Mercado

"O mundo agro consegue se proteger e capitalizar de um jeito que não acontecia antes"

O mercado financeiro e o agronegócio sempre tiveram uma relação próxima, no entanto, ela cresceu exponencialmente nos últimos anos. Investimentos, empresas com capital aberto na bolsa de valores e criação de mecanismos como o Fiagro (Fundo de Investimento em Cadeias Agroindustriais) vem impulsionando essa aproximação.

Apenas em 2021, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro cresceu 8,36%, conforme o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), demonstrando também o potencial econômico do setor para investimentos.

O estreitamento dessa relação é a aposta do economista-chefe da Necton, André Perfeito, e do economista e sócio da Plantare Rafael De Cezaro. Ambos analisaram os cenários atuais durante o lançamento do escritório da Plantare em Passo Fundo. Apenas no empreendimento, entre 30% e 40% dos clientes são ligados ao agronegócio.

Entrevista com André Perfeito

André Perfeito é economista-chefe da Necton | Foto: Matheus Lorenzini/Destaque Rural

Destaque Rural: Como a relação entre o mercado financeiro e agronegócio evoluiu nos últimos anos?

André Perfeito: A indústria financeira se tornou mais presente na vida do mundo agro porque uma série de serviços podem ser prestados agora. Desde você fazer uma espécie de hedge, ou seja, a proteção da venda de uma safra, como também você criar financiamentos das próprias safras. Os mecanismos de financiamento sempre estavam muito ligados ao capital público, aos bancos públicos, que tem o espaço deles. Só que a gente começa observar cada vez mais que empresas privadas, bancos privados, financeiras privadas buscam esse setor dinâmico para originar produtos. Isso é um jogo de ganha e ganha incrível por que a indústria financeira consegue se aprofundar na economia e o mundo agro consegue se proteger e capitalizar de um jeito que não acontecia antes. Então acho que é muito vibrante o que está acontecendo. E isso daí é resultante justamente de uma queda dos juros que aconteceu no Brasil. É verdade, os juros estão subindo agora, mas historicamente eles estão em uma tendência de queda e isso está criando um indústria financeira muito mais potente, que a gente chama de financial deepening, está entrando cada vez mais no tecido econômico e o mundo agro sem dúvida nenhuma tem que se beneficiar e vai continuar se beneficiando desses fatores.

DR: Quais as vantagens desta aproximação para os agentes que fazem parte do agronegócio, inclusive para os produtores?

AP: Você tem duas grandes vantagens de uma empresa do mundo agro, de uma fazenda ou de algum grupo entrar mais próximo do mundo financeiro. De um lado, em relação à produção, você tem formas de financiar e de criar proteções, o que é muito importante. O mundo agro tem uma conexão muito forte com o mundo financeiro, que tem a ver com o tempo. A produção do mundo agro demanda tempo, uma plantação demora a acontecer e o mercado financeiro lida com dinheiro, a gente não fala sempre que tempo é dinheiro? Então a gente administra o tempo de forma a fazer um casamento entre as necessidades do produtor com o que ele precisa. Isso de um lado, de outro lado tem formas de você ajudar na produção, de alavancar o negócio agro. É um ciclo produtivo que envolve muita tecnologia, então a indústria financeira está lá para ajudar a comprar um trator, a comprar um drone, a comprar um robô. Isso tudo faz parte de um tipo de produção agro moderna que carece de bens de capital que são de longo prazo, ou seja, você precisa financiar e você tem o mercado financeiro para auxiliar nesse processo.

DR: E quais as expectativas para o futuro da relação entre o agronegócio e a indústria financeira?

AP: Eu acho que o futuro do agronegócio e da indústria financeira é cada vez mais se juntar. Não tem como você pensar de outra forma. Por conta da natureza dos negócios, os dois lidam com o tempo, cada um de um jeito, mas são complementares. Mas mais do que isso, o Brasil tem uma coisa fantástica, porque já tem uma indústria agro potente, por que foi criada até com muita ajuda do estado. E o Brasil também, de forma muito original, tem uma indústria financeira muito grande. Os grandes bancos brasileiros são grandes em qualquer lugar do mundo, então essa união estava impedida por conta da taxa de juros, que era muito elevada, na medida em que a taxa de juro caiu, isso acabou se revelando. Eu acho que só tem a crescer e não importa quem seja o próximo presidente, essas relações já ganharam vida própria, independente de uma agenda oficial.

DR: Quanto à política e às eleições, quais as perspectivas econômicas que se desenham para o agronegócio?

AP: Tanto o presidente Bolsonaro quanto o presidente Lula foram muito favoráveis ao mundo do agro. Eu acho que tanto faz, a verdade é essa, claro tem algumas caricaturas, de um lado e do outro. “Um lado é mais pró-arma, o outro lado defende mais direito social”. Eu acho uma bobagem isso, uma bobagem porque os dois lados entendem que tem que fazer o mundo agro funcionar. Agora, o mundo agro, na minha opinião, também tem que entender cada vez mais a responsabilidade que ele tem com o Brasil, no sentido de entender que essa riqueza tem que ser realmente distribuída, não obviamente só entre os brasileiros, mas entre os setores. Eu acho que cabe um pensamento às vezes um pouco mais estratégico ao setor agro, tem que ser mais adensado, mais aprofundado. Eu espero estar certo de que tanto faz, mas pelo o que a gente já viu do Lula e do Bolsonaro, dá para ver que os dois têm uma atenção muito forte para o mundo agro.

DR: Quanto ao mercado das commodities agrícolas, qual o cenário atual e o que podemos esperar do futuro?

AP: O mercado de commodities subiu fortemente nos últimos anos, seja por conta da pandemia, seja pelo o conflito no leste europeu. O leste europeu acabou tendo um efeito sobre o trigo muito claro, depois em relação ao petróleo. Você tem uma situação onde o preço de commodities subiu por motivos estruturais e conjunturais. Em conjunturais eu poderia colocar a questão da guerra, mas estruturais é porque o mundo entrou num nível de demanda por essas mercadorias que é incrível, não vai desacelerar isso. Agora, uma coisa é dizer que não vai cair, outra coisa bem diferente é ela falar que vai continuar subindo nas mesmas taxas, e eu não acho que isso vai acontecer. Soja só esse ano subiu 25% em dólar, não dá para imaginar que vai continuar subindo 25% a cada quatro meses. Então nesse sentido, eu acho que chegou no limite e vai estacionar. E aí o mercado vai chegando perto desses preços até ter um novo ciclo, mas a demanda por commodities agrícolas aumentou, existe uma demanda muito mais forte. O que é um bom sinal para o setor, coisa que a gente tem que ficar muito atento aqui no Brasil. Um dos benefícios, por exemplo, do mundo agro e do mundo financeiro se juntarem, é porque a gente está precisando sofisticar o raciocínio do mundo agro no sentido que precisamos de critérios de ESG, que são parâmetros que tem a ver com o mundo financeiro, da questão da governança, da questão do uso da mão de obra, do uso do solo. Essas questões estão imbricadas e vão continuar se adensando.

“Esse novo patamar de preços deve ser o novo normal porque a cadeia toda se ajusta” – Entrevista com Rafael De Cezaro

Destaque Rural: Considerando a aproximação entre esses dois setores, o que mudou nos últimos anos?

Rafael De Cezaro: O setor financeiro é um grande parceiro do setor do agronegócio porque o setor financeiro tem mecanismos que fazem com que o produtor, a cerealista ou qualquer outro atuante no mercado do agro possam se proteger contra a variação de preços, por exemplo, ou mesmo alavancar a sua produção, tomar crédito no mercado, não mais através de bancos tradicionais, mas sim de investidores, que as vezes são investidores que são especializados no setor agro, então eles entendem do negócio e eles conseguem visualizar o empreendimento agro que eles estão investindo de uma forma muito mais clara. Então hoje a participação do agronegócio no mercado financeiro está crescendo muito. Nós tínhamos há 10 anos uma participação ínfima no mercado, por uma questão cultural. Realmente os produtores, cerealistas, tradings – que são as empresas que exportam o grão – não costumavam utilizar muito desses mecanismos e isso vem sendo cada vez mais comum e a gente acredita que só tem a crescer.

Destaque Rural: O que se projeta atualmente para o agronegócio no mercado de commodities?

RDC: Nós presenciamos uma alta absurda das commodities, principalmente da soja. A gente viu o preço da soja aqui na região sair da casa dos R$ 85 para R$ 210. É uma alta muito relevante, só esse ano a soja já subiu 25% em dólar. […] Esse novo patamar de preços deve ser o novo normal porque a cadeia toda se ajusta. Quando o dólar sobe e eleva, por exemplo, a cotação do milho, toda a cadeia que envolve o milho sobe de preço também. Então a ração fica mais cara para alimentar o gado, que consequentemente vai produzir a carne, que vai ficar mais cara também na ponta. E quando você sobe todos os preços de toda a cadeia, você não consegue mais baixar, porque mesmo que o milho tenha uma pequena queda, o mercado todo já se autorregulou com os novos preços. Então essa é a realidade, mas esse é um grande problema também do Brasil. Isso nada mais é do que inflação. Inflação é o aumento generalizado dos preços. A inflação no Brasil tem essa característica: os preços sobem e esse é o novo normal. Então eu acho que o produtor tem que olhar para isso, tem que olhar como o novo normal, tem que adequar os seus custos de produção, principalmente. A gente sabe o problema com os insumos que a guerra trouxe. Felizmente o Brasil está conseguindo contornar de alguma forma, mas eu entenderia dessa forma o mercado de commodities hoje.