O clima ajudou e o Brasil colherá 332,9 milhões de toneladas de grãos na safra 2024-2025, crescimento de 11,9% ou 35,4 milhões de toneladas sobre a safra anterior, conforme levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A soja se destaca com o maior crescimento, com a estimativa mostrando um volume colhido de 168,3 milhões de toneladas, seguida do milho, com 126,9 milhões de toneladas, e do arroz, com 12,1 milhões de toneladas.
O estudo da Conab também aponta para um crescimento de 2,2% na área cultivada no País na safra 2024-2025 sobre a safra 2023/24, ou de 1,8 milhão de hectares, estimada em 81,7 milhões de hectares. Os maiores acréscimos ocorreram na cultura da soja, com aumento de 1,5 milhão de hectares, seguido do milho, com 335,8 de hectares e do algodão, com 139,3 mil hectares superior à área cultivada na safra anterior.
Mas ao mesmo tempo em que os produtores rurais comemoram recordes de produtividade e de produção, voltam a sofrer com os antigos problemas de logística e infraestrutura, como o vai-e-vem em estradas precárias e a falta de espaço nos armazéns. Atualmente, a diferença entre o que será colhido e o que pode efetivamente ser estocado simultaneamente é de 120,5 milhões de toneladas.
O problema é que a capacidade estática de armazenagem no Brasil hoje é estimada em 212,4 milhões de toneladas, conforme números da Conab. Isso é suficiente para guardar apenas 64% da colheita. Ao todo, 98% da safra está em armazéns privados e somente 2% estão em infraestruturas públicas.
A Região Centro-Oeste conta com a maior capacidade estática de armazenagem, com 84,2 milhões de toneladas, conforme a Conab. São 3.014 unidades armazenadoras. A Região Sul aparece na segunda posição, com uma capacidade estática de 72 milhões de toneladas. Os três estados do Sul, no entanto, têm mais unidades armazenadoras: 5.485. Em 2010, a capacidade estática da Região Sul era de 55,1 milhões de toneladas.
Mesmo a conta não fechando, a Conab alega que não se pode afirmar que o Brasil possui um déficit de armazenagem de 120,5 milhões de toneladas. “No entanto, essa diferença não reflete um déficit de armazenagem real. Existe a necessidade em se aumentar a capacidade estática no Brasil, mas precisamos respeitar as singularidades de que no Brasil se planta e colhe mais de uma safra ao longo do ano, levando em consideração todo o processo de escoamento dos grãos”, afirmou na semana passada o superintendente de Armazenagem da Conab, Stelito dos Reis Neto, ao participar do I Simpósio de Pós-colheita de Grãos. O evento foi promovido pela Associação Brasileira de Pós-colheita (Abrapos), em Ponta Porã (MS). O governo federal promete expandir a capacidade estática de armazenagem para 1,32 milhão de toneladas.
Com as prolongadas estiagens e as enchentes, neste ciclo o Rio Grande do Sul não deverá ter problemas com armazenagem. Os fenômenos climáticos dos últimos quatro anos fizeram com que a produção gaúcha de grãos não crescesse a ponto de faltar lugar para guardar a safra de arroz, soja, milho, feijão e trigo.
“O problema de armazenagem não está aqui na Região sul, mas sim, na Região Centro-Norte, onde a produção mais cresce”, avalia o economista Paulo Molinari, da consultoria Safras & Mercado, de Porto Alegre (RS) “Mas se o Estado tiver, no futuro. uma safra plena de verão e também de inverno, poderemos ter dificuldades”, completa o especialista.
Prejuízos
A diferença entre a capacidade de armazenagem do que é produzido no campo é um gargalo crônico que ameaça o crescimento do agronegócio brasileiro, setor que mais contribuiu para o crescimento de 1,4% do (Produto Interno Bruto (PIB) do País no primeiro trimestre de 2025. Esse abismo entre o que é produzido e a capacidade armazenagem tem gerado prejuízos expressivos. Somente por falhas logísticas e falta de estrutura de armazenamento, o Brasil perde anualmente cerca de 13% da produção agrícola – algo ao redor de 36 milhões de toneladas, segundo estimativas da Conab. A conta, salgada, chega a R$ 84 bilhões.
