Leite

Saúde do úbere: a essência da produção leiteira

Por Raquel Maria Cury Rodrigues, Zootecnista pela Unesp de Botucatu.

Que o úbere das vacas é um ‘mundo à parte’ e cheio de detalhes que envolvem hormônios, minerais, ciclos e processos não é novidade. Transformar nutrientes da dieta em leite parece mágica mas envolve inúmeras e complexas etapas que tornam o circuito curioso e, porque não dizer, instigante. 

Fisiologicamente a produção de leite engloba células, sangue, vasos, alvéolos, ativação do sistema nervoso central, enfim, uma variedade de estruturas que precisam trabalhar em sinergia para alcançarem o objetivo final. Falando sobre a vaca em si, são vários os manejos que contribuem para um resultado de sucesso, como, o controle do estresse dos animais, foco no bem-estar, nutrição adequada para cada etapa, equipamentos com a manutenção em dia e – tão importante quanto esses itens – a saúde do úbere. Todos eles se relacionam em algum grau e é sobre isso que falaremos adiante. 

É por meio da glândula mamária que as vacas ejetam um dos mais nobres alimentos e os cuidados que a envolvem são direcionados para priorizar a sua saúde e vitalidade para assim oferecer o seu ótimo. Essa condição é intrínseca para quem busca otimização constante e prevenção de problemas no rebanho. Afinal, úberes saudáveis também são sinônimo de leite de alta qualidade. 

Mastite permanece sendo o grande vilão da saúde dos tetos

A mastite bovina é a principal doença de rebanhos leiteiros e pode acometer tanto vacas primíparas quanto multíparas, com alto impacto negativo sobre a produção e a qualidade do leite. A ocorrência da doença varia entre os rebanhos, já que dependerá das práticas de manejo adotadas em cada fazenda, como exemplo, alimentação, rotina de ordenha e sistema de alojamento. 

O histórico do animal desde o nascimento até o parto também é importante do ponto de vista de saúde da glândula mamária, por isso, vale a pena caprichar nos registros, controle de dados e índices zootécnicos. Anotação nunca é demais e contribui para dar uma direção quando surgem gargalos.

Monitorar por meio de amostras como está o leite das vacas no rebanho também é crucial para direcionar esforços em buscas de soluções e prevenção, inclusive essa última, é ponto chave para reduzir a prevalência de mastite no rebanho. Conhece aquela velha frase: prevenir é melhor do que remediar? Pois bem, ela se encaixa muito bem aqui. 

Conhecer os patógenos presentes nos rebanhos por meio da cultura microbiológica é uma ferramenta precisa que oferece tomada de decisão adequada quanto à utilização ou não de terapia antimicrobiana. Também, a tecnologia possibilita o acesso a importantes pistas de como melhorar a qualidade do leite oferecido e proporciona a rápida tomada de decisão.

Uso de selantes e período seco

Utilizar selantes no momento que a vaca passa pelo período seco é uma possível estratégia para evitar novas infecções intramamárias já que reforça a barreira física natural presente no tampão de queratina formado na extremidade dos tetos no pré-parto. Algumas vacas apresentam atraso ou até mesmo falha na produção do tampão de queratina. A ausência da proteção conferida pelo tampão de queratina resulta em tetos desprotegidos e fornece uma “porta aberta” para invasão de agentes causadores de mastite na glândula mamária. Há algumas opções de selante no mercado e a escolha deve ser feita em consenso com a equipe.

Nessa fase, as vacas também necessitam de alojamentos limpos, secos e confortáveis a fim de evitar exposição a microrganismos. 

Momento da ordenha, importância da mão de obra e correto manejo das teteiras

Ainda sobre mastite, no momento da ordenha, por exemplo, a doença pode ocorrer por conta de microrganismos ambientais. Eles são patógenos oportunistas, que sobrevivem e se multiplicam em locais fora da glândula mamária; assim, a higiene do local de ordenha se faz necessária com o intuito de reduzir a possibilidade de multiplicação destes microrganismos. Além disso, a higiene do ordenhador e a desinfecção dos tetos devem também estar sempre em dia. 

Aqui vale também citar a importância de uma mão de obra treinada, proativa e ágil em resolver problemas. Quando esses três pilares estão em consonância, o olhar dos funcionários – que ficam boa parte do tempo com os animais – se torna cada vez mais apurado. Assim, o radar para algum problema logo é acionado. 

