Em 2023, os produtores de arroz no Rio Grande do Sul sofreram com a tragédia climática. Com cerca de 85% da safra colhida e armazenada, em maio os produtores viram a enchente interromper a cadeia de distribuição e ameaçar as propriedades. Ainda restavam 142 mil hectares do cereal a colher quando as chuvas intensas provocaram perdas de lavouras e de produtos já colhidos, além de danos em máquinas e implementos agrícolas e silos. Mas, com a valorização do arroz, tradicional na mesa dos brasileiros ao lado do feijão, os agricultores seguem apostando na cultura e devem aumentar a área plantada na safra 2024/2025.
O Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) divulgou, durante a 47ª Expointer, em Esteio (RS), que a área com arroz no Estado terá alta de 5,3% na safra 2024/2025, chegando a 948 mil hectares. A produção estimada é de 8,04 milhões de toneladas, um incremento de 11,69% em relação à safra anterior, Serão 48.153 hectares a mais do que o cultivado no ciclo 2023/2024, com destaque para as regionais da Planície Costeira Interna, com aumento de 8,2% (+10.907 hectares) e Zona Sul, com elevação de 7,5% (+11.668 hectares).
A Planície Costeira Externa será a única a registrar redução de área, mas apenas 0,6% menor (-600 hectares) em relação à safra anterior, conforme o Irga. A Campanha Gaúcha terá 785 hectares a mais (+0,6%) em relação ao ano passado. Já na Fronteira Oeste – que é maior produtora do Estado – serão 17.640 hectares a mais (+6,7%) e a Central, 7.753 hectares (+6,5%) de crescimento.
Em relação ao cultivo de soja na várzea no Estado, o levantamento do Irga aponta para 403.941 hectares, uma redução de 4,3% (-18.269 hectares) em comparação com a safra passada. As duas únicas regionais a registrarem crescimento serão a Central, com aumento de 110% (+25.714 hectares) e a Campanha, com 16,7% (+14.681 hectares). A maior redução ocorrerá na Fronteira Oeste, que aponta para menos 40,5% (-20.278 hectares).
Na safra 2023/2024, os gaúchos produziram 7.198.527 toneladas em 900.203 hectares. A produtividade média no Estado atingiu 8.387 quilos por hectare. A área perdida ficou em 46.991 hectares (5,22% da área total). As perdas ocorreram principalmente na Região Central do Estado, onde as águas barrentas atingiram pequenas propriedades com menos de 100 hectares. O Irga estima que o prejuízo passou dos R$ 82 milhões apenas com as perdas na lavoura. Com máquinas, a perda alcança mais de R$ 36 milhões.
Já a safra de arroz 2023/24 no Brasil totalizou 10,75 milhões de toneladas, das quais 9,98 milhões foram cultivadas em áreas alagadas (irrigadas), de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O RS destacou-se como o maior produtor, responsável por 7.162.674,9 toneladas, correspondendo a 70% da produção nacional. Santa Catarina e Tocantins apareceram logo em seguida, com participações de 10% e 7%, respectivamente.
Previsões do clima
Antes de decidir o que plantar para o próximo ciclo, os produtores avaliam o comportamento dos preços, que estão atrativos para o arroz no momento. E ficam de olho nas previsões do clima. A expansão da área do arroz também é explicada pela provável chegada de um fenômeno La Niña de menor intensidade, que favorece o arroz com incidência solar e chuvas suficientes para manter as barragens em nível satisfatório.
A Organização Meteorológica Mundial (OMM) afirmou, no dia 11 de setembro, que há 60% de probabilidade de surgirem condições de La Niña no final deste ano. O fenômeno climático ocorre quando há o resfriamento da faixa Equatorial Central e Centro-Leste do Oceano Pacífico. Ele é estabelecido quando há uma diminuição igual ou maior a 0,5°C nas águas do oceano. O fenômeno acontece a cada três ou cinco anos.
Para o Brasil, os efeitos clássicos do La Niña são o aumento de chuvas no Norte e no Nordeste, tempo seco no Centro-Sul, com chuvas mais irregulares, condição mais favorável para a entrada de massas de ar frio no Brasil, gerando maior variação térmica. E tendência de tempo mais seco no Sul. Durante os episódios de La Niña, o RS tende a experimentar uma redução nas precipitações, especialmente durante o verão, que coincide com a fase crítica de desenvolvimento do arroz. Com o início da semeadura previsto para setembro, os reservatórios de água atualmente estão com volume cheio.
