Opinião

A guerra comercial sino-americana e o impacto no mercado da soja

As tarifas chinesas preveem uma taxação de 15% sobre produtos como frango, trigo e milho, enquanto itens como soja, carne suína, carne bovina e frutas serão taxados em 10%

Close das mãos de um fazendeiro segurando uma plantação de soja durante o pôr do sol antes da colheita no campo.
De acordo com o USDA, a competição entre exportadores de soja dos EUA e do Brasil por vendas à China tende a equalizar os preços de exportação | Foto: Banco de imagens

Em 10 de março de 2025, entraram em vigor novas tarifas chinesas de até 15% sobre produtos agrícolas originários dos Estados Unidos. Essa medida foi uma resposta ao recente aumento das tarifas sobre produtos chineses aprovado pelo então presidente Donald Trump. As tarifas chinesas preveem uma taxação de 15% sobre produtos como frango, trigo e milho, enquanto itens como soja, carne suína, carne bovina e frutas serão taxados em 10%.

A guerra comercial sino-americana tem gerado incertezas no mercado de commodities há algum tempo, desde o primeiro mandato do governo Trump, impactando preços como os da soja em 2018. Um exemplo marcante foi o dia 4 de abril de 2018, quando o governo chinês anunciou as primeiras tarifas retaliatórias sobre produtos agrícolas dos EUA.

Diante dessa incerteza, muitos participantes do mercado recorreram ao contrato futuro de soja para posicionamento, resultando em volumes de negociação expressivos ao longo daquele dia.

Volume diário de futuros de soja | Fonte: CME Group Data Science/ Divulgação

De acordo com o USDA, a competição entre exportadores de soja dos EUA e do Brasil por vendas à China tende a equalizar os preços de exportação. O preço da soja de ambos os países é geralmente negociado com base no preço futuro da Chicago Board of Trade, acrescido de um prêmio ou desconto específico a cada porto.

Em junho de 2018, a China impôs uma tarifa adicional sobre a soja dos EUA, gerando a expectativa de queda nos preços americanos e alta nos preços brasileiros. O gráfico a seguir ilustra três séries mensais de dados de preços: o preço futuro de Chicago, o preço à vista nos elevadores de exportação dos EUA no Golfo do México e o preço no porto brasileiro de Paranaguá. As séries exibem flutuações bastante semelhantes, refletindo as fases de alta e baixa experimentadas pelos três preços entre 2007 e 2019.

Médias mensais convertidas em dólares por tonelada métrica | Fonte: CEPEA, USDA e IMF/Divulgação

Os três preços analisados apresentaram rápidas elevações nos períodos de 2007-2008, 2012 e 2016, com picos aproximadamente coincidentes. Quedas acentuadas foram observadas em 2008, 2009 e 2014.

Conforme o USDA, os preços da soja do Brasil e dos EUA divergiram após o anúncio da tarifa chinesa em 2018, mas essa divergência se limitou a seis meses. A análise dos preços diários nos portos de Paranaguá e do Golfo dos EUA, entre janeiro de 2018 e março de 2019, demonstra uma separação entre os preços brasileiro e americano após o anúncio da tarifa chinesa sobre a soja dos EUA em junho de 2018.

Os preços da soja dos EUA e do Brasil convergiram novamente em dezembro de 2018, mesmo com a tarifa chinesa ainda em vigor. O preço brasileiro começou a declinar no final de outubro, à medida que se tornava evidente que haveria outra grande safra sul-americana para adicionar aos estoques recordes de soja, mantidos por agricultores e comerciantes dos EUA.

A demanda chinesa por soja estava enfraquecendo, devido à desaceleração da economia e à redução da produção de suínos na China durante uma epidemia de peste suína africana. Os preços da soja nos EUA se recuperaram levemente em outubro e novembro, impulsionados pela disposição dos agricultores em manter estoques e pelo aumento das exportações para outros destinos, atraídos pelos preços baixos.

A expectativa de que a China poderia retomar as compras de soja dos EUA também contribuiu para uma recuperação nos preços futuros.

