Sustentabilidade

Indústria verticalizada de tilápia aproveita 100% dos resíduos

No mesmo ritmo que a produção de peixes de cultivo vem crescendo no Brasil, as tecnologias e inovações do setor crescem junto

A produção e consumo de peixes de cultivo vem crescendo a cada ano. Em 2022 a produção brasileira de peixe de cultivo ultrapassou a marca de 860 mil toneladas, mesmo diante do alto custo dos insumos, sobretudo de alimentação. Esse número representa aumento de 2,3% sobre 2021 (841 mil toneladas), de acordo com o levantamento realizado pela Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR).

Desde que a Peixe BR oficializou essas estatísticas, em 2014, a evolução da produção de peixes de cultivo já chegou a 48,6%. É um acréscimo de 281.555 toneladas dentro de nove anos.

Apesar da evolução do mercado, atualmente o brasileiro come muito pouco peixe. São apenas 10 kg/per capita/ano. Desses, apenas 5 kg são peixes de cultivo segundo a Peixe BR. O consumo baixo fica mais evidente se comparado a outras proteínas animais. “O setor também enfrenta o cenário de altas nos custos de produção”, destaca Vasto.

Tilápia

A tilápia continua a ser o peixe mais cultivado na piscicultura brasileira. No ano passado, a produção da espécie alcançou a marca de 550 mil toneladas, representando um volume de quase 64% da produção nacional de peixes de cultivo. Contudo, 2022 foi bastante atípico, com um primeiro semestre de preços baixos pagos ao produtor de tilápia. “A tilápia vinha crescendo mais de três dígitos ao ano no Brasil, no entanto, ano passado o mercado cresceu apenas 3%. Apesar que 3% de crescimento para uma proteína já estável em grande volume é bom, mas o mercado vinha mantendo uma média de crescimento de 5,6% ao ano”, informa o gerente da Fider Pescados, Juliano Kubitza.

O estado brasileiro que mais produz tilápia é o Paraná, com mais de 34% do volume total. Só em 2022 os paranaenses cultivaram quase 188 mil toneladas da espécie, 3,2% a mais do que no ano anterior. Com isso, a Região Sul aparece bem na frente nesse ranking, com mais de 239 mil toneladas (43,5%).

Tudo indica que a tendência é de que a demanda interna e global continue crescendo, o que pode levar a uma expansão ainda maior da produção nos próximos anos. “A tilápia já está muito tradicional no Brasil e sem nenhum dano ambiental. Pelo contrário, a gente contribui com essa criação para aumentar a diversidade de peixes, como tucunaré. Então o ambiente todo é favorecido nesse sentido”, informa o diretor da Fider Pescados, Alexandre Vasto.

“A proximidade da fazenda é fundamental para a criação dos peixes, assim como a presença de tecnologia de ponta durante o processamento” afirma o gerente da unidade, Juliano Kubitza | Foto: Larissa Schäfer

Indústria verticalizada de tilápia

Localizada na represa Jaguara em Rifaina/SP, na divisa com Minas Gerais, a Fider Pescados é a quarta maior processadora de tilápia do país, com um projeto verticalizado de produção desse peixe. “Nós focamos em atendimento e produção do filé fresco de tilápia, e nessa região nós estamos a cerca de 500 km de grandes centros consumidores, o que nos permite abater o peixe de manhã e à tarde já estar na mesa do consumidor”, informa Vasto.

A empresa realiza a produção e o processamento de produtos oriundos da tilápia desde 2009. São 800 toneladas produzidas por mês, com meta de expansão para 1200 toneladas. Deste número, 90% da produção atende o mercado interno e 10% vai para o mercado internacional. “Nós exportamos, principalmente, subprodutos como farinha, o óleo, a pele, as escamas e também o filé fresco”, destaca o gerente da unidade, Juliano Kubitza.

