Trigo

Inovação de produto: novos destinos para a produção de cereais no Brasil

Uma das incertezas que os produtores rurais enfrentam ao longo da sua jornada de produção é se terão demanda para seus produtos, de maneira que remunere seus custos e possibilite uma margem de contribuição atrativa nos produtos vendidos. Quando tratamos de commodities o desafio é maior, em razão do limitado poder de influenciar preços, sendo o produtor um tomador de preço.

Algumas culturas, em razão de demandas estáveis ou estagnadas podem apresentar preços poucos atrativos para incentivar que os produtores ampliem sua área de produção. O arroz e o trigo são exemplos interessantes. O arroz em função do baixo crescimento da demanda e aumento da produtividade, tem gerado redução de áreas de cultivo. O trigo, durante muitos anos, esteve em um cenário ainda mais cinza que o arroz. Poucos produtores o tinham como uma cultura com capacidade de gerar receita significativa para a propriedade.

Uma das formas de melhorar cotações é aumentar a demanda para aquele produto. Isso não é uma tarefa feita pelo produtor rural,

Dieisson Pivoto, professor

Dentro dos mercados agrícolas, que seguem os modelos de concorrência perfeita, a oferta e demanda ditam as cotações presentes e futuras dos produtos agrícolas. Uma das formas de melhorar cotações é aumentar a demanda para aquele produto. Isso não é uma tarefa feita pelo produtor rural, mas sim de maneira setorial, por meio de políticas públicas, e por inovações que gerem novos usos para aqueles produtos, algo construído e artificial, e não algo dado pela natureza.

Um dos exemplos é a cana-de-açúcar. Durante muito tempo esta foi utilizada para a produção de açúcar apenas. O programa Pró-ácool auxiliou na demanda pelo produto etanol originado da cana-de-açúcar. No longo prazo teve efeito de aumento da demanda total de cana-de-açúcar. Uma inovação de produto, nesse caso, ampliou as possibilidades de uso para aquela cultura.

No milho tem se observado um processo interessante quanto a inovação de produto. Tem se observado o crescimento significativo das plantas para produção de etanol. Durante muitos anos afirmou-se que o etanol de milho era inviável economicamente no Brasil. Com a melhoria da tecnologia, novos processos produtivos e o subproduto do etanol chamado de DDGs (ou grãos de destilarias), utilizados para ração animal, o produção de etanol aumento de maneira exponencial.

Dados da agencia nacional do petróleo mostram um crescimento superior a 700% do volume de milho processado, passando de 950 mil toneladas processadas em 2017 para 7,6 milhões de toneladas em 2021. Esse processamento não tem um impacto na cotação do milho brasileiro, mas nos Estados Unidos, por exemplo, que processa em torno de 16 vezes mais milho para etanol, esse destino influencia a cotação do cereal mundialmente. Atualmente já se tem processos agroindustriais capazes de produzir, até, 430 litros de etanol por tonelada de milho. O processo de produção do etanol de milho ainda proporciona o DDG, que apresenta ótimo valor comercial, e ótima demanda ração animal, especialmente para confinamento de bovinos.

O trigo é uma cultura que tem se beneficiado por inovação de produtos. O que seria da demanda de trigo sem a variedade de bolachas, biscoitos e massas disponível nas gondolas dos supermercados? Se todas as inovações de produtos que foram desenvolvidas pela indústria não fossem lançadas? Possivelmente teríamos uma demanda estagnada e em queda em muito países.

Similar ao milho, a inovação de produto novamente pode auxiliar na demanda de trigo, e, em longo prazo, ter alguma influência na cotação do cereal. Observa-se um movimento no sul do Brasil para utilizar o trigo como matéria prima na produção de etanol. Algumas plantas de produção já estão em construção no RS, e muitas cooperativas têm anunciado intenção de realizar investimentos ou parcerias para produção de etanol a partir de matéria prima.

Leia aqui: Produção de cereais de inverno e etanol podem gerar impacto positivo no PIB gaúcho

A dicotomia entre produção de alimentos e energia, nesse caso, é minimizada. Um dos desafios da indústria de proteína animal no sul do Brasil (suínos e aves, em especial) é a oferta suficiente de alimentos. O trigo, por meio dos grãos de destilaria, entrará no processo de produção de carne de frango e suíno, reduzindo custos com transporte de grãos do Centro-Oeste.

Esses são processos setoriais, que envolvem toda cadeia produtiva do trigo, mas que podem ter efeitos benéficos no longo prazo, mantendo a cotação do trigo atrativa para os produtores cultivarem. O trigo é uma cultura que tem potencial de crescimento grande do sul do Brasil, em função de áreas ociosas de inverno. Quanto mais usos e demandas para um determinado produto, melhor para o produtor rural. A tecnologia e a inovação (nesse caso de produto) fora da porteira podem auxiliar na viabilidade dentro da porteira. Viva a beleza e complexidade do agronegócio.

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