A Fazenda Librelotto, de Boa Vista das Missões, município localizado na Região Norte do Rio Grande do Sul, é referência no aperfeiçoamento do sistema de produção que integra lavoura (grãos de inverno e verão) com pecuária (forragens e gado de corte). Os resultados na produção agropecuária vêm do bom planejamento forrageiro, com oferta de alimento para o gado durante o ano todo.
Mas a propriedade, de 135 hectares, também segue práticas como o plantio direto com rotação de culturas e palhadas e utilização de sistemas de terraços For Windows (escavação do solo de modo a formar uma espécie de dique destinado a reduzir a velocidade de escoamento da chuva e quase acabar com a erosão).
A aproximação com a pesquisa ocorreu há 17 anos, quando pesquisadores da Embrapa Trigo, de Passo Fundo (RS), aceitaram o convite para visitar a propriedade e conhecer os trabalhos desenvolvidos em ILP. A Fazenda Librelotto passou de pai para filho com foco na engorda de bovinos de corte das raças Hereford e Braford. A inserção de grãos sempre esteve limitada à produção de soja no verão e forragens de inverno, como aveia e azevém.
Com os primeiros resultados de pesquisa, que depois também envolveu a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o agropecuarista Ivonei Sandro Librelotto passou a investir na rotação gramínea-leguminosa, incluindo o trigo e o milho no sistema de produção. Os números da propriedade mostraram que a decisão foi acertada, conforme o produtor.
Com a adoção da ILP, a produtividade de grãos da Fazenda Librelotto aumentou quatro vezes. E, a produção de carne, oito vezes. Enquanto no Estado a média da soja é de 50 sacas por hectare, Librelotto colhia de 70 a 80 sacas por hectare. No milho, retirava da lavoura 150 sacas por hectare e alcançava 300 quilos de carne por hectare, o triplo da média da pecuária na fronteira.
As sucessivas estiagens dos últimos anos, no entanto, cobraram um preço. “A produtividade média da lavoura de soja caiu muito, o que me levou a reduzir a área com agricultura e investir mais na pecuária”, afirma Librelotto, um ex boia-fria que hoje faz palestras e workshops e presta consultoria em sistemas integrados para gado de corte e de leite. “Nos últimos dez anos, colhemos uma média de 60 sacas de soja por hectare, mas, em função da seca, produtores vizinhos deixaram de colher de 120 a 150 sacas por hectare”, acrescenta.
A criação de gado literalmente salvou a lavoura e pagou as contas da propriedade de Librelotto. O plantel, que varia de 300 a 450 cabeças, é criado em uma área de 65 hectares, sendo 50 deles de campo nativo. Hoje, a produção anual de carne é de 500 quilos por hectare. “A média de produção dos campos nativos do Estado é de menos de 100 quilos por hectare”, compara.
Produção com sustentabilidade
A integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) é uma estratégia de produção que vem crescendo no Brasil nos últimos anos. Trata-se da utilização de diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades.
Diferentemente do senso comum, a tecnologia pode ser adotada por pequenos, médios e grandes produtores de diferentes formas, com diversas culturas e espécies animais, mas tendo em comum os conceitos da integração. Os sistemas de integração envolvem a produção de grãos, fibras, madeira, energia, leite ou carne na mesma área, em plantios em rotação, consorciação e/ou sucessão. A ILPF funciona basicamente com o plantio, durante o verão, de culturas agrícolas anuais (arroz, feijão, milho, soja ou sorgo) e de árvores, associado a espécies forrageiras (braquiária ou panicum).
Existem várias possibilidades de configuração entre os componentes agrícola, pecuário e florestal, considerando espaço e tempo disponível, resultando em diferentes sistemas integrados. Os sistemas de ILPF são constituídos por quatro modalidades: a integração lavoura-pecuária (ILP) ou sistema agropastoril; lavoura-floresta (ILF) ou sistema silviagrícola; pecuária-floresta (IPF) chamada de sistema silvipastoril; e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), o sistema agrossilvipastoril.
A estratégia de produção está sendo adotada em vários níveis de intensidade e vem ganhando espaço em todo o Brasil. Há diversos exemplos bem-sucedidos de uso da estratégia de produção 100% brasileira nos biomas Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal. A configuração mais usada pelos produtores é a ILP.
A prática vem crescendo no Brasil. Em 2005, a área com ILPF era de 1,87 milhão de hectares, mas da safra 2015/2016 até a de 2020/2021houve um aumento estimado de 52% de áreas com ILPF no Brasil. A Rede ILPF estima que 17,43 milhões de hectares tenham com algum tipo de adoção de sistemas de integração. A entidade é formada por instituições como a Embrapa e empresas como Bradesco, John Deere e Syngenta, entre outras.
Os estados que se destacam com maior área com adoção da estratégia de integração são Mato Grosso do Sul, com 3.169.987 hectares (16,25%); Mato Grosso, com 2.281.544 hectares; (7,37%) e Rio Grande do Sul, que conta com 2.216.008 hectares (31,17%). Esse último é o que possuí o maior número de propriedades participantes de alguma das modalidades. A área sob uso agropecuário no estado sulino é de 7.108.887 hectares, sendo que 20,51% possuí algum tipo de integração.
Acordo de cooperação
O governo do Rio Grande do Sul, por meio da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) e a Associação Rede ILPF assinaram um acordo de cooperação técnica para a implantação do Integra RS, programa dedicado ao fomento da expansão do sistema ILPF no Estado. A solenidade ocorreu durante a última Expodireto, em Não-Me-Toque.
O convênio tem como objetivo identificar áreas estratégicas para a adoção do Sistema ILPF, com ênfase na intensificação sustentável, além de promover uma agenda de difusão de conhecimento e tecnologias relacionadas ao tema. As ações previstas incluem dias de campo, encontros técnicos e workshops, destacando as oportunidades socioeconômicas e ambientais do sistema para o setor agropecuário gaúcho.
“A integração não só aumenta a produtividade e a eficiência do uso da terra, como também contribui para uma agricultura mais sustentável, emitindo menos carbono”, destacou o vice-governador do RS, Gabriel Souza. “Para alcançarmos nossas metas de redução de emissões, cremos que o futuro do agronegócio está na integração de diferentes culturas, e é por isso que buscamos um acordo de cooperação técnica com a Rede LPF. É uma prioridade para o nosso Estado apoiar e desenvolver um setor primário mais sustentável”, completou.
A iniciativa faz parte do programa Integra Rede ILPF, já consolidado em São Paulo como Integra SP. Souza adiantou que o primeiro passo será a capacitação de profissionais do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), referência em pesquisa e desenvolvimento da orizicultura no estado, e da Emater/RS-Ascar, entidade de assistência técnica e extensão rural voltada ao fortalecimento da agropecuária gaúcha.
O que é ILPF
A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta é um sistema de cultivo que permite diferentes sistemas produtivos em uma mesma área, como grãos, gado e árvores, de forma que haja benefícios para todas as atividades;
Benefícios da ILPF
– Manutenção da biodiversidade e sustentabilidade da agropecuária;
– Aumento da renda líquida, permitindo maior capitalização do produtor;
– Melhoria do bem-estar animal em decorrência do maior conforto térmico;
– Aumento da produção de grãos, carne, leite, produtos madeireiros e não madeireiros em uma mesma área;
– Redução da pressão pela abertura de novas áreas com vegetação nativa;
– Mitigação das emissões de gases causadores do efeito estufa.
Fonte: Rede ILPF.