Se eu fosse representante de uma dessas entidades esotéricas, que todos os finais de ano ocupam espaços privilegiados nos veículos de comunicação com suas previsões para os tempos vindouros, após consultar o livro sagrado do Jevonismo, afirmaria, sem vacilar, que 2024 será o ano de Jevons.
Foi com o livro “On the Question of Coal” (O problema do carvão), publicado em 1865, que o economista britânico William Stanley Jevons (1835-1882), ao afirmar que o aumento da eficiência no uso do carvão, especialmente pela inovação tecnológica introduzida por James Watt na máquina a vapor, que seria a base da revolução industrial na Inglaterra, no século XIX, em vez de diminuir, levaria ao aumento do consumo desse recurso energético. Eis a origem a um dos mais instigantes paradoxos dos tempos atuais, que, não por acaso, é conhecido por Paradoxo de Jevons.
O Paradoxo de Jevons, também chamado de efeito bumerangue ou efeito rebote, foi uma importante contribuição de William Stanley Jevons para a melhor compreensão do ramo da economia que cuida do consumo de energia no mundo e hoje abrange, também, a denominada economia ecológica. Foi assim com o carvão, no século XIX, seguiu com os combustíveis derivados do petróleo no século XX, e, talvez, siga sendo assim com as novas energias de fontes renováveis no século XXI. Maior eficência no uso de energia, historicamente, não reduz o consumo de energia, que, em tese, se esperaria fosse diminuido. Não reduziu o consumo de carvão; não reduziu o consumo petróleo; não reduziu o consumo eletricidade; e, pelo que tudo indica, nem vai reduzir o consumo qualquer que seja a fonte renovável de energia ora em uso ou que ainda venha surgir. E a explicação para isso é símples: a queda do preço da energia permite reduzir os custos de produção dos bens (se produz mais com menos). Ao aumentar a oferta de bens, os preços caem, a demanda aumenta, e, cosequentemente, o consumo de energia para produzir esses bens também aumenta. Eis a essência do Paradoxo de Jevons.
O que nem todos percebem é que o Paradoxo de Jevons não é aplicável apenas à temática do uso de energia. Seja de forma velada ou não, toda vez que há aumento de eficiência econômica, em qualquer processo produtivo, Jevons, discretamente, dá o ar da sua graça. Quando a tecnologia permite que, com o mesmo investimento, mais bens sejam gerados, pode, pela queda dos custos de produção e do preço ao consumidor final, aumentar a demanda desses bens, e, ao contrário do presumível, haver maior demanda de matérias primas e dos recursos de produção usados. Eis porque, para impedir que Jevons reine absoluto, algum nível de controle social do processo produtivo e arcabouço legal para a defesa do ambiente são necessários.
Em 2024, há indícios que Jevons, deixando de lado questões energéticas e ambientais, poderá expandir as suas garras para um território, até então, não imaginado: o da Inteligência Artificial (IA). Eis um mundo novo que se avizinha de forma muito rápida, causando apreensão em muita gente, que, sentindo-se obsoleta, imagina-se substituída por uma máquina virtual muito mais eficiente para fazer aquilo que ela faz. Será mesmo? Se você pensa assim, é hora de elevar preces e oferendas a São Jevons, em 2024. O seu destino está nas mãos dele.
Não é de hoje que a inovação, vista como o conceito schumpeteriano de destruição criativa, acabou com negócios e criou outros. Muitas tarefas automáticas, evidentemente, poderão ser feitas de forma mais rápida, mais eficiente e mais barata por meio da Inteligência Artificial. Há negócios que já começaram a sentir o impacto da entrada da IA. Alguns serviços de tradução de textos para idiomas diversos dos manuscritos originais, por exemplo. Produção textual, básica, sobre assuntos amplamente disseminados no mundo. Orientação sobre análises estatísticas e conversão de modelos matemáticos para códigos de linguagens de computador, entre muitos outros. Impossível, humanamente, na velocidade da IA, competir nesses segmentos.
Então, com a entrada da IA ao mundo do trabalho, o desemprego vai grassar? Não necessariamente. O que a IA poderá fazer é, pela automação, baratear a execução de tarefas e, seguindo o Paradoxo de Jevons, ao mesmo tempo em que alguns postos de trabalho serão eliminados, muitos outros (diferentes, evidentemente) poderão ser criados. Que assim seja!