A pecuária brasileira tem papel fundamental para a economia nacional e para a segurança alimentar do mundo. Investir no manejo sanitário do gado bovino, seja de leite ou de corte, é um dos principais pilares para a obtenção de um rebanho sadio, produtivo e lucrativo, além de estar diretamente relacionado a uma produção mais sustentável.
A adoção de um calendário sanitário cuidadosamente elaborado e sua aplicação, com definições claras de ações, periodicidade e categoria animal impacta de forma direta no planejamento e nas metas de resultado da fazenda, trazendo mais segurança para o pecuarista e para o mercado como um todo.
Perdas econômicas em decorrência de falhas de manejo sanitário do rebanho ainda ocorrem em proporções consideráveis, especialmente por doenças que não são tão evidenciadas através de grandes campanhas de âmbito compulsório, como as clostridioses, a raiva e outras, que podem estar presentes e ocasionar prejuízos significativos, especialmente quando ocorrerem surtos.
“Algumas doenças estão presentes no ambiente de criação dos bovinos e, desta maneira, devemos preveni-las. Uma forma fácil e eficiente de executar a prevenção é a vacinação periódica que deve cumprir um calendário elaborado para a fazenda de acordo com as categorias existentes e os momentos esperados de desafios”, comenta Marcos Malacco, médico-veterinário gerente de serviços veterinários para bovinos da Ceva Saúde Animal.
A vacinação é, de fato, a melhor forma de prevenir as principais doenças que acometem os animais de produção. Doenças entendidas como de “maior importância”, quase sempre pelo seu potencial de afetar também os humanos (zoonoses), contam com programas governamentais focados em seu controle e erradicação, como a brucelose, aftosa e raiva, mas, de acordo com Malacco, as outras doenças não podem ser esquecidas pelos pecuaristas.
“As clostridioses representam um grupo de doenças causadas por toxinas produzidas pelas bactérias do gênero Clostridium. As principais clostridioses que acometem os animais de produção são o botulismo, as enterotoxemias, a gangrena gasosa e o carbúnculo sintomático (manqueira). Já a raiva é zoonose fatal envolvendo riscos aos animais e ao homem. Outras doenças como o paratifo e as pasteureloses podem afetar os animais causando diarreia e/ou problemas respiratórios nos animais”, conta o médico-veterinário. “São doenças impactantes nos sistemas de produção, causando prejuízos em relação ao atraso no desenvolvimento, custos com tratamentos e muitas vezes o óbito dos animais afetados. Por isso, um calendário sanitário cumprido à risca é a melhor forma de se prevenir os prejuízos”, afirma.
Parasitas internos e externos também provocam prejuízos
A vacinação é ponto principal de um manejo sanitário mais robusto, mas as doenças e a perda de desempenho causada pelas infestações parasitárias também impactam na qualidade da produção da fazenda e principalmente na saúde e bem-estar dos animais.
A incidência de parasitas internos (verminoses) e externos (carrapatos, moscas, bernes) tende a ser significativa no período de altas temperaturas e chuvosos, já que o clima quente e úmido favorece a proliferação destes agentes no ambiente. Estes agentes interferem no bem-estar dos animais, podem espoliar sangue, interferir na ingestão de alimentos e, também, serem transmissores de doenças importantes para os bovinos.
“O carrapato dos bovinos, Rhipicephalus microplus, está presente em quase todo o território nacional. Ele é responsável pela transmissão das doenças do Complexo Tristeza Parasitária Bovina (TPB) e as lesões que ele causa na pele do animal favorecem a instalação de larvas de moscas (miíases ou bicheiras) e infecções oportunistas em decorrência do rompimento da integridade cutânea”, Malacco comenta.
Quanto aos parasitas internos gastrointestinais, estudo conduzido no Brasil (GRISI et al., 2014) demonstrou que os vermes redondos são aqueles que determinam os maiores prejuízos (na casa dos 7 bilhões de dólares anuais). O problema é que na maioria dos casos os prejuízos por tais parasitos são difíceis de serem percebidos, visto que grande parte das verminoses dos bovinos são de manifestação subclínica, ou seja, sem evidência clara. Assim causam grandes prejuízos, impactando no desempenho dos animais, especialmente na recria, quando necessitam de cuidados para que possam se desenvolver e manifestarem o potencial genético. Após os 24 a 30 meses de idade, devido a infecções anteriores repetidas, há tendência de os bovinos sofrerem menos o impacto das verminoses gastrointestinais, porém momentos propícios para a queda de imunidade do animal (viagens longas, mudanças de lote, alterações na dieta, periparto) contribuem para ocorrência dos efeitos negativos dessas parasitoses.
