A estiagem registrada na safra de verão passada no Rio Grande do Sul foi devastadora. Agora, a soma de mais um ano com falta de chuvas está comprometendo ainda mais a produção e o agronegócio. Apesar do cenário climático ainda não ser considerado tão grave, a sequência de prejuízos desestabiliza desde os pequenos até os maiores produtores.
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“A característica do La Niña, [que está] se manifestando mais uma vez, quando há ocorrência de chuvas, é a irregularidade, tanto no volume, quanto também das regiões, normalmente atingindo áreas mais restritas”, relata o Diretor executivo da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (FecoAgro/RS), Sérgio Feltraco. Desta forma, há grandes diferenças de volumes de chuva e, consequentemente, de prejuízos nas lavouras em uma mesma região, cidade ou até propriedade.
Estimativas da Rede Técnica Cooperativa (RTC/CCGL) na área de atuação de 21 cooperativas calculam perda de produtividade média da soja de 16% e de 53% no milho. No arroz, a FecoAgro/RS afirma que as águas nunca estiveram tão baixas, uma consequência dos anos consecutivos de estiagem. Além disso, a baixa produção de milho e ausência de pastagens é adversa para a pecuária.
O número de municípios em Situação de Emergência aumenta a cada dia. Até esta quinta-feira (26), 171 já possuem o decreto e outros 29 já noticiaram a declaração, de acordo com a Defesa Civil do Estado. No ano passado, o total chegou a 426 declarações, isto é, 85,7% dos municípios gaúchos enfrentaram prejuízos em decorrência da estiagem e precisaram de apoio dos governos estadual e federal.
No âmbito estadual, o foco do governo é o programa Avançar na Agropecuária e no Desenvolvimento Rural, com aporte de R$ 320 milhões para ações relacionadas à estiagem. De acordo com o governo, parte desse valor foi executada no ano passado e a outra será em 2023. Apesar dos recursos, a avaliação é de que muitas medidas estão demorando para efetivamente chegarem até a ponta e apresentarem resultados.
Entre elas está o SOS Estiagem, um auxílio de mil reais destinado a famílias rurais vulneráveis. A iniciativa foi anunciada em junho do ano passado, implementada em setembro e os pagamentos começaram em outubro. Já a construção de microaçudes e poços foi anunciada ainda no final de 2021, junto ao Programa Avançar, mas os convênios só foram assinados em junho do ano passao.
De acordo com o novo secretário estadual da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação, Giovani Feltes, os pagamentos estão sendo realizados para execução dos microaçudes pelas prefeituras municipais. No caso dos poços, um novo edital deve ser divulgado em breve para que as prefeituras recebam recursos e executem os projetos, o que deve acelerar o processo, na avaliação do governo.
Atrasos
Diversos motivos são apontados pelo secretário para a demora na entrega dos projetos, inclusive falhas dentro da própria Secretaria de Agricultura e nas Prefeituras. “Às vezes nós também nos equivocamos e erramos na secretaria porque afinal de contas, somos falíveis, algum setor talvez quem sabe não tenha desempenhado a sua função a contento no ritmo que nós precisávamos e que a estiagem nos impõem, mas também tem uma quarta parte que devemos deixar claro, na maioria das vezes, acontece que a própria municipalidade não dá a devida atenção a celeridade desse processo, quer seja pela observância de documentos legais a serem juntados ao processo, quer seja por uma simples assinatura que muitas vezes depende de celeridade para que mais rapidamente a gente possa repassar o recurso”, afirma. Além disso, Feltes cita entraves burocráticos para controle e prestação de contas e restrições decorrentes do período eleitoral.
Representante dos trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul, a FETAG-RS considera que deve haver uma mudança no modelo de incentivo à irrigação e armazenamento de água. “No ano passado, o governador colocou recursos para fazer poços, cisternas, poços artesianos e açudes, mas isso não chegou na ponta até agora, porque o modelo está errado, não dá para fazer isso através do poder público, nós temos que ter programas que financiem os produtores para que eles façam os poços”, defende o presidente da entidade, Carlos Joel da Silva. A alternativa seria a criação de um programa de financiamentos com juros e recursos subsidiados pelo governo para acelerar essas obras.
Em relação a possibilidade de disponibilização de crédito e renegociação de dívidas, demandas que vão além do abastecimento de água, o secretário afirma que haverá diálogo com bancos de fomento e desenvolvimento, como BRDE, Badesul e Banrisul.
Demandas
No âmbito emergencial, o principal pedido é o auxílio no abastecimento de água, inclusive para irrigação de hortas. Além disso, é solicitada que a anistia dos pagamentos do Programa Troca-Troca de Sementes de Milho e Sorgo seja novamente concedida. Da mesma forma, há pedidos pela ampliação do Programa SOS Estiagem.
A FETAG-RS ainda considera importante investimento em pastagens para animais, especialmente para a bovinocultura de leite, e na assistência técnica. “A produção de leite está sendo altamente atingida pela estiagem porque as pastagens estão morrendo e porque o milho, que era para fazer silagem, também não vai ter e onde tem será de baixa qualidade”, pontua Silva. Entre as medidas mais estruturantes, sugere-se programas de irrigação com apoio do governo federal e também iniciativas de preservação de nascentes.
Além de demandas, as entidades também vem apresentando uma série de propostas para que o estado aprenda a conviver com períodos de estiagem, que são recorrentes. Entre elas, está a criação de um instituto que reúna a inteligência de dados e tendências de previsibilidade climatológica. “Esta não vai ser a última [estiagem], então o uso de ferramentas, de tecnologia e de inteligência é para garantir previsibilidade naquilo que o produtor mais precisa, que é orientação, de prognósticos e registros climatológicos”, ressalta Feltraco.
O incentivo e investimento na adoção do manejo adequado do solo também está no escopo das medidas estruturantes para minimizar efeitos de estiagens.
Prioridades
O governo ainda passa por uma transição, com divisão e criação de novas Secretarias. Desta forma, o programa SOS Estiagem, por exemplo, passa para a competência da Secretaria de Desenvolvimento Rural. De acordo com Feltes, o programa é considerado um sucesso e o governo está trabalhando para replicar essas ações.
Quanto às solicitações e propostas recebidas até o momento, o secretário afirma que elas estão sendo avaliadas. “Estamos tecnicamente avaliando múltiplas dessas demandas que têm surgido, [..] certamente devem ser consideradas por nós, mas muitas vezes você não tem uma resposta imediata porque elas demandam, não só de vontade política e de existência de recursos orçamentários […] para fazer o atendimento das demandas, elas exigem uma certa transversalidade com outras entidades e órgãos”, pondera Feltes.
A irrigação continua sendo apontada como um prioridade da Secretaria, assim como foi indicado pelas últimas gestões. O secretário, no entanto, considera que ainda se deve avançar legalmente. “Talvez ainda não tenhamos criado condições adequadas, talvez também consciência e recursos para isso. Por isso é preciso criar um conjunto de ações coletivas. Primeiro a consciência, depois um conjunto de ações coletivas para induzir e facilitar às pessoas a investir na irrigação e na reservação de água. Há questões do ponto de vista legal eventualmente a serem suplantadas, sem ferir a devida preservação do meio ambiente, mas nós podemos avançar um pouco”, pontua Feltes.
Além disso, ele cita a importância da melhora de produtividade para diminuir a deficiência de importação de produtos como o milho. Afinal, a baixa da produção de milho impacta diretamente os produtores, mas também as indústrias de ração e proteína animal, aumentando os custos. “A gente também uma deficiência de oferta que é recorrente, que é histórica no estado e que se agrava em períodos de estiagem, isso faz com que a gente tenha perda significativa de competitivdade com outras regiões do país”, pondera Feltraco.
Economia
No ano passado, até setembro de 2022, o Rio Grande do Sul acumulou uma queda de 6,6% no Produto Interno Bruto (PIB). A redução foi puxada pela Agropecuária, setor que sofreu retração de -50,5%. Essa queda é resultado direto da estiagem e da quebra da produção de soja e milho, que afetou também as exportações do estado, assim como as margens da indústria.
Nesse contexto, as medidas de mitigação e também estruturais para minimizar os efeitos da estiagem se mostram essenciais para aliviar produtores, que precisam de ações urgentes, mas também para que a economia do estado alcance resultados positivos, considerando a grande dependência do setor primário gaúcho. Esse avanço, com a atenção necessária ao meio ambiente para não agravar ainda mais os problemas climáticos e de abastecimento de água, se mostra uma prioridade para as novas gestões.
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