A reposição de nutrientes é uma necessidade para a produção sustentável, mas a adubação das pastagens ainda é uma prática longe de ser usual no Brasil. A situação atual de preços elevados dos adubos e o risco de desabastecimento podem ser usados como estímulos à melhoria dos manejos e à adoção de novas alternativas ao alcance de quase todos os produtores. Os ganhos vão bem além da mera economia, com vantagens ambientais, aumento de produção e eficiência.
Cenário geopolítico
A guerra entre Rússia e Ucrânia é desoladora em todos os sentidos e tem trazido prejuízos muito além de suas fronteiras, causando a revisão do PIB mundial para quase um terço a menos da estimativa anterior. Pela grande dependência do Brasil na importação de fertilizantes, a perspectiva de desabastecimento é uma das maiores preocupações em termos dos reflexos do conflito para nossa agropecuária.
Enquanto, para a agricultura, esse risco é uma tragédia gigantesca, para a pecuária, os efeitos são bem menos intensos. Isso é decorrência dos sistemas de produção pecuários brasileiros serem menos dependentes de recursos externos. Essa virtude, todavia, cobra seu preço: baixa produtividade média.
Assim, se por um lado o pecuarista que intensificou sua produção, tem agora que lidar com encarecimento de adubos, diesel e outros custos em elevação, tomando decisões que o ajudem a manter a cabeça para cima da linha d´água, e aquele que tem a produção baixa precisa, igualmente, sair da zona de conforto e agir, para manter sua atividade minimamente competitiva ou, pelo menos, no azul.
Em comum para ambos, a necessidade de encontrar alternativas de uso mais eficiente dos fertilizantes e alternativas que reduzam a necessidade de usá-los. É disso que se trata esse texto, no qual serão elencadas algumas alternativas e aspectos gerais, mas de maneira bem simples, sem aprofundamentos. O objetivo é apenas trazer o debate sobre as alternativas e estimular sua adoção pelos pecuaristas.
1) Uso correto de fertilizantes (gestão do uso): reduzindo ineficiências na aplicação
Aqui, para não alongar demais, fica de fora a questão da correção e adubação inicial no momento da implantação da pastagem, mas é claro que esse ponto é básico e fica a premissa que esse passo foi feito de acordo com as melhores técnicas. Mesmo que isso seja verdade, ao longo do uso das pastagens sem reposição, é possível que seja necessária nova correção da acidez do solo.
Essa necessidade deve ser comprovada por análise de solo, cujos resultados devem guiar também a quantidade a ser aplicada de calcário. Ele pode ser aplicado em superfície com uma distribuidora de calcário, sendo importante atentar para fazer a devida sobreposição das áreas das bordas de cada passagem da distribuidora, de forma a ter uma cobertura mais uniforme.
A correção do solo vem antes da adubação, pois ela aumenta sua capacidade em reter os elementos supridos na adubação, reduzindo perdas por lixiviação, e porque os nutrientes, em geral, são mais bem absorvidos pelas raízes das plantas em pH mais próximos à neutralidade.
Na rotina de adubação de pastagens, o nitrogênio (N) é o elemento mais utilizado. Nossas forrageiras tropicais são muito responsivas à adubação nitrogenada e, por isso mesmo, deve-se avaliar muito bem a quantidade de N que será oferecido. O risco em se exagerar é ter muito mais pasto do que pode ser colhido pelos animais.
Esse é o pior do mundo, pois gasta-se para produzir um capim que não será aproveitado e, ao mesmo tempo, ocorre o aumento de desuniformidade de pastejo, decorrência do subpastejo (tem um pouco mais sobre isso no item 5). Não raro, há o custo adicional de roçar o pasto para resolver o problema. Aqui fica claro que, errar para menos na adubação, pode ser menos ruim, mesmo porque sempre há a possibilidade de reduzir a pressão de pastejo ou aceitar uma redução no ganho individual.
