Entre 1985 e 2023 o Brasil perdeu 33% das áreas naturais de seu território, que incluem a vegetação nativa dos biomas, superfície de água e áreas naturais não vegetadas, como praias e dunas. Cerca de 110 milhões de hectares foram suprimidos, o que equivale a 13% do território do País. Os outros 20% já haviam sofrido mudança anteriormente, conforme o MapBiomas, projeto que reúne universidades, Organizações Não-Governamentais (ONGs) e empresas de tecnologia em uma iniciativa que busca monitorar as transformações na cobertura e uso do solo no Brasil.
Do total de vegetação nativa suprimida, 55 milhões de hectares foram na Amazônia, 38 milhões de hectares no Cerrado, a Caatinga perdeu 8,6 milhões de hectares e 3,3 milhões de hectares perdidos estão no Pampa. No período de análise do MapBiomas, a área de pastagem aumentou 79% – 72,5 milhões de hectares de 1985 a 2023 – e a de agricultura cresceu 228%, um acréscimo de 42,4 milhões de hectares. A agropecuária avançou de 28% para 45% no Pampa, bioma que abrange a metade meridional do estado brasileiro do Rio Grande do Sul, o Uruguai e as províncias argentinas de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fé, Córdoba, Entre Ríos e Corrientes. “Proporcionalmente, o Pampa é o que tem o menor índice de conservação entre todo os biomas e, em média, cerca de 130 mil hectares de vegetação campestre são perdidos anualmente nos últimos dez anos”, afirma o engenheiro agrônomo e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Carlos Nabinger. “Mas, infelizmente ele representa apenas 2,3% do território nacional e todas as atenções estão voltadas para a Amazônia. No entanto, o bioma Pampa anteriormente ocupava 67% do território do Rio Grande do Sul”, acrescenta.
Na quarta-feira (30), durante o seminário “O Pampa e o Gado – Desafios e Oportunidades”, realizado no Universo Pecuária, de Lavras do Sul (RS), ele abordou o tema “É Possível Recuperar os Campos Nativos Com Suas Próprias Sementes?”. O especialista disse que a supressão da vegetação nativa preocupa, mas admitiu que existe a possibilidade de recuperar essa vegetação que foi degradada por mau uso, e que já há uma demanda neste sentido, tanto de produtores como de pesquisadores.
“Porém, o primeiro grande problema é a ausência de sementes no mercado. Se eu quiser recuperar um campo, onde estão as sementes das centenas de espécies?”. Elas existem? Claro que sim, nos campos bem conservados”, afirma Nabinger, que ministrou aulas na Faculdade de Agronomia da Ufrgs entre 1977 e 2022.
Colhedora de sementes
Nabinger falou sobre as colheitadeiras de sementes existentes no mercado construídas por meio de programas de incentivo. “Esses equipamentos atuam no campo bem conservado, com toda a sua diversidade de espécies. Estas máquinas colhem diretamente as sementes, o que possibilita recolher as mais maduras, ou seja, em um ponto adequado de maturação”, explica.
Nabinger adiantou que, em parceria com pesquisadores de universidades como a Ufrgs e a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), a Alianza del Pastizal e a Embrapa Pecuária Sul, está sendo desenvolvida uma máquina colhedora de sementes de campos nativos. “O equipamento foi inspirado na colhedora experimental Taita, do Uruguai”, explica Nabinger. Além da construção da máquina, o projeto busca avaliar o potencial de colheita de sementes nativas, germinação e recuperação de áreas degradadas.
Na primavera-verão a máquina colherá sementes na Estação Experimental da Ufrgs, em Eldorado do Sul. Estas sementes serão semeadas em área degradada em experimento de restauração ecológica de campos nativos. Os testes estão sendo realizados em uma propriedade na localidade de Ponche Verde, em Dom Pedrito, na Campanha, onde antes havia uma lavoura de soja. “O experimento avaliará diferentes semeaduras e uma com as gramíneas mais usadas pelos agropecuaristas, como azevém e aveia”, adianta o professor, que é Mestre em Fitotecnia e doutor em Zootecnia.
“A agropecuária é a principal atividade desmatadora no País e a soja tem avançado muito”
– Carlos Nabinger, engenheiro agrônomo e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs)
O especialista frisou que não é contrário à agricultura, silvicultura ou pecuária, mas critica o avanço dessas atividades em áreas onde não deveriam estar presentes. “A agropecuária é a principal atividade desmatadora no País e a soja tem avançado muito”, sublinha.
O biólogo Eduardo Vélez Martin, doutor em Ecologia e pesquisador do Mapbiomas, observou que a degradação do Bioma Pampa no Estado tem sido muito significativa desde 2015 e mostrou preocupação por não ter havido uma estabilização. Conforme o MapBiomas, o Pampa tem o menor índice de conservação de todos os biomas, com apenas 3% do território sob proteção de parques e reservas.
“Não sabemos se não estamos matando a nossa galinha dos ovos de ouro, que é a possibilidade de fazer uma pecuária de corte em campo nativo com escala competitiva. Para fazer isso, tem que ter área. Não dá para fazer uns retalhinhos de campo”, enfatizou o pesquisador. “Essa é uma discussão que o Rio Grande do Sul tem que fazer, o Pampa tem que fazer imediatamente”, salientou.
Fertilidade do solo
Já o professor Paulo César de Faccio Carvalho, da Ufrgs, falou sobre “Sistemas Integrados: Uma Solução Continuadora para o Avanço da Agricultura nos Campos do Bioma Pampa?”. Para ele, o pastejo é fundamental para aumentar a fertilidade do solo. Carvalho mostrou pesquisas em que o sistema integrado de produção, com rotação de ovinos ou bovinos e a lavoura de soja, foi possível aumentar a produtividade de grãos. Os estudos também projetaram a influência climática nas próximas décadas. E, segundo ele, “a pecuária vai salvar a lavoura”.