“O controle estratégico das verminoses é importante, especialmente nos animais mais jovens devido à pouca experiência com as infecções e a necessidade de desenvolvimento muscular, esquelético, de órgãos e sistemas para que atinjam a maturidade e perpetuem a espécie. Além da interferência na digestão, absorção e aproveitamento dos nutrientes, as verminoses gastrointestinais mesmo que não sejam facilmente percebidas (manifestação subclínica) têm grande impacto no apetite. A redução na ingestão de alimentos não é percebida, no entanto contribui para menor desempenho. De maneira geral, os bovinos a partir dos 3 ou 4 meses de idade até os 2 ou 2,5 anos de vida, fase natural para o acelerado desenvolvimento corporal, sofrem bastante os efeitos negativos das verminoses gastrointestinais. Essa categoria deve receber atenção especial em programas estratégicos/táticos de controle verminótico, que deverá proporcionar condições para o pleno desenvolvimento e entrada no sistema produtivo mais precocemente, contribuindo para geração de receitas mais cedo”, alerta Malacco.
Para ambos os casos, os endectocidas são consideradas excelentes opções, uma vez que são capazes de combater parasitas internos e externos na maioria dos casos com apenas uma única aplicação. Sua praticidade e eficiência se mostram uma excelente opção para as fazendas, e a aplicação pode ser realizada em conjunto com outras práticas de manejo e sanidade, como as vacinações.
Controle de moscas
A “mosca dos chifres” (Haematobia irritans) e a “mosca dos estábulos” (Stomoxys calcitrans) são importantes transmissores do protozoário Trypanosoma vivax, causador da tripanossomose, e de outras doenças para os bovinos. No caso da tripanossomose, a doença pode se manifestar de forma clínica (aguda) ou subclínica (crônica), dependendo de seu status na fazenda. Na fase clínica, os sintomas observados são apatia, intensa anemia, febre intermitente, redução do apetite e diminuição de peso, diminuição na produção leiteira, linfonodos aumentados, abortos, incoordenação motora, elevação das frequências cardíacas e respiratórias, salivação excessiva, abortos ou absorções embrionárias, nascimento de crias fracas que morrem a seguir, além de óbito.
Em geral, quando a tripanossomose chega ao rebanho há surtos de doença clínica. Posteriormente, com o tratamento, os casos clínicos tornam-se mais raros, entretanto a doença continua presente no rebanho ocasionando perdas reprodutivas, na produção leiteira e no desempenho dos animais. Ainda nessa situação, surtos podem surgir levando a perdas significativas. Por isso, programas estratégicos de controle da tripanossomose também devem ser elaborados nos rebanhos e regiões de presença do Trypanosoma vivax.
Uma outra importante verminose, é a estefanofilariose ou úlcera do úbere. Neste caso, a “mosca dos chifres” (Haematobia irritans) desempenha o papel de hospedeiro intermediário, transmitindo as microfilárias do verme Stephanofilaria sp., responsáveis pelo desenvolvimento de lesões cutâneas e ulcerativas que acometem, frequentemente, o úbere (quartos anteriores), podendo também afetar cabeça, região escapular, tetos, jarretes, cauda, garupa, quarto posterior e quartela dos bovinos.
Cuidado integral da saúde do rebanho
Um ponto de atenção refere-se à chegada de novos animais no rebanho. Muitas vezes não conhecemos o histórico sanitário dos mesmos e é de grande importância estabelecermos protocolos sanitários para estes animais. O ideal é que na chegada, principalmente após longas viagens ou períodos de estresse excessivo, possamos oferecer um período de descanso, alimentação e reidratação, para depois realizarmos os protocolos sanitários. Nestes protocolos, o controle parasitário amplo (parasitos internos e externos) e o emprego de primovacinação são fundamentais. Se possível, devemos evitar juntar os animais entrantes imediatamente ao rebanho da fazenda. “O ideal é cumprirmos todos os protocolos sanitários nos novos animais para depois juntá-los ao rebanho da fazenda”, Malacco reforça.
O médico-veterinário também alerta para a importância de que a fazenda tenha um calendário próprio de manejo sanitário, seja ele ligado ou não às principais campanhas promovidas pelo governo. De fato, as grandes campanhas de vacinação ajudam a compilar o momento de focar mais na sanidade do rebanho, aproveitando o agrupamento dos animais para administrar outras vacinas, antiparasitários, vermífugos e outras medicações profiláticas convenientes para a propriedade, mas isso também pode (e deve) ser elaborado em conjunto com o médico-veterinário da propriedade a fim de promover um cuidado integral da saúde do rebanho de forma intencional e responsável.
“O pecuarista precisa dissociar manejo sanitário traçado para a fazenda daquelas vacinações compulsórias de âmbito governamental, que obviamente devem ser realizadas. Portanto, independentemente da existência dessas vacinações obrigatórias, a fazenda deverá ter um calendário sanitário integralmente cumprido a fim de assegurar proteção e condições para melhor desempenho ao rebanho”, declara.