Podem reduzir a eficiência da adubação, máquinas mal reguladas, que reduzam a uniformidade da aplicação. Locais que recebam menos adubo devem produzir menos e, pior, não necessariamente os locais em que cair mais adubo compensarão essa redução. Há dois motivos para isso. Primeiro, a “Lei dos acréscimos decrescentes” segundo a qual a produção do quilo seguinte de adubo é sempre menor do que o anterior (gráfico 1). Em segundo lugar, porque quantidades maiores podem ensejar maiores perdas, seja por incapacidade de reverterem em produção ou perdas dos nutrientes por lavagem, ao ultrapassarem a capacidade de adsorção dos solos. Ainda um caso digno de nota, é a adubação nitrogenada, pois, na falta de umidade no solo, uma parte considerável por ser perdida por volatilização como amônia.
Gráfico 1. Exemplo de resposta de produção com acréscimos decrescentes a cada aumento de um fator X de produção. Essa é uma resposta frequente em sistemas biológicos, como no caso de uso de fertilizantes e produção vegetativa. O máximo (assíntota) foi obtido com o fator X igual a 130, mas quaisquer pontos anteriores mostrarão que um kg de fator X posterior dá menor ganho que o anterior.
2) Uso de adubação orgânica
A adubação orgânica, com dejetos animais e restos de produtos orgânicos precede o uso dos fertilizantes químicos. Estes últimos ganharam a preferência por serem muito mais concentrados e, portanto, facilitarem o transporte e a aplicação. Apesar disso, se o valor por unidade de nutriente aplicado entre uma adubação química e a orgânica empatar, há enormes vantagens na segunda, uma vez que ela trás vantagens biológicas e melhora bastante aspectos físico-químicos do solo.
Ela aumenta a estabilidade dos agregados de solo e a capacidade de manter a umidade, além de expandir bastante a capacidade de adsorção dos nutrientes. O aporte de microrganismos também acelera os processos biológicos que ajudam na degradação dos componentes orgânicos que culminam com a mineralização, ou seja, na passagem da forma orgânica do elemento para a mineral, em que fica disponível às plantas. Ao favorecer uma maior biodiversidade no solo, temos um ambiente menos propício ao estabelecimento de pragas e doenças.
É preciso, contudo, estar preparado para lidar com volumes de aplicação muito maiores. Enquanto com a adubação química trabalhamos usualmente em dezenas ou centenas de quilogramas por hectare, os adubos orgânicos são recomendados por vezes em dezenas de toneladas. Ainda, assim, ela costuma ser mais barata.
Para se ter uma ideia, considerando o esterco bovino com 1% de concentração de nitrogênio (N), para cada quilograma de ureia são necessários 45 kg de esterco bovino para ter a equivalência de aporte de N. Assim, se usamos 111 kg de ureia para fornecer 50 kg de N, para esse mesmo aporte são necessárias 4,5 t de esterco bovino
Importante lembrar que elas não são excludentes e o uso de ambas as fontes é perfeitamente possível e pode ser interessante.
No caso da pecuária, há uma fonte extremamente interessante de adubo orgânico que é o esterco. Só é possível aproveitá-los no caso de animais confinados. Imaginar iniciar um confinamento apenas para produzir esterco não soa razoável, mas pode ser um estímulo a mais para usufruir das demais vantagens que esse sistema de acelerar o abate pode trazer ao sistema de produção da fazenda.
Deve-se estar atento às fontes de matéria orgânica que possa haver próximos à fazenda ou produzidos nela mesma. Alguns exemplos e a concentração em nutrientes estão no quadro 1:
Quadro 1. Concentração em nutrientes (kg de nutriente por 100 kg de matéria natural) de alguns materiais orgânicos. Apenas como exemplo, porque os valores podem variar bastante.
O importante é identificar potenciais opções e com as melhores opções que estiverem disponíveis ou, melhor ainda, de análises de laboratório avaliar se há custo:benefício nessa opção. De forma geral, costuma haver.
