Sustentabilidade

Aquecimento global já impacta a transmissão de doenças no Brasil

As mudanças climáticas já constituem um fator significativo no aumento da propagação de doenças no Brasil e no mundo, uma tendência que se intensificará à medida que o planeta se aquecer, alertam especialistas brasileiros.

Nos últimos anos, a comunidade científica mundial chegou a um consenso sobre o conceito de “saúde única”, que destaca a interconexão inseparável entre a saúde humana, animal e o meio ambiente. Esses três elementos são diretamente afetados pelas mudanças climáticas.

A Profa. Dra. Mariana M. Vale, docente da UFRJ e representante brasileira no Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), destaca que a temperatura média global aumentou 1,1 grau Celsius desde o início da Revolução Industrial, prevendo uma elevação adicional de 3ºC a 3,5ºC até 2100. Isso poderia resultar em uma catástrofe socioambiental.

A partir da década de 1950, observou-se um aumento exponencial nos casos de doenças zoonóticas emergentes, originadas em animais, muitos deles silvestres, transmitindo-se para os seres humanos. Esse fenômeno, conhecido como “spillover” (transbordamento), envolve patógenos como vírus, bactérias, protozoários e fungos.

A mudança no uso e cobertura do solo, especialmente o desmatamento para atividades como agricultura, pecuária e expansão urbana, é apontada pela Profa. Mariana Vale como a principal causa do surgimento dessas zoonoses virais. O contato mais frequente entre as pessoas e animais silvestres aumenta o risco de transbordamento de vírus para os humanos.

O aquecimento global agrava uma situação já preocupante, impactando principalmente doenças transmitidas por vetores, como mosquitos, que preferem ambientes quentes e úmidos. Com o aumento das temperaturas, esses vetores estão expandindo sua distribuição em direção aos polos, levando a um aumento das incidências de doenças como leishmaniose, malária, febre amarela, dengue, zika e chikungunya em regiões antes consideradas temperadas.

Leishmaniose

O Prof. Dr. Eduardo de Castro Ferreira, pesquisador da Fiocruz Mato Grosso do Sul, destaca a relação entre a leishmaniose e as mudanças climáticas. O aquecimento global tem expandido a área de ocorrência da doença, transmitida por protozoários e flebotomíneos.

Malária

A malária, transmitida por mosquitos Anopheles infectados por protozoários, teve cerca de 247 milhões de casos em 2021 globalmente. No Brasil, houve cerca de 129 mil casos em 2022, com um aumento da incidência na Região Amazônica. Mudanças climáticas, incluindo aumento de temperaturas, são apontadas como fatores para a expansão da doença.

Febre Amarela

A Profa. Dra. Marcia Chame, pesquisadora da Fiocruz, destaca a epidemia de febre amarela nos estados do Sudeste, indicando a importância do monitoramento de primatas através de plataformas tecnológicas. A febre amarela, transmitida por mosquitos, teve casos registrados em áreas urbanas e silvestres, evidenciando a relação com as mudanças climáticas.

Biodiversidade

A Dra. Erika Hingst-Zaher, diretora do Museu Biológico do Instituto Butantan, enfatiza que as mudanças climáticas afetam humanos, fauna, flora e meio ambiente, resultando na perda de biodiversidade. Alterações nas temperaturas e regimes pluviométricos afetam plantas e animais, com impactos em cascata.

Negacionismo

Erika Hingst-Zaher lamenta a falta de engajamento da sociedade diante da emergência climática, atribuindo isso à desconexão das pessoas em relação à natureza, angústia diante de cenários desoladores, interesses econômicos e políticos, e a priorização de problemas imediatos. Ela destaca que, se não houver ação, as mudanças climáticas podem levar à extinção do Homo sapiens, comparando o fenômeno às grandes extinções planetárias do passado.