Nas últimas três safras, os produtores paranaenses vêm notando a presença da lagarta falsa medideira em lavouras de soja BT (Intacta). A notícia é considerada alarmante pelo fato de que a variedade de oleaginosa deveria ter resistência a esse tipo de praga, conforme a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). A presença nessas cultivares indica que a espécie está se tornando resistente à tecnologia.
A presença dessas lagartas na soja BT foi detectada por meio do monitoramento da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), realizado em conjunto com diversas cooperativas do Paraná e a Embrapa Soja, que recebeu as amostras para análise. De forma simultânea, a Bayer conduziu um trabalho semelhante. “Mesmo com altos níveis de toxina, a lagarta continuava agindo como se não tivesse nenhuma toxina, se alimentando e se reproduzindo normalmente”, afirma o pesquisador Daniel Sosa Gómez, da Embrapa Soja.
Segundo ele, na safra 2020/21, foram reportados surtos de lagartas no Sul de São Paulo e Norte do Paraná, mas sem nível de dano econômico. Em fevereiro de 2022, o número de lagartas dessa espécie continuava alto, bem como de inimigos naturais dessa praga, de modo que também não foi recomendado o controle com inseticidas.
Existem dois tipos de lagarta falsa medideira, ambas parecidas e de difícil diferenciação a olho nu: Chrysodeixis includens e Rachiplusia nu. No caso, a espécie que adquiriu resistência foi a segunda, para surpresa dos pesquisadores. “Vários estudos acreditavam que a outra falsa medideira [Chrysodeixis] seria um problema. Todos os estudos de resistência miraram essa lagarta. Foi uma surpresa que nas últimas três safras essa população da Rachiplusia foi crescendo”, afirma Gómez. “Porém, a intensidade e a densidade da população não foram muito elevadas e, na maior parte dos casos, não houve necessidade de controle químico, pois não foi atingido o nível que causa dano econômico”, completa.
Além disso, a população de lagartas coletada e encaminhada para a análise da Embrapa estava, em sua maioria, parasitada por fungos. “A gente detectou muitos inimigos naturais com bastante intensidade. Tem uma vespa que ataca o ovo da mariposa e produz 3 mil vespinhas por lagarta morta. Outro foi uma mosca que também parasita e mata as lagartas na fase de pupa. Além de fungos e viroses associadas”, explica o pesquisador.
A recomendação é de que os sojicultores que identificarem esse problema na soja Intacta não entrem em pânico. Por mais que a espécie esteja adquirindo resistência, sua população ainda está abaixo da linha de dano econômico. Desta forma, é mais vantajoso deixar os inimigos naturais se encarregarem do que utilizar produtos químicos para controle, o que acabariam elevando o custo de produção e eliminando os agentes naturais, conforme a CNA.
“O controle de qualquer praga, não somente da falsa medideira, é fundamental para mantê-la em um nível economicamente aceitável, ou seja, evitar perdas de produtividade que impactem na sua rentabilidade. O ponto principal é buscar orientação correta sobre como identificar o nível de ação, mortalidade natural e de estratégias de manejo, como o refúgio”, destaca a técnica do Departamento Técnico e Econômico do Sistema FAEP/SENAR-PR, Ana Paula Kowalski.
Refúgio
O refúgio é formado por áreas que devem ser conduzidas com sementes convencionais de soja, sem a tecnologia BT, próximo às lavouras com essa tecnologia. O objetivo é que pragas que se tornaram resistentes à toxina presente neste tipo de planta possam cruzar com insetos da área de refúgio (portanto suscetíveis a essa tecnologia), gerando uma nova linhagem de indivíduos sem resistência. Esse tipo de estratégia é apontada como fundamental para preservar a eficácia da tecnologia BT por mais tempo.
A recomendação técnica é que estas áreas correspondam a 20% do total das lavouras de soja, algodão e cana-de-açúcar. No caso do milho, o índice recomendado é de 10%. Essa área pode ser instalada em volta da lavoura, em faixas intercaladas com o cultivo BT, ou em um talhão a uma distância máxima de 800 metros da lavoura.
A resistência adquirida pela Rachiplusia nu nos últimos tempos pode estar ligada ao manejo inadequado dessas áreas. “Isso começou em São Paulo, depois detectou-se na região Norte do Paraná e agora em praticamente todas as regiões produtoras de soja. Isso pode ser decorrência da falta de áreas de refúgio. Quando você pressiona muito uma tecnologia, aparecem problemas de resistência”, observa o coordenador do programa de sanidade de cultivos agrícolas e florestais da Adapar, Marcílio Martins Araújo. “A gente vive de ciclos de pragas, que são secundárias, que por erros de manejo voltam a se tornar preocupantes. Então se dermos atenção à rotação de culturas, ao manejo integrado, à rotação de princípios ativos, tudo isso leva para uma estabilidade melhor [das lavouras]”, afirma. Um exemplo é a cigarrinha do milho, que antes era uma praga secundária e hoje é um grande problema nas lavouras estaduais.
Nesse sentido, a Adapar desenvolve um trabalho de monitoramento que, por meio da Portaria 063/21, torna obrigatória a notificação de ocorrências fitossanitárias em cultivos agrícolas. Isso vale desde pragas sem ocorrência no Estado até aquelas que demonstram resistência a agroquímicos, caso da falsa medideira. Esse controle depende exclusivamente do informe dos produtores rurais.
Fonte: CNA