Corte

A história das emissões e o tal do arroto do boi

É a COP26 que se espera acelerar as ações para alcançar as metas do Acordo de Paris, estabelecido em 2015. 

Gases do efeito estufa (GEE), carbono, metano, óxido nitroso, Protocolo de Quioto, Acordo de Paris, COP26 de Glasgow, net zero, GWP* (Global Warming Potential Star), GWP100, sequestro de carbono, balanço de carbono, fermentação entérica, Carne Carbono Neutro… mas o que é tudo isso, além de jargões do mundo das mudanças climáticas que geram dúvidas para muitos? 

Estamos nos aproximando da próxima conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima, a COP26 – Conferência das Partes, que será de 31 de outubro a 12 de novembro em Glasgow, na Escócia. É a reunião em que se espera acelerar as ações para alcançar as metas do Acordo de Paris, estabelecido em 2015. 

As discussões terão como base o último relatório sobre o clima global (AR6), lançado em agosto deste ano pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e que mostra de forma mais precisa as projeções das temperaturas futuras com base em mais de 60 modelos climáticos de diversos países.

Em que sentidos o Acordo de Paris avançou em relação ao Protocolo de Quioto?

Os próprios nomes já explicam: ‘Acordo’ e ‘Protocolo’. No ‘Acordo’, cada país definia suas próprias metas baseadas em suas capacidades, as NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas).  Enquanto o ‘Protocolo’ (de Quioto, em vigor de 2008 a 2012) já impunha as metas. 

Outro grande avanço é que, diferente do Protocolo de Quioto onde apenas os países desenvolvidos tinham metas, no Acordo de Paris, todos os países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, têm metas, uma vez que todos são capazes e precisam contribuir de alguma maneira. O Brasil, por exemplo, submeteu suas NDCs em setembro de 2016 e as atualizou em dezembro de 2020.  

Mas contribuir com o que?

Os dois tratados têm o objetivo de assegurar que o aumento da temperatura média global não ultrapasse 2 °C em relação aos níveis pré-industriais — preferencialmente, o limite deve ser de 1,5 °C. Para que isso ocorra, é necessário melhorar o balanço líquido das emissões de gases do efeito estufa. A inexistência de medidas de controle pode acarretar no aumento de eventos climáticos extremos no planeta, aumento do nível dos mares, entre outros problemas.  

E o cálculo?

Há diferentes GEE, sendo os mais comuns o CO2, CH4 e o N2O. Os gases são medidos em quilos de CO2 equivalente (CO2eq), ou seja, todos os GEE convertidos em uma única unidade. O metano (CH4), advindo do arroto do boi (fermentação entérica) e de outras fontes, tem um potencial 28 vezes maior de aquecimento que o CO2. Portanto, cada quilo de CH4 emitido representa 28 kg de CO2eq. O óxido nitroso (N2O) – advindo principalmente dos fertilizantes químicos, da queima de biomassa, do desmatamento e das emissões de combustíveis fósseis – tem um potencial 273 vezes maior que o CO2, ou seja, cada quilo de N2O emitido representa 273 kg de CO2eq.

Em geral, esses valores são demonstrados via balanço. O balanço das emissões é como se fosse o saldo bancário, onde se mede o que sai e o que entra, uma vez que as plantas, por meio da fotossíntese, sequestram carbono. Todavia, ainda há discussões sobre alguns valores a serem considerados para sequestro nos cálculos. Algumas pesquisas apontam para sequestros maiores do que os indicados nos relatórios do IPCC.

Esses mesmos valores também podem ser demonstrados pelo total de emissões por cada quilo de carne produzida, que seria a intensidade das emissões.

Há um outro fator que vem sendo apontado por alguns cientistas a ser considerado no cálculo do potencial de aquecimento, quando o objetivo é a neutralidade climática: o tempo de vida dos gases na atmosfera. Na métrica GWP100, considera-se que todos os gases permanecerão 100 anos na atmosfera. No entanto, sabe-se que há gases de vida longa, como o CO2 e gases de vida curta como o metano. Há cientistas que sugerem o uso da métrica do GWP*, que leva em consideração as características dos gases de vida curta, buscando números mais corretos para se alcançar a neutralidade climática.

Países e setores campeões de emissões

No mundo, a energia é a maior vilã do aquecimento global, sendo responsável por 76% das emissões, como demonstrado no gráfico abaixo.

Analisando as emissões por países, vemos no gráfico a seguir a China como maior emissor com 24%, seguida dos EUA com 12%.

Onde exatamente o boi entra na história?

No seguinte gráfico, observamos que a queima de combustíveis fósseis representa 29% das emissões no Brasil e a mudança de uso de solo (majoritariamente o desmatamento) representa 27%. A fermentação entérica, ou seja, o tal arroto do boi representa 19% das emissões.

Isso pode melhorar?

A pecuária pode sim reduzir as emissões e muitos estudos têm sido feitos com relação ao tema. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), por exemplo, demonstrou que com a intensificação da produção há uma redução significativa na intensidade das emissões e propôs algumas medidas no plano ABC+ que podem auxiliar o produtor nessa questão:

• Práticas para a recuperação de pastagens degradadas;
• Sistemas de integração lavoura-pecuária (ILP), pecuária-floresta (IPF) e lavoura-pecuária-floresta (ILPF);
• Bioinsumos;
• Manejo de resíduos da produção animal;
• Terminação intensiva.

Já há muitos pecuaristas adotando essas técnicas e alcançando excelentes índices de produção que, além contribuir para a redução do aquecimento global e preservação dos recursos naturais, como a água, o solo e a biodiversidade, também geram maior lucro. Ou seja, é um sistema ganha-ganha: ganha o produtor, ganha o meio ambiente.

Carne Carbono Neutro? Net Zero?

A Carne Carbono Neutro, marca-conceito desenvolvida pela Embrapa e adotada em uma linha de produtos da Marfrig, é produzida em áreas de integração pecuária-floresta ou lavoura-pecuária-floresta. Dessa forma, as emissões de metano entérico ocorridas durante a produção da carne são compensadas com o crescimento da vegetação desses sistemas, neutralizando as emissões. Em função da neutralização o produto pode, então, ser certificado como Carne Carbono Neutro.

O net zero é o balanço zero, ou seja, as emissões de GEE geradas durante todo o processo de produção, são 100% sequestradas, por exemplo com árvores plantadas. Isso pode ser feito com a intensificação das medidas de sustentabilidade não apenas dentro da porteira, mas ao longo de toda a cadeia, com uma logística mais eficiente, menor perda de gases em todos os processos industriais, menor desperdícios em todos os elos da cadeia, uso de energia renovável e outras. Esse compromisso já foi assumido por diferentes empresas, dentre elas algumas associadas da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável, como DSM, JBS e Minerva Foods.

E o resultado disso tudo?

Devemos lembrar que o clima global é um sistema complexo e resiliente. Segundo o relatório do IPCC, caso as emissões excessivas de CO2 cessassem hoje, a redução ou a estabilização da temperatura global só iria ocorrer daqui a 20 ou 30 anos. Esse é o motivo da urgência de uma ação global conjunta para adoção de medidas ao combate do aquecimento global, não apenas provenientes da agropecuária, mas de todos os setores produtivos, energético, químico, logístico etc.

O GTPS, já vem discutindo a questão com foco na cadeia de produção da carne bovina. Os debates são realizados com a participação de todos os elos da cadeia – produtores, insumos e serviços, indústrias, varejos e restaurantes, instituições financeiras e sociedade civil.

“Temos urgência de uma ação global conjunta para a adoção de medidas de combate ao aquecimento global. A ciência está ao nosso favor, o conhecimento e a tecnologia já existem e o desafio agora é fazê-los chegar ao campo, em cada produtor rural, seja ele pequeno ou grande. Eles precisam se engajar com o tema e saber que têm papel fundamental para o alcance das metas de redução das emissões”, finaliza o presidente do GTPS, Sergio Schuler.