Após 25 anos de negociações, o acordo de livre comércio firmado entre a União Europeia (UE) e o Mercosul – bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai – divide opiniões. O pacto acena com promessas de redução de barreiras comerciais e maior integração entre os mercados das duas regiões, mas oferece tanto oportunidades significativas quanto desafios para os produtores e exportadores do Brasil.
O tratado do Mercosul com a UE constitui o maior acordo comercial já concluído pelo bloco e uma das maiores áreas de livre comércio bilaterais do mundo. Mercosul e UE reúnem cerca de 718 milhões de pessoas e economias que, somadas, alcançam aproximadamente US$ 22 trilhões de dólares.
O Brasil, como maior economia do Mercosul, tem muito a ganhar com o acordo de parceria. A UE é um dos principais parceiros comerciais do País, sendo destino de 15% das exportações brasileiras, incluindo produtos agrícolas como carnes, grãos e frutas tropicais. Em 2023, o Brasil exportou US$ 46,3 bilhões para a UE. Já as importações atingiram US$ 45,4 bilhões.
De acordo com informações divulgadas pelo governo federal, por parte do Mercosul, 91% dos bens e 85% do valor das importações brasileiras de produtos provenientes da União Europeia serão liberadas das cobranças tarifárias em até 15 anos. Por outro lado, 95% dos bens e 92% do valor das importações europeias de bens brasileiros não terão taxações em até 12 anos. Produtos sujeitos a quotas ou tratamentos não tarifários representam cerca de 3% dos bens e 5% do valor importado pela União Europeia, sendo esses tratamentos aplicados principalmente a itens do setor agrícola e da agroindústria. O acordo prevê a liberalização total ou parcial de 99% das exportações agrícolas brasileiras ao mercado europeu. O acordo foi celebrado por entidades nacionais, como a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Receio
Porém, algumas cadeias do agronegócio gaúcho mostram receio por se sentirem fragilizadas pela falta de competitividade frente a outros países. É o caso do alho, por exemplo, que sofre concorrência com o produto argentino. Os setores de vinhos, leite e olivicultura também estão preocupados com o acordo anunciado na sexta-feira (06) , em Montevidéu (Uruguai). O temor é a perda de mercado diante da concorrência com produtos importados. O setor do arroz espera por definições.
Os produtores de lácteos garantem que o problema passa, principalmente, pela falta de incentivo. “Temos que concorrer com produtores da União Europeia, que tem subsídios, e nós com essa carga de impostos”, reclama o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag-RS), Carlos Joel da Silva. O dirigente adianta que a entidade buscará apoio federal para reduzir custos de produção na cadeia leiteira e produção de vinhos. “A França, por exemplo, sinaliza que manterá os subsídios a seus produtores. Precisamos ter algum tipo de compensação para que não seja uma concorrência tão desigual”, sublinha.
O Sindicato da Indústria de Laticínios