Interdependência no mercado da soja: Brasil, China e Estados Unidos.

Apesar das incertezas geradas pela guerra comercial sino-americana, considero improvável uma mudança significativa na concentração geográfica do comércio global de soja. A interdependência entre China, Brasil e Estados Unidos persistirá, impulsionada pela crescente demanda chinesa e pela escassez de fornecedores alternativos relevantes a curto prazo.

A combinação de altos rendimentos, vantagem de custo e canais de marketing estabelecidos do Brasil e dos EUA dificulta a competição de novos países. Para se tornar um exportador competitivo, um país precisa de políticas agrícolas de apoio, baixos custos de terra, fazendas em larga escala e um ambiente macroeconômico e logístico estável, o que leva tempo para ser alcançado. Apesar das iniciativas chinesas para desenvolver novos exportadores, por meio de investimentos, esses empreendimentos enfrentam obstáculos e levarão anos para aumentar as exportações de forma relevante.

O Brasil levou décadas para se firmar como fornecedor global de soja, desde as ambições de ocupação do Cerrado na década de 1960. O país precisou desenvolver cultivares adaptadas ao clima e solo, melhorar o acesso a crédito e insumos, e construir infraestrutura de transporte – ainda que deficitária – para alcançar a liderança mundial, mesmo enfrentando instabilidade política e macroeconômica em certos períodos.

A Argentina é um grande produtor de soja, mas sua política de favorecer as exportações de farelo e óleo de soja colide com a política da China que favorece as importações de soja em grão para processamento na China.

Segundo o USDA, a forte demanda chinesa por óleos comestíveis e proteínas animais impulsionou a liberalização do comércio de soja, enquanto a China buscava a adesão à OMC, que ocorreu em 2001. O aumento do investimento estrangeiro e o crescimento econômico após a adesão à OMC expandiram a capacidade de processamento de soja na China, com o apoio de capital doméstico. A China adotou tarifas baixas para importação de soja, enquanto manteve proteção comercial a grãos.

Simultaneamente, durante a década de 1990, Brasil (com a Lei Kandir) e EUA adotaram políticas agrícolas mais orientadas ao mercado, tornando a produção de soja mais responsiva à demanda global.

Em 2018, os principais impactos de curto prazo da tarifa retaliatória da China sobre a soja dos EUA foram a redução dos preços para os agricultores americanos e o aumento da dependência da China do Brasil como fornecedor.

A grande produção de soja brasileira permitiu que a China transferisse suas compras da soja dos EUA para o Brasil, com impacto mínimo nos preços de compra chineses durante os primeiros meses após a imposição da tarifa. Os baixos preços da soja podem incentivar os agricultores dos EUA a substituírem o plantio de soja por milho e trigo. No Brasil e na Argentina, espera-se que os agricultores, incentivados pelos altos preços oferecidos pelos compradores chineses, plantem mais soja.

Caso a disputa comercial sino-americana persista por um longo período, o crescimento da demanda por importações de soja dependerá da capacidade dos produtores da América Latina de expandir a produção. Os Estados Unidos precisarão, portanto, encontrar mercados alternativos para a soja.

Segundo o USDA, as autoridades chinesas têm a ambição de substituir as importações de soja dos EUA por importações de soja, outros óleos e farelos de novos fornecedores, como Cazaquistão, Rússia e Ucrânia.

Com base na análise do CoBank, o breve período de alta nos preços das commodities, impulsionado por secas globais, a guerra na Ucrânia e interrupções na cadeia de suprimentos causadas pela COVID-19, agora pertence ao passado. Os preços das culturas agrícolas sofreram uma queda acentuada, chegando a quase 50% abaixo dos picos registrados em 2022.

No entanto, os custos de produção continuam elevados, resultando em uma queda na lucratividade, que atingiu os níveis mais baixos em mais de dez anos. É um momento de cautela e planejamento estratégico para o Agronegócio.

E como disse Warren Buffet: O mercado, assim como Deus, ajuda aqueles que se ajudam.