Economia

Preços dos fretes do agronegócio podem bater recordes no segundo semestre

“O pior cenário negativo que poderia acontecer, está acontecendo agora”. A constatação pessimista é do Coordenador Técnico do Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Agroindustrial – Esalq-Log, da Universidade de São Paulo, Thiago Guilherme Péra. O preço do diesel no país vem sofrendo constantes altas, impactando diretamente no frete rodoviário e nos custos de produção do agronegócio. Apesar dos patamares já altos dos preços, o especialista aponta para valores recordes nos fretes durante o segundo semestre do ano. Além disso, considera que o risco de desabastecimento no país é real.

Entre janeiro de 2020 e junho de 2022, o preço do diesel no país subiu 90%, chegando a R$ 7,20, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Enquanto isso, na rota Sorriso – MT até Santos – SP, por exemplo, o frete subiu 56,25%, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), alcançando R$500,00 por tonelada.

Na avaliação de Péra, os fatores que estão gerando os altos preços são o câmbio elevado, boom de commodities, elevada inflação nas principais economias mundiais e a ação dos bancos centrais para controlar a inflação via aumento da taxa de juros. Tudo isso considerando a política da Petrobras de paridade de preços com mercado internacional.

Desta forma, caso o preço do petróleo se mantenha acima de US$ 100 o barril e o câmbio acima de R$ 5 por dólar, os altos níveis de preços do frete deverão se manter. “Como a gente está vivenciando agora a colheita do milho segunda segunda safra, é bem provável que a gente tenha algum pico de preço de frete nesse segundo semestre, que talvez seja um nível recorde deste ano”, aponta o especialista.
Prestadores de serviços já estão migrando para o Centro-Oeste do país para atender a demanda da colheita, o que está colaborando para reduzir ainda mais a oferta de caminhões no país e elevar os preços. No Mato Grosso, o valor do frete rodoviário em junho apresentou elevação em todas as praças, conforme o Boletim Logístico da Conab.

Desabastecimento

No início de junho, a ANP identificou a necessidade de intensificar o monitoramento das importações de óleo diesel S10. A partir disso, o risco de desabastecimento começou a ser discutido amplamente. Péra avalia que o risco existe, condicionado a alguns fatores.

“Algum tipo de tabelamento de preço do diesel pode sim provocar um desabastecimento. Porque o Brasil não vai conseguir suprir [a demanda]”. Na análise do especialista, um preço abaixo do mercado internacional poderia fazer com que os players não conseguissem reduzir o preço ao nível da Petrobras, que não é autossuficiente.

Ainda existem outros potenciais riscos de desabastecimento. O primeiro seria uma explosão do dólar e desvalorização do real. Com inflação recorde, os Estados Unidos estão elevando as taxas de juros, o que valoriza a moeda americana e deprecia o real.

“A gente pode vivenciar sim momentos de desabastecimento até mesmo de produtos no Brasil, dado que esse custo vai ficar inviável”

Thiago Guilherme Péra – Coordenador Técnico do Esalq-Log da USP

“O pior cenário negativo que poderia acontecer, está acontecendo agora, tudo está acontecendo simultaneamente, os EUA estão aumento as taxas de juros, o dólar está em um nível recorde aqui no Brasil, a gente tem o preço do petróleo a nível recorde em função dessa crise da Ucrânia e Rússia e, por outro lado, a gente está em um ano eleitoral, o que exige um pouco mais de cautela. A gente tem visto a elevação dos gastos públicos, o que aumenta o risco fiscal do país e consequentemente sai dólares daqui, o que pode depreciar mais o real em frente ao dólar. Então tudo isso contribui para o aumento do preço do diesel, e se tiver alguma explosão dos dois sentidos, seja do câmbio ou do preço do petróleo, a gente pode vivenciar sim momentos de desabastecimento até mesmo de produtos no Brasil, dado que esse custo vai ficar inviável”, analisa.

Medidas

No final de junho, foi sancionada a lei que limita a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos combustíveis. Com isso, foi observada uma redução da gasolina e do etanol, mas o diesel seguiu em elevação. Conforme alertado por especialistas, isso ocorreu pois o preço do diesel está atrelado ao petróleo e ao câmbio. “A participação dos tributos no preço do combustível não é tão alta assim, não necessariamente reduzir essa tributação vai ter uma significativa redução no preço do combustível. E um aspecto que chama bastante atenção é que o dólar está extremamente volátil”, explica Péra. Além disso, a maneira como cada estado aplica a tributação sobre o diesel também influencia nesse aspecto, já que diversos estados já aplicavam alíquotas menores sobre o diesel.

Em resposta ao risco de desabastecimento e preços elevados, o governo federal vem anunciando a possibilidade de importar diesel da Rússia, país que está em guerra e é alvo de sanções internacionais. Entre os aspectos a serem considerados, está a possibilidade do Brasil também ser boicotado pela aproximação e o fato de que a Rússia está negociando apenas com sua própria moeda, o rúbio. “Por outro lado, [o Brasil] pode se beneficiar com uma redução do custo de combustível, mas teria um custo de transação envolvido que o Brasil precisa negociar”, aponta o especialista. Como atenuante, há o fato do Brasil já ser um grande importador de insumos agrícolas russos.

Alternativas

No curto prazo, para atenuar os preços do diesel, seria preciso criar um ambiente favorável à queda do dólar e valorização do real. “Para isso é preciso ter uma preocupação muito importante com o lado fiscal no país, com as contas públicas, de modo que o dólar fique mais controlado”, destaca Péra.

Para o futuro, é fundamental pensar em novas tecnologias que possam diminuir a dependência do diesel. Afinal, se trata de um combustível fóssil não sustentável e do qual o Brasil depende de importação. Conforme o pesquisador da USP, medidas como biocombustíveis e motores elétricos têm sido pouco discutidas no âmbito do transporte de cargas.

Por fim, maneira como o Brasil transporta cargas precisa ser repensada como um todo. Atualmente, 60% das cargas são movimentadas por caminhões, segundo Péra. “A gente sempre vai depender do caminhão, mas talvez não tanto para as longas distâncias, isso [pode] ser transferido para hidrovias e ferrovias, que são muito mais eficientes do ponto de vista energético e, consequentemente, você consegue reduzir custos e emissões”, aponta o especialista. Para isso, ainda é preciso planejamento e um ambiente favorável para investidores.

O risco de desabastecimento e os altos custos trazem efeitos econômicos ao agronegócio, mas também atingem em cheio a uma população que sofre com a inflação dos alimentos. Nesse contexto de riscos, a necessidade de desenvolvimento de medidas permanentes que atenuem esses efeitos e garantam o abastecimento se tornam ainda mais evidentes.

CBIOs

Na sexta-feira (22), o governo federal adiou para 31 de março a data de comprovação de atendimento à meta individual de Créditos de Descarbonização (CBIOs) para as distribuidoras, no âmbito da Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). O decreto estabelece também, em caráter excepcional, até setembro de 2023 para comprovação da meta de 2022. A expectativa é de que essa medida, alvo de discordâncias, ajude a diminuir os preços do diesel.