Depois de duas safras com estiagem e outra com enchentes, os produtores gaúchos também levam em conta uma virtude importante do cereal, que gosta de água no pé e sol na cabeça, “Estamos vivendo extremos climáticos e a opção pelo arroz aumenta, por ser uma cultura com mais resiliência em relação aos estresses hídricos”, afirma a diretora técnica do Irga, a engenheira agrônoma Flávia Miyuky Tomita. “A soja e o milho são culturas mais sensíveis ao excesso e escassez de água”, acrescenta.
Ela lembra que, na Fronteira Oeste, há três safras não se iniciava com os açudes e barragens com 100% da sua capacidade e isso também motivou o aumento da área. “Esse ano, aos reservatórios estão com 100% da capacidade de água”, afirma. Por outro lado, os baixos preços da soja têm ajudado a retomada do arroz em áreas já cultivadas anteriormente.
Interferência do governo
O presidente da Federação das Associações dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho, lembra que, além das enchentes, o setor ainda precisou enfrentar a interferência negativa do governo federal, que anunciou a importação de arroz a um preço mais baixo para tentar conter possíveis aumentos de preços. A medida não se concretizou, mas desgastou a imagem do segmento junto ao público e desestimulou investimentos dos empresários para as próximas safras.
A próxima safra deverá ter um pequeno crescimento na área plantada, com o avanço do arroz sobre áreas onde os produtores haviam plantado soja. “O Irga está projetando uma alta de 5,3% na área, principalmente naquelas regiões onde a oleaginosa não foi bem, nas terras baixas, e também muito em função do preço do arroz”, destaca o presidente da Federarroz.
Velho, alerta, no entanto, que os orizicultores tiveram perdas com as enchentes e precisarão refazer suas estruturas, como drenagem e canais de irrigação. “Vamos ter que reconstruir parte da estrutura e isso pode impactar nos custos de produção”, avisa. Na safra 2022/2023, o custo de produção foi de R$ 16.909,21 por hectare.
A diretora técnica do Irga diz que provavelmente, o custo de produção das áreas atingidas pelas enchentes tende a aumentar, com a reconstrução dos canais, de toda a parte de solo danificada e parte de estrutura de drenagem da lavoura. “Esse é um processo que tem que ser calculado, diluído por vários anos, não pode ser diluído em um ano só”, observa Flávia.
A engenheira agrônoma cita como exemplo um canal de irrigação, que tem um tempo de vida útil de dez anos. “É difícil dizer com precisão. Algumas regiões do Estado não terão uma interferência muito grande, porque, na verdade, os estragos estão concentrados mais em uma região que não é tão relevante em termos de área, mas se destaca em número de produtores”, explica a profissional.
A lavoura de arroz
O cultivo de arroz no Rio Grande do Sul envolve cerca de 6 mil produtores e está presente em 205 dos 497 municípios gaúchos, responsáveis por geral cerca de 30 mil empregos diretos. O plantio do cereal é a principal atividade econômica de 50% dos municípios da Metade Sul do Estado e muitos dependem do retorno do ICMS [Imposto Sobre Circulação de Mercadorias] em função do arroz. A atividade é responsável por 1,5% a 2% do ICMS arrecadado no Estado.
Barragens cheias garantem aumento da área
Nos últimos três anos, o agricultor Ariosto de Macedo Pons Neto não conseguiu semear toda a área destinada ao arroz em sua propriedade, localizada em Uruguaiana (RS), na Fronteira Oeste do Estado. Em função das prolongadas estiagens, as barragens da Granja Nossa Senhora das Graças não estavam cheias e impediam o total uso da terra. Neste ano, a situação mudou e com água suficiente o produtor rural voltará a plantar 100% da área com arroz. “Nos últimos três anos, a minha área plantada foi, em média, 250 hectares. Pretendo cultivar 350 hectares na safra 2024/2025, um aumento de 32%”, afirma Pons Neto, que é presidente da Associação dos Arrozeiros de Uruguaiana e da Barra do Quaraí e também diretor regional da Federarroz na Fronteira Oeste.