A empresa exporta para sete países: Estados Unidos, Canadá, Taiwan, Venezuela, Bangladesh, Sri Lanka e Indonésia. Devido à agilidade do processo, a tilápia cultivada e processada hoje, chega amanhã fresca e pronta para consumo nos EUA. “Além de grande, o mercado dos EUA é extremamente exigente. Ou seja, só estamos lá porque nossa tilápia é de alta qualidade. Além disso, há a agilidade logística, com diferentes rotas aéreas de São Paulo para aquele país”, frisa Kubitza.

O projeto trabalha com um programa de biosseguridade/biossegurança que abrange todos os sistemas cultivo, desde a chegada dos alevinos nos tanques e os cuidados até a matriz | Foto: Larissa Schäfer

Do ovo à mesa

Todo o processo começa nos laboratórios. Após a incubação dos ovos, o alevino é colocado em tanques escavados onde ficam por 40 a 50 dias em processo de recria até atingir o peso médio de 50 gramas. E para manter a eficiência dentro do processo, a empresa tem uma parceria com a Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). “Visamos aprimorar o melhoramento genético e a cada ciclo ter uma eficiência melhor em velocidade de crescimento do peixe, conversão alimentar e rendimento de carcaça”, frisa Kubitza.

Em seguida, são separados por tamanho e vacinados em uma máquina automatizada. A vacina é bivalente e protege contra os principais patógenos que causam a morte do peixe neste estágio. “Hoje a vacinação em terra possibilita o peixe se adaptar melhor, já que não tem tanta mudança no habitat: do tanque escavado para o tanque rede. Na vacinação automática não tem o contato direto, o peixe não precisa ficar tanto tempo fora da água e tem mais assertividade na hora da agulhada”, afirma a médica veterinária Mábilis Kanazawa.

Vacinados, os peixes são transferidos para os tanques rede e permanecem em processo de engorda por mais 6 a 8 meses, dependendo da época do ano. “A tilápia fica na represa até atingir peso médio de 900 gramas. Então são retirados dos tanques por tubos de sucção e vão para um caminhão-tanque até a chegada à fábrica, o que leva apenas 15 minutos”, aponta Kubitza.

Na fábrica os peixes passam por um processo de insensibilização e congelamento para então serem abatidos. Na sequência, são eviscerados e seguem para a retirada do filé. “Aqui são separados os filés frescos, e os congelados seguem para um processo de congelamento rápido que congela o filé em 40 minutos (Tecnologia IQF — Individually Quick Frozen) e então são embalados, refrigerados e distribuídos no mercado”, salienta o diretor da empresa Alexandre Vasto.

Como o peixe é um produto muito delicado, uma vez abatido, torna-se urgente o processamento. Quanto mais curto o prazo entre o abate e o produto final, melhor. “Do tanque ao produto final (o filé nobre ou os subprodutos), o processo não chega a durar duas horas. O frigorífico tem capacidade para processar cerca de 3 mil toneladas mensais”, informa Vasto. 

Indústria verticalizada

O projeto trabalha com um programa de biosseguridade/biossegurança que abrange todos os sistemas cultivo, desde a chegada dos alevinos nos tanques e os cuidados até a matriz. “Todas as etapas do processo são rastreadas, desde o laboratório, passando pelo tanque escavado de reprodução e pelos tanques de engorda, até o frigorífico. Tudo é contemplado nos nossos programas de biosseguridade e nos treinamentos de procedimentos operacionais, que abrangem também a parte sanitária”, ressalta Kanazawa.

A Fider atua em reprodução, engorda, indústria (frigorífico e fábrica de farinha e óleos) e na comercialização de pescados. “Toda a estrutura foi desenvolvida com alta tecnologia para a produção de peixes em tanques-rede, proporcionando maior sustentabilidade, melhor controle da produção e uma qualidade superior do produto final. Cada etapa do processo tem a sua importância”, reforça o gerente da unidade, Juliano Kubitza.