Uma equipe motivada tem impacto direto no bem-estar dos animais e isso impacta na redução do estresse dos mesmos, que de maneira geral, é deletério para a saúde geral do rebanho. Situações crônicas de estresse fazem com que o animal gaste mais energia e sofra impactos no sistema reprodutivo e imune, tornando-o mais suscetível a doenças e consequentemente menos produtivo. Focar em boas práticas de manejo adequadas para o sistema de produção escolhido na fazenda contribui muito com esse tópico. 

Sobre o equipamento de ordenha, a equipe deve sempre estar atenta ao seu funcionamento a fim de evitar complicações. Assim como as boas práticas clínicas e de ordenha, é fundamental priorizar a limpeza, manutenção e calibração dos equipamentos destinados à ordenha e refrigeração do leite. Esses procedimentos devem ser realizados de acordo com as instruções do fabricante, utilizando material e utensílios adequados, bem como detergentes específicos para este fim. 

Ter atenção constante sobre o funcionamento do equipamento é fundamental a fim de evitar alguns problemas relacionados à saúde das vacas e qualidade do leite, tais como: lesões nas pontas dos tetos de vacas; ordenha incompleta dos quartos mamários; aumento do tempo de ordenha vacas com desconfortos durante a ordenha; queda recorrente de teteiras durante a ordenha, entre outros.

Não esquecer a verificação da pressão do vácuo, frequência e regulagem dos pulsadores. Os conjuntos de ordenha devem apresentar bom estado de conservação, funcionamento e higienização, com medidores adequados e funcionais e pressão de vácuo suficiente. Toda essa manutenção contribui e muito para a saúde do úbere. Todas essas iniciativas reduzem as lesões nos tetos dos animais e poupam o produtor de possíveis dores de cabeça. 

Manejo nutricional adequado e instalações 

Fornecer aos animais uma dieta balanceada em proteínas, energia e fibras e estar atento a demanda de nutrientes para cada fase que o animal se encontra é essencial para manter o plantel saudável. Os alimentos devem estar livres de mofo e sempre muito bem armazenados. Sobre as instalações, é importante que não estejam superlotadas, sujas, úmidas e com ventilação adequada. 

Em resumo, todos os manejos adotados na fazenda podem impactar o úbere dos animais positivamente ou negativamente. Devemos nos esforçar para que nossas vacas sejam criadas com todas as suas necessidades atendidas para que elas respondam ao que buscamos. Avante! 

Referências bibliográficas

GRANJA, Brunna. Comparação de eficiência de dois selantes internos de teto. Disponível em: https://onfarm.com.br/comparacao-de-eficiencia-de-dois-selantes-internos-de-teto/. Acesso em: 09 de outubro de 2021. 

Lesões durante a ordenha: como prevenir e como afetam a qualidade do leite. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/empresas/novidades-parceiros/lesoes-durante-a-ordenha-como-prevenir-e-como-afetam-a-qualidade-do-leite-224890/. Acesso em: 09 de outubro de 2021. 

SANTOS, Marco; FREU, Gustavo. Saúde do úbere de vacas primíparas, estratégias de sucesso e fatores de risco. MilkPoint, 2021. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/colunas/marco-veiga-dos-santos/saude-do-ubere-de-vacas-primiparas-estrategias-de-sucesso-e-fatores-de-risco-226655/ Acesso em 08 de outubro de 2021.

SANTOS, Marco; FREU, Gustavo. Uso de selante de tetos na secagem de vacas leiteiras e saúde do úbere. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/colunas/marco-veiga-dos-santos/uso-de-selante-de-tetos-na-secagem-de-vacas-leiteiras-e-saude-do-ubere-225474/ Acesso em: 09 de outubro de 2021. 

Zafalon, Luiz Francisco Boas práticas de ordenha [Recurso eletrônico] / Luiz Francisco Zafalon [et al.].— São Carlos: Embrapa Pecuária Sudeste, 2008. Modo de acesso:  https://central3.to.gov.br/arquivo/228631/(acesso em 09 de outubro de 2021) 50 p. (Documentos / Embrapa Pecuária Sudeste, 78).