Economia

Mercado projeta Selic de 13,75% para todo o ano de 2023

O Comitê caminhou no sentido contrário por entender que ainda há muito a ser feito, principalmente para ancorar as expectativas de inflação

Artigo de opinião dos especialistas Idean Alves, Robson Casagrande e Ricardo Jorge

O COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central) optou por manter a taxa Selic em 13,75%, conforme o último comunicado divulgado nesta quarta-feira (03). “O tom do comunicado do Copom foi bastante duro, bem mais hawkish, e mantendo a palavra quase que de lei nas últimas reuniões do Comitê: vigilância. Além disso, adotou um tom forte ao afirmar que não hesitam em retomar o ciclo de ajuste, caso vejam como necessário, já que o processo de desinflação é custoso. Roberto Campos Neto e todo o time do Copom seguem vigilantes para, além de realizar o processo desinflacionário com sucesso, ancorarem a expectativa de inflação no médio prazo”, explica o sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil, Idean Alves.

O tom da manutenção da Selic no patamar atual por mais tempo surpreendeu o especialista. “Pegando o mercado meio que na contramão, em um momento em que havia a esperança de um corte de juros no curto prazo. O Comitê caminhou no sentido contrário por entender que ainda há muito a ser feito, principalmente para ancorar as expectativas de inflação, tentando cumprir a meta de forma técnica, mas tendo que cobrar um custo alto para isso”, avalia.

O processo de alinhamento de expectativas e controle de preços deve acontecer gradualmente, e mais lento que o esperado, em razão de diversos fatores externos e internos: como os bancos centrais lá fora buscando também a convergência de inflação via alta de juros, o risco bancário nos Estados Unidos, e no Brasil um novo arcabouço fiscal ainda indefinido.

“O Copom sinalizou que o processo desinflacionário tende a ser mais lento em ambiente de expectativas de inflação desancoradas, e avalia que a desancoragem das expectativas de longo prazo eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Tudo isso torna o trabalho do Copom mais árduo, duro, e caro para a economia real, e para a população como um todo, que terá que suportar o cenário de inflação e juros altos por mais tempo”, informa Alves.

A decisão provavelmente deixará o ânimo dos políticos a flor da pele, já que boa parte da base aliada pedia um corte de juros “de qualquer jeito”, e mais uma vez um Copom sinalizou que vai ser técnico, e que não cederá as pressões políticas.

Idean Alves

IPCA

O IPCA no mês passado foi melhor do que o esperado, com qualitativo melhor também. “A gente teve IPCA-15 também melhor do que o esperado. O qualitativo também foi bom, porém abaixo das expectativas dos próprios analistas. Mas de maneira geral, a gente teve aí 2 IPCAs, um cheio e um parcial, divulgados com dados mais benéficos”, explica o especialista em renda fixa e sócio da Quantzed, casa de análise e empresa de tecnologia e educação para investidores, Ricardo Jorge.

“Então, isso obviamente ajuda na condução de política monetária, mas ainda para essa reunião, já era sabido que teríamos uma manutenção na taxa. Inclusive, por conta das declarações que o Roberto Campos Neto deu no Senado e vem se manifestando há algum tempo. Dizendo que ainda é cedo. A gente precisa de mais consistência nos dados para a gente começar um ciclo de afrouxamento monetário”, destaca Jorge.

O IPCA é o principal indicador de atividade utilizado pelo Banco Central, mas não é o único. “Obviamente existem um conjunto de fatores que dão base para as decisões do comitê, mas é bem verdade que o IPCA segue sendo o principal indicador. Obviamente que um IPCA mais fraco corrobora para um perfil menos contracionista da condução da política monetária”, salienta.

Os dois números bons dos últimos dados de inflação trouxeram ânimo para o mercado, mas nesse momento eles ainda são insuficientes para qualquer tipo de afirmação em termos de afrouxamento monetário. “Ainda é cedo para fazer qualquer tipo de afirmação, mas com certeza o Banco Central vai seguir observando os dados dos próximos IPCAs. E aí, sim, a medida em que a gente começa a ter uma consistência maior em termos de desaceleração dos preços, muito provavelmente o Banco Central começará com o processo de corte de juros”, sugere Jorge.

Para o especialista, o cenário que o Banco Central trabalha hoje é de manutenção até o final do ano. “Os modelos do Banco Central não confirmam nenhuma possibilidade de afrouxamento monetário, seja por questões macroeconômicas, seja por questões políticas. A apresentação do arcabouço e todo esforço que o governo tem tentado fazer para trazer uma solução para a dívida pública, é um ponto positivo. Ajuda a ancorar as expectativas, mas não há uma relação mecânica entre o arcabouço fiscal e a condução de política monetária. Então, tendo isso colocado, a gente sabe que o Banco Central não vai tomar qualquer decisão em função das medidas que o Governo tem adotado. Obviamente que isso ajuda na precificação de longo prazo, mas o que o Banco Central mais olha são dados de curtíssimo prazo para tomada de decisões. Então, nesse momento o cenário é de manutenção da taxa de juros até o final do ano”, justifica.

Já o mercado está mais otimista do que o próprio Banco Central e já começa a projetar quedas a partir do segundo semestre de 2023. Agora é importante a gente relembrar que o mercado já vem num passo otimista há muito tempo. Então, à medida que o tempo passa e a gente vê que de fato não há uma desaceleração consistente dos níveis de preço, o mercado vai se reajustando a essa nova realidade. É muito difícil a gente afirmar quando que o Banco Central vai começar com esse afrouxamento justamente porque a gente depende de dados que vão sendo divulgados ao longo do tempo.

Ricardo Jorge

Investimentos

O mercado aguardava a apresentação do novo arcabouço fiscal para projetar os juros futuros, “porém a política fiscal apresentada não é clara. E, apesar de delimitar o crescimento real dos gastos primários, demonstra uma redução lenta da despesa/PIB, com um aumento considerável da carga tributária e agora este projeto precisa vencer a resistência do Legislativo. Diante destes fatos, o mercado projeta uma Selic de 13,75% para todo o ano de 2023”, alerta o especialista em investimentos e sócio da GT Capital, Robson Casagrande.

Para o especialista, os ativos que se beneficiam com a alta da taxa Selic são os de renda fixa pós-fixados. “Isso porque, muitos deles estão indexados ao CDI que acompanha este movimento de alta, por exemplo, um CDB de 120% do CDI hoje está rendendo por volta de 16,38%a.a, se taxa Selic for para 14%a.a este mesmo título irá render próximo a 16,7%a.a.”, prevê.

Os ativos que mais são afetados negativamente com alta da Selic são os de renda variável. “Um exemplo são os Fundos Imobiliários que perdem atratividade no mercado devido à facilidade do investidor em buscar rentabilidade em ativos de menor risco e com menos volatilidade. Com a Selic a 13,75%, facilmente o investidor consegue uma rentabilidade de 1% a.a. Este percentual é muito próximo do que muitos fundos imobiliários pagam de dividendos, por este motivo muitos estão sendo negociados abaixo do seu valor patrimonial”, explica Casagrandre.

Muitas ações também são impactadas negativamente com este cenário de juros altos. Com um custo de capital elevado, as empresas lucram menos e repassam menos dividendos para seus acionistas.

Robson Casagrande