Além disso, a falta de lugares para guardar a produção tem obrigado os produtores a comercializarem a safra logo depois de colher, a contratar fretes em parceria, o que eleva preços, além de congestionar estradas e portos nas principais regiões produtoras de grãos. Sem alternativas, muitos produtores e cerealistas estão recorrendo a soluções emergenciais como silos-bolsa ou até mesmo a piscinões a céu aberto para estocar os grãos, sujeito a ataques de insetos e de roedores e, inclusive, a chuvas.
Recursos insuficientes
Durante um evento promovido pela Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), em Brasília (DF), o diretor executivo da Aprosoja Brasil, Fabrício Rosa, disse que seriam necessários cerca de R$ 15 bilhões anuais em novas estruturas de armazenagem apenas para manter o aumento de 10 milhões de toneladas por ano. Bem mais do que o dobro do montante atualmente disponibilizado pelo Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), que conta com R$ 7 bilhões, dos quais somente R$ 3,5 bilhões realmente chegam às mãos dos produtores.
Lançado pelo governo federal em 2013 com a meta de eliminar o déficit de armazenagem até 2019, o PCA tem sido uma ferramenta de apoio à ampliação de armazéns de grãos no Brasil. A iniciativa oferece linhas de crédito como o PCA Grãos, com juros de 7% ao ano e prazos estendidos para estruturas de até 6 mil toneladas e de 8,5% ao ano para os demais investimentos, com prazo de reembolso de até dez anos.
Na prática, porém, o programa tem se mostrado, nos últimos anos, insuficiente na sua função, em razão do baixo volume de recursos disponibilizados e dos elevados custos de operação, conforme a Câmara Setorial de Equipamentos para Armazenagem de Grãos (Cseag) da Abimaq, “Os juros do PCA Grãos até que são bons e os produtores querem investir em armazenagem. Mas eles reclamam do excesso de burocracia e das dificuldades de acesso ao crédito. Essa situação interfere na segurança alimentar e na inflação dos alimentos”, sublinha o presidente da Cseag, Paulo Antonio Pusch Bertolini,
O dirigente, que também está à frente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), destaca que o Brasil tem uma indústria com capacidade tecnológica para fabricação de silos e exporta essas estruturas para mais de 40 países. E cobra do governo federal recursos para um número maior de silos, principalmente nas propriedades.
Localização dos silos
Outro complicador é a má distribuição geográfica das estruturas de armazenagem. Conforme a Conab, só 17% dos armazéns do País estão estrategicamente acomodados nas fazendas, onde seriam mais eficazes. Os 83% restantes concentram-se em cooperativas, tradings, áreas urbanas, complexos industriais e portos.
Para efeito comparativo segundo o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), os norte-americanos possuem 66% da capacidade estática de armazenagem de grãos dentro das fazendas. O país, inclusive, oferece aos agricultores o Farm Storage Facility Loan Program (FSFL), programa de financiamento a juros baixos (3,75% a.a com prazo de empréstimo de até 12 anos) para que os agricultores possam construir ou melhorar as instalações para armazenar commodities.
Além do déficit de armazenagem, do baixo percentual de armazéns situados nas fazendas, há ainda o agravante de que diversos armazéns em operação estão em condições inadequadas, precisando de reforma ou substituição.
Intenção de investimento
Uma pesquisa realizada pela Esalq-USP e divulgada há dois anos pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA Brasil) mostrou que a maioria dos 1.065 produtores rurais ouvidos afirmou que investiria em armazenagem se tivesse acesso a taxas de juros atrativas. Cerca de 72,7% demonstraram interesse em investir na armazenagem por meio de crédito com taxas de juros atraentes.
O estudo “Diagnóstico da Armazenagem Agrícola no Brasil” também revelou que a maior parte dos produtores rurais desejava expandir a capacidade estática de armazenagem. Dentre os produtores, 54,0% disseram ter interesse em aumentar a capacidade para comportar a produção própria, 15,9% para atender terceiros e produção própria, enquanto 30,1% não demonstraram interesse.
As regiões com maior interesse em expandir a capacidade estática de armazenagem são o Norte (82,7%), Centro-oeste (78,4%) e Matopiba (73,3%). Dos 1.065 participantes, 61,0% não possuíam infraestrutura de armazenagem na propriedade, enquanto 19,8% tinham armazéns do tipo silo convencional ou graneleiro.