até redução da área com plantio direto no Brasil, inclusive com produtores abandonando o sistema.

“Parece que nós voltamos para a mesma estaca depois de alguns anos. […] Muitos desses hectares estão muito descaracterizados. Praticamente é plantio direto, simplesmente a semeadura direta, ou então perdeu totalmente a conceituação básica do que seria o tal do plantio direto”, avalia Renato Levien, professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Sistema incompleto

A baixa adoção da cobertura do solo e da rotação de culturas está ligada principalmente a fatores financeiros. Afinal, a cobertura de solo gera um custo de implantação, muitas vezes sem retorno imediato. Além disso, as janelas de cultivos são apertadas e os produtores priorizam cultivar a safra de soja no momento ideal.

Entre as alternativas para a rotação de culturas, o trigo encontra dificuldades para avançar, especialmente porque não se adapta a todas as regiões e apresenta alta incidência de doenças. Já o milho depende de volumes de chuva mais altos e fica sujeito às estiagens. Outros mercados, como canola e feijão, são considerados muito específicos.

Estagnação e abandono

De forma geral, diversos argumentos justificam a manutenção ou o retorno ao plantio convencional, desde a praticidade até um possível aumento de produtividade. No entanto, apesar dos resultados imediatos, pesquisadores alertam para a falta de sustentabilidade desse sistema no longo prazo.

Entre os argumentos, as principais causas para a estagnação e o abandono do sistema plantio direto são as mesmas para a resistência ao sistema 50 anos atrás: as plantas daninhas, a compactação do solo e o predomínio da soja, de acordo com o professor Levien.

No caso das plantas daninhas, com o desenvolvimento da resistência aos principais herbicidas, ficou mais difícil e mais caro realizar o controle dessas invasoras. O preparo do solo com gradagem seria uma maneira mais fácil de controlar as plantas daninhas.

Já a bióloga Marie Bartz, professora visitante da Universidade Federal de Santa Catarina, defende que a cobertura do solo serviria justamente para abafar o crescimento das plantas daninhas. “O herbicida é uma ferramenta, mas quando você trabalha o sistema, vendo as várias interfaces, você reduz o uso dos insumos e não é só fertilizantes, mas também os herbicidas, pesticidas, fungicidas e tudo mais. Porque é um processo, o ambiente acaba se tornando um pouco mais balanceado. Então se o agricultor está tendo algum problema muito grave, é porque alguma coisa ali não está correndo bem, principalmente no atendimento aos critérios”, afirma, referenciando os pilares do sistema plantio direto. Para otimizar o manejo, é indicado trabalhar com diferentes ferramentas, incluindo os bionsumos e o manejo integrado de pragas.

Já a compactação ocorre a partir de práticas como tráfego de máquinas em áreas com alta umidade e de forma desordenada. Diante desse problema, muitos produtores optam pela escarificação e gradagem, o que torna mais fácil o processo de descompactação. Nesses casos, a rotação e cobertura também ajudariam a evitar a compactação.

Além disso, é considerado mais fácil semear e aproveitar as janelas de plantio com o cultivo convencional, já que o preparo do solo permite semear mais rápido e em diferentes momentos do dia, sem precisar esperar a palhada secar. Também não é preciso esperar por chuvas mais significativas, pois sem a palhada, mais água chega ao solo. A emergência também é considerada melhor devido ao contato da semente com o solo e muitos alegam que, inclusive, conseguem produzir mais com o plantio convencional, graças à uniformização da adubação.

Essas vantagens imediatas saltam aos olhos quando o tempo e o maquinário disponível são escassos. “Então são vários argumentos que o produtor tem razão, mas são argumentos que a gente vê que são a curto prazo, não são a longo prazo. A longo prazo, a gente tem que pensar em coisas maiores”, destaca o professor Levien.

Benefícios

Entre os benefícios da adoção do sistema plantio direto estão o aumento da matéria orgânica, melhor aproveitamento da fertilização do solo, melhor condição física para o crescimento radicular das raízes das plantas, aumento da biodiversidade e até o sequestro de carbono.

O sistema também contribui com o maior armazenamento de água, elemento fundamental em um momento de extremos climáticos, com chuvas extremas e estiagens recorrentes. “Com mais cobertura, você consegue armazenar mais água e infiltrar mais água”, aponta Levien.

Ao longo prazo, o sistema permite incremento da produtividade e rentabilidade. “O sistema plantio direto é baseado também no tripé da sustentabilidade, que é ambientalmente correto, socialmente justo e economicamente viável. Se ele não for rentável, não faz sentido. Então o agricultor tem que ter a rentabilidade dele, mas tem que atender aos outros dois [requisitos]. Então eles precisam pensar a médio e longo prazo, porque o sistema em si, ele não é algo que vai ter um resultado imediato de uma safra para outra, a gente precisa de tempo para construir esse ambiente e isso também tem que ter um envolvimento, engajamento de toda a sociedade e governo, porque o papel é de todo mundo”, afirma Marie Bartz.

Incentivo

O plantio direto está incluído no Plano Safra no Renovagro – Programa de Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis – com taxas de juros reduzidas de 7% a 8,5% ao ano. Para aumentar a adoção do sistema completo, os especialistas defendem maiores incentivos e até penalizações para os que não adotam o sistema. “O preço do produto vai ser difícil de mexer, a gente tem que colocar um incentivo para o produtor, de repente um acesso a adubação mais barata, pensar em formas viáveis que se paguem”, considera Levien.

Ações de conscientização sobre os benefícios do sistema, desde a educação básica até a universidade também são propostas. “Gerir esse sistema requer uma visão holística, multidisciplinar, e nem sempre as universidades e os profissionais que estão envolvidos conseguem ter essa visão”, aponta Bartz.

Preocupação

Diante desse cenário, é fundamental celebrar o Sistema Plantio Direto e suas contribuições ao agronegócio e à sustentabilidade. Porém, é preciso também entender as causas para que ele não tenha avançado ainda mais no país e por que o abandono do sistema já é uma realidade.

Apesar de mais de 50 anos terem se passado, a desconfiança e a dificuldade de adotar novas tecnologias continuam, especialmente em um cenário de altos custos de produção. Por isso é preciso encontrar formas mais contundentes de incentivo para a adoção completa do sistema, com todos os seus fundamentos, para que ele efetivamente apresente resultados e contribua para o desenvolvimento sustentável do agronegócio e do Brasil.