A edição gênica, por meio da técnica CRISPR/Cas9, está sendo utilizada para conferir resistência à brusone à cultivar de arroz BRSMG Curinga, em uma pesquisa da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF). Lançada em 2005, a BRSMG Curinga foi substituída no mercado após se tornar suscetível a essa doença, causada pelo fungo Magnaporthe oryzae, ao longo dos anos. A tecnologia, resultado do nocaute de dois genes-alvo relacionados à brusone, ainda está em fase de testes, mas tem potencial de chegar ao mercado em poucos anos.
De acordo com a pesquisadora Angela Mehta, cultivares como a BRSMG Curinga, lançadas no mercado como resistentes ou tolerantes à brusone, tornam-se suscetíveis em alguns anos, pois a variabilidade do fungo é muito alta. Esse é um problema tanto para o arroz de sequeiro como para o irrigado. O estudo comparou um genótipo de arroz suscetível a um genótipo resistente em busca de proteínas que, depois da infecção pelo patógeno, se tornam mais abundantes na planta suscetível.
“Nós identificamos um grupo de proteínas potencialmente envolvido nessa suscetibilidade e selecionamos alguns genes correspondentes para fazer o nocaute por CRISPR”, afirma Mehta. O termo “nocaute” significa retirar a função de um determinado gene, que deixa de produzir a proteína funcional. Para a pesquisadora, esse trabalho mostra também a importância da prospecção de genes de interesse agronômico por técnicas ômicas (conjunto de ferramentas moleculares que auxiliam na compreensão das diferentes moléculas biológicas que dão funcionalidades a um organismo, como genômica, transcriptômica, proteômica e metabolômica).
Foram identificados três genes passíveis de nocaute, dois deles validados durante o doutorado-sanduíche de Fabiano Távora, orientado por Mehta, realizado no Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), na França.
Nocaute
Ao fazer o nocaute desses genes na variedade de arroz Kitaake, considerada modelo, Távora constatou que a planta ficou um pouco mais resistente à brusone em relação à variedade não editada. “Quando ele voltou da França, nós usamos um desses genes como alvo, e selecionamos outros dois para fazer uma combinação de alvos para o nocaute de dois genes ao mesmo tempo, em duas construções distintas na cultivar BRSMG Curinga”, explica Mehta. O estudo resultou em duas linhagens de arroz resistentes à brusone (uma para cada construção), apresentando mutações para os dois genes-alvo.
Segundo a pesquisadora, foram realizados nocautes de dois genes, ao mesmo tempo, para potencializar a resistência e obter uma resposta melhor. Ela ressalta que esses resultados, até o momento, foram obtidos em casa de vegetação, desafiando as linhagens a um isolado do fungo. “A próxima etapa é desafiá-las com outros isolados para verificar se essa resistência vai se manter”, complementa.
Mehta observa ainda que a BRSMG Curinga foi escolhida por ser um genótipo transformável e por apresentar características agronômicas mais próximas ao interesse do produtor quando comparada a cultivares-modelo, como a Nipponbare e Kitaake. “Essas variedades não têm o nível de melhoramento para terras altas da Curinga, que foi adaptada às condições do Cerrado brasileiro”, assinala.
Para a pesquisadora, o resultado da pesquisa oferece uma importante fonte de resistência genética à brusone, diferente da que se tem hoje, para incorporação em variedades e linhagens-elite e até em linhagens de populações de seleção recorrente do programa de melhoramento de arroz.
O estudo está sendo desenvolvido em parceria com os pesquisadores Raquel Mello e Adriano Castro, da Embrapa Arroz e Feijão (GO), em projeto liderado por Angela Mehta, financiado pela Embrapa, com o apoio de um projeto Embrapa-Monsanto, liderado pela pesquisadora Márcia Chaves, da Embrapa Clima Temperado (RS).
Brusone
A brusone, causada pelo fungo Magnaporthe oryzae, é considerada a doença mais destrutiva do arroz e ocorre em todo o território brasileiro. Os prejuízos são variáveis, sendo maiores em arroz de terras altas, na Região Centro-Oeste, e podem comprometer em até 100% a produção nos anos de ataques epidêmicos. Ocorre também em diversas gramíneas comuns em campos de arroz e trigo.
As principais fontes de contaminação primária são sementes infectadas e restos culturais. Já a infecção secundária tem como fonte as lesões esporulativas das folhas infectadas. Todas as fases do ciclo da doença são altamente influenciadas pelos fatores climáticos. De maneira geral, são necessárias altas temperaturas (de 25 °C a 28 °C) e umidade acima de 90%.
Os sintomas nas folhas iniciam-se com a formação de pequenas lesões necróticas de coloração marrom, que aumentam em tamanho e se tornam elípticas, de margens marrons e centro cinza ou esbranquiçado. Em condições favoráveis, as lesões causam a morte das folhas e, muitas vezes, da planta inteira.
Os sintomas característicos nos nós são lesões de cor marrom que podem atingir as regiões do colmo próximas aos nós atacados. A infecção do nó da base da panícula (inflorescência da planta de arroz) é conhecida como brusone do pescoço, pois uma lesão marrom circunda a região nodal e provoca o estrangulamento da planta.
Pode apresentar chochamento (anomalia que ocorre quando os grãos não se desenvolvem corretamente). As panículas ficam esbranquiçadas, sendo facilmente identificadas no campo. Diversas partes da panícula, como ráquis, ramificações primárias e secundárias e pedicelos, também são infectadas.
Controle
Atualmente, os danos causados pela brusone podem ser reduzidos pelo uso de cultivares resistentes, práticas culturais e fungicidas, utilizados de forma integrada no manejo da cultura com adequado preparo do solo; adubação equilibrada, evitando o crescimento vegetativo exagerado da planta; uso de sementes de boa qualidade fitossanitária e fisiológica; plantio feito em um período mínimo de tempo e iniciado no sentido contrário à direção predominante do vento; incorporação dos restos culturais; profundidade de plantio uniforme; e densidade de semeadura recomendada para a cultivar ou sistema de plantio.
Também é importante o controle de plantas daninhas; destruição de plantas voluntárias e doentes; bom nivelamento do solo; manutenção no nível adequado de água de irrigação durante o ciclo da planta; dimensionamento adequado dos sistemas de irrigação e drenagem; troca de cultivares semeadas a cada três ou quatro anos; plantio no início do período das chuvas; e emprego de fungicidas aplicados em tratamento de sementes e em pulverização da parte aérea.
A proteção contra a brusone na panícula é feita de forma preventiva, por meio de pulverizações com fungicidas sistêmicos: uma aplicação deve ser realizada no fim do período de emborrachamento e a outra com até 5% de emissão de panículas.
Fonte: Embrapa