O desafio que ora se impõe sobre a agricultura mundial de descarbonização da atmosfera (entenda-se de todos os gases causadores do efeito estufa, mensurados em equivalentes de CO2) pode ser tão grande quanto o de recarbonizar a biosfera terrestre (elevação de Carbono orgânico e inorgânico nos solos, por exemplo).
Na falta de números melhores, estima-se que, em escala global, um terço das emissões dos gases de efeito estufa para a atmosfera é oriunda do sistema mundial de produção de alimentos (incluam-se a produção agrícola e animal, o processamento industrial e os canais de distribuição).
Paralelamente, as terras que, atualmente, estão em uso para produzir alimentos, fibras, biocombustíveis e matérias-primas diversas (cinco bilhões de hectares/40% da superfície do planeta), têm dado sinais inequívocos de que está em curso, em muitas regiões do mundo, um processo de degradação desses solos. E, entenda-se, por degradação de solos, o aceleramento dos processos erosivos (hídricos e eólicos), acidificação, salinização, deterioração estrutural, desbalanceamento nutricional, redução da matéria orgânica e diminuição de biodiversidade; com claros indícios de perda de capacidade para que sejam sustentadas produtividades em níveis elevados.
O que se espera que seja feito? Nada? Afinal, os que alegam não existir mudança do clima e seus seguidores teriam ou não razão? Ou há alternativas? Respostas elementares: o sectarismo, de ambos os lados (negacionista e catastrofista), não ajuda na construção de caminhos para que se chegue a algum lugar que o futuro seja promissor; embora eles existam e se faça necessário que sejam trilhados.
Longe de rotular a atividade agrícola como a vilã principal da mudança do clima global, embora não seja merecedora de complacência ilimitada para justificar tudo que alguns se julgam no direito de fazer, há, sim, espaço para mudanças e inserção de inovações nos sistemas de produção agrícola e animal, visando a garantir uma alimentação saudável e de qualidade para uma população que ruma aos 10 bilhões de criaturas humanas, em meados desse século.
Algumas propostas, assinadas por grifes científicas, a exemplo de Rattan Lal (Farming System 1 – http://doi.org/10.1016/j.farsys.2023.10002), têm indicado os caminhos que devem ser perseguidos. E esses passam pela restauração da saúde dos solos ora em uso e pela via da intensificação ecológica (produzir mais com menos, respeitando-se os limites dos sistemas naturais).
Em paralelo, não se discute a necessidade de reduzir o desperdício de alimentos no mundo (um terço de todos os grãos produzidos, literalmente, não tem qualquer uso alimentar, seja humano ou animal), mudanças de hábitos alimentares e muita Educação. É assim que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) e a Agenda 2030, das Nações Unidas, deixarão de ser meras exortações morais, para se converterem em realidades; além de permitir que 2,5 bilhões de hectares, a metade das terras ora em uso, sejam revertidas para a natureza, até o ano 2100.
Mas, sair do terreno das boas intenções para a prática, exige da comunidade científica, ligada às ciências agrárias especialmente, que muitas coisas ainda sejam desenvolvidas e transferidas, em termos de inovação tecnológica para a agricultura. São imperativos: desenhar sistemas de produção ambientalmente amigáveis, favorecer os serviços ambientais, buscar maior resiliência à variabilidade extrema do clima e, além do potencial para minimizar as emissões dos gases de efeito estufa, priorizar o sequestro de Carbono (seja pela elevação da matéria orgânica no solo, de Carbono orgânico, nos restos culturais e plantas vivas, e/ou, inorgânico, na forma de carbonatos). Investimentos em pesquisa básica, nesse caso, fazem-se necessários.
Outro olhar, destituído de viés, sobre agricultura regenerativa, agroecologia, intensificação ecológica (diminuir yield gaps/lacunas de rendimento), integração de sistemas de produção e natureza, medição de fluxos de gases nos sistemas cultivados, parametrização de fatores regionais de emissão de gases de efeito estufa, validação de metodologias de pegadas hídricas e de Carbono e de análise do ciclo de vida, sempre primando pela busca de produzir mais com menos e poupar terras, deve ser estimulado.
O maior desafio, nessa busca de produzir mais com menos em agricultura, é não sucumbir ao Paradoxo de Jevons (à medida que as melhorias tecnológicas aumentam a eficiência com a qual um recurso é usado, o consumo total desse recurso pode aumentar em vez de diminuir), a exemplo do que tem acontecido com a soja no Brasil, onde se constata que o aumento de rendimento por unidade de área cultivada, em vez de limitar a expansão dessa oleaginosa nos trópicos, instiga o desmatamento na Amazônia.