Sendo assim, nem o frigorífico e nem a fábrica dispersam resíduos no meio ambiente e tudo é reaproveitado. “Em outubro de 2020, foi inaugurada uma fábrica de farinha e óleos (FFO) que aproveita 100% dos resíduos do frigorífico. É a primeira vez que a tilápia recebe uma fábrica desse tipo no Brasil. A indústria trabalha no sistema 4.0, totalmente automatizada e monitorada por poucos funcionários”, explica Kubitza.

Dessa forma, um tubo a vácuo manda a parte não aproveitada no frigorífico direto para a FFO. “Anexa ao frigorífico, a fábrica produz farinhas com altos teores de proteína, utilizadas na indústria de alimentação animal. Também é feita a produção de óleo de baixa acidez”, reforça Vasto. 

Custos de produção

Investir em tecnologia para acelerar o processo de criação das tilápias é umas das alternativas para diminuir custos e deixar o preço da proteína mais atrativo ao consumidor. “Fazendo um paralelo com a cadeia do frango, que levava 80 a 90 dias para ser criado e hoje leva 40 dias no máximo, hoje o peixe ainda leva seis meses para engordar depois que já é um juvenil. Dessa forma a ideia é que a gente tenha o mesmo peixe, só que mais rápido, mais eficiente para chegar no consumidor com um preço mais competitivo”, afirma Kubitza.

O longo período de produção torna o planejamento da produção essencial para o negócio. “A gente vive de planejar e executar, então quando nossos clientes vêm discutir a entrega da semana santa, por exemplo, eu tinha que estar adivinhando um ano antes o que ele ia querer para a Páscoa seguinte. Isso porque entre nascer um alevino, cultivar e ficar pronto a gente tem um ano de ciclo”, explica o gerente da unidade.

“Pelo ciclo longo, é um trabalho muito intenso de organização, de produção e de integração entre as áreas. O frigorífico tem que estar pronto para absorver o aumento de produção, caso a decisão da fazenda seja fazer qualquer tipo de aumento”, complementa Kubitza.

A qualidade da água é o principal patrimônio para a criação de peixes | Foto: Larissa Schäfer

Equilíbrio do meio ambiente

Como não é uma espécie nativa brasileira, outro cuidado que a empresa possui é com o desequilíbrio ambiental. “A espécie que a gente usa ela não se reproduz a partir do momento que tá aqui no cativeiro, já que aqui só temos machos. Então mesmo que ocorresse uma fuga não haveria risco nenhum da tilápia se multiplicar”, ressalta o diretor da empresa Alexandre Vasto.

“É uma loucura, porque o peixe está livre para ir e vir. Mas o que a gente faz é cuidar do nosso ambiente, remanejamos as telas, sempre mantendo elas limpas. O nosso peixe é imunizado, recebe uma ração de primeira qualidade para ter imunidade boa para gente não ter um patógeno circulante no sistema”, explica a médica veterinária Mábilis Kanazawa.

Qualidade da Água é essencial

As águas onde a Fider está instalada são bens do Estado brasileiro (são chamadas Águas da União). Dessa forma, é necessário obter uma concessão federal, ou seja, a empresa paga pelo direito de produzir na Represa Jaguara por 20 anos. Nesse período a represa é fiscalizada por outros órgãos, desde um órgão de regulação ambiental, como é a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), além de que a própria demarcação é feita pela Marinha.

O sistema de tanques-rede comporta 10 milhões de peixes a cada ciclo e essa produção é fiscalizada pela Agência Nacional de Águas (ANA), que determina a capacidade de sustentação para a produção de pescado naquela determinada região. “Além do volume produzido, a entidade controla o teor de fósforo (P), com fiscalização da quantidade média de ração oferecida pela população de peixes e o teor máximo de fósforo, assim como os possíveis resíduos na água”, ressalta Vasto.

A qualidade da água é o principal patrimônio para a criação de peixes, sendo realizadas análises de água periodicamente pelo INMETRO e o resultado é submetido à CETESB, conforme exigências da lei.