3) Coletando nitrogênio do ar: uso de leguminosas
O gás nitrogênio (N2) compõe quase 80% do ar que respiramos e, portanto, plantas com deficiência de N são como alguém morrendo de sede junto ao mar. Um dos fenômenos naturais que contribui para deixar o N do ar disponível para as plantas são os raios. A imensa energia deles quebra as ligações entre os átomos de N do N2 que, rapidamente, formam dióxido de N (NO2). Esse composto dissolve na água da nuvem e forma o ácido nítrico (HNO3), que, por sua vez, dá origem a nitrato (NO3). As gotas de água caem no solo e o NO3 é aproveitado pelas plantas.
Além dessa contribuição natural ser modesta, não é possível contar com o raio no lugar certo e na hora certa e, havendo animais nela, torcemos para que não caia na pastagem. Felizmente, há outra via natural de fixação de nitrogênio mais suave, que é a fixação biológica de nitrogênio (FBN). A prática de inocular a soja e as raízes ricas em nódulos simbióticos entre a planta e bactérias fazem com que o essa cultura não precise de adubação nitrogenada e representa uma economia superior a US$ 40 bilhões para o Brasil na safra 21/22, em estimativa feita pela colega Mariângela Hungria, da Embrapa Soja em live sobre mudança de uso da terra e produção de alimentos, da qual muitas informações são usadas nesse texto (neste item e no de bioinsumos), mas que recomendo como imperdível. Acesso pelo endereço: https://www.youtube.com/watch?v=PDOFkge3C3M&t=5938s
Essa mesma parceria ocorre naturalmente com as nossas forrageiras leguminosas. A fixação biológica de N2 por leguminosas tropicais pode chegar a 300 kg/ha/ano, como no caso do amendoim forrageiro, ou 250 kg/ha/ano para o consórcio com Leucena, que, todavia, precisa ser usada com muito cuidado para não se tornar um grande dor de cabeça, devido à sua agressividade. O Guandu, usado como adubo verde, contribuiria com 100 kg/ha/ano.
No Brasil, apesar de não temos muitas opções, há leguminosas já sendo utilizadas com muito sucesso. A seguir, algumas informações sobre as opções que mais tem sido usadas.
O estilosantes Campo Grande (ECG), que é uma mistura de duas espécies de estilosantes (S. macrocephala e S. capitata), tem sido utilizado em consorciações com Brachiaria decumbens, Andropogon gayanus e, até, B. brizantha. Por sua aptidão em crescer em solos arenosos, ser pouco exigente em fertilidade e por sua alta capacidade de associação com rizóbios nativos, é uma excelente alternativa para a recuperação de pastagens degradadas. Tem sido usada com sucesso em áreas de solo arenoso, mas deve-se ter cuidados para que ela não passe de 40% da pastagem pelo risco de formar fitobezoares que podem causar o impedimento do trânsito da digesta do animal, levando o animal a morte (Maiores informações em: https://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/handle/doc/319150).
O guandu (Cajanus cajan) tem seu uso mais associado como banco de proteína, mas tem aumentado o interesse em utilizá-lo para pastejo consorciado. Foi lançada em 2008, pela Embrapa Pecuária Sudeste, a cultivar BRS Mandarim. Entre as características que ela se destaca estão: (i) alta retenção de folhas no inverno, (ii) baixo teor de taninos (iii) alto teor proteico e digestibilidade, (iv) sistema radicular profundo e pivotante e (vii) facilidade de implantação.
No caso do amendoim forrageiro (Arachis pintoi) há quatro cultivares disponíveis no mercado: a Amarillo (conhecida como MG 100), a cv. Belmonte, lançada pela CEPLAC na Bahia, e a Alqueire, lançada pela Fazenda Alqueire no Rio Grande do Sul. Em 2019, a cultivar BRS Mandobi, foi lançada pela Embrapa Acre. Ela tem a vantagem de ser comercializada por semente. O amendoim forrageiro consorcia-se bem com diversas gramíneas e proporciona boas produções pecuárias. A Mandobi vem se destacando na Região Amazônica na recuperação de áreas, onde ocorre a morte do capim-marandu. Está previsto o lançamento de mais uma cultivar pela Embrapa em breve.
O uso das leguminosas em consórcio com gramíneas ainda é um desafio, pois implica em maior necessidade de cuidado de manejo, especialmente colocação e retirada de animais no pasto, ora para não deixar a gramínea abafar a leguminosa (em geral nas águas), ora para evitar que a leguminosa domine o estande (em geral, nas secas). O objetivo deve ser manter ambas em bom estande o tanto quanto possível, para que o consórcio persista por mais tempo. Mesmo que, com o tempo, a leguminosa não persista e as pastagem voltem a ser só de gramíneas, o importante é que o tempo seja suficiente para retornar o investimento, lembrando que, além de evitar ou reduzir a necessidade da adubação, a leguminosa elimina a necessidade da suplementação proteica na seca e, não raro, melhora as condições do solo.
4) Bioinsumos que reduzem a necessidade de adubos
Microrganismos promotores de crescimento de plantas (MPCP) podem ajudar a reduzir a necessidade de fertilizantes e trazer outras vantagens adicionais, como maior crescimento de raízes.
Em 2019, foi lançado o Biomaphós que usa cepas de Bacilus subtilis para aumentar o aproveitamento do fósforo. Apesar de ele ser recomendado para grãos, há grande chance que traga benefícios também para pastagem. Estudos nesse sentido devem começar em breve.
Em 2021, foram lançados novos produtos, para inoculação de braquiárias com estirpes selecionadas de Azospirillum brasilense e Pseudomonas fluorescens que resultaram em um aumento médio de mais de 20% na produção de forragem e maiores teores de N, P e K na biomassa da forragem. O Azospirillum brasiliense já fazia parte de outro bioinsumo desde 2009 que, em 10 anos chegou a 10 milhões de doses em grãos, com resultados comprovados e grande adoção pelo setor produtivo.
Como uma das ações é aumentar o volume de raiz, sem surpresa que haja aumento de eficiência no uso de fertilizantes, com resultados que mostram aumento de 25% de maior eficiência de uso em milho, no caso do Azospirllum brasiiense + AbV5 e AbV6. Por esse mesmo motivo, há maior resistência à seca.
O uso desses produtos é relativamente simples, podem ser aplicados, além de no plantio, por aspersão nas pastagens. O seu uso deve ser aprimorado, bem como novos produtos devem ainda ser lançados. É bom ficar de olho nessas oportunidades e avaliar se não compensa começar a usar.
5) Manejo para aumentar o carbono (C) no solo
Dois aspectos que ajudam muito um melhor aproveitam dos adubos e que se repetiram em várias partes do texto acima são: (1) a importância de bons teores de C no solo e (2) um sistema radicular vigoroso. Interessante notar que quem coloca esse C no solo são, exatamente, as raízes, depois de morrerem e serem incorporadas à matéria orgânica (MO) do solo. Assim, estimular manejos de pastagem que favoreçam com que isso ocorra são interessantes.
Na verdade, se evitarmos o oposto, isto é, erros de manejo que fazem com que o sistema radicular definhe, já é um bom começo. Esse erro, muito comum entre nós, é o sobrepastejo, não respeitando os limites das forrageiras tropicais, que precisam de um resíduo mínimo de folha para, através da fotossíntese, prover a energia que a planta precisa para rebrotar.
O importante é entender que há uma correlação entre a quantidade de parte aérea e de raiz, ou seja, para ter um sistema radicular grande, pressupõe-se que a parte área deva ser grande também. Ainda que não seja o caso de manejar a parte aérea em função das raízes, só o fato de transferir o erro para “subpastejo” já ajuda. O subpastejo continua sendo um erro e deve ser evitado, porém quando não se subpasteja muito, o efeito colateral de aumentar o sistema radicular ajuda a curto prazo (maior volume de exploração de solo) e a longo prazo (mais raízes senescendo e aumentando a MO do solo).
Outra alternativa é usar mais leguminosas, seja em consórcio ou como banco de proteínas, pois além das vantagens já comentadas, há o bônus que as leguminosas são mais eficientes que gramíneas em converter o C da biomassa em C orgânico do solo.
*Artigo do Engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal, Sergio Raposo de Medeiros.
Fonte: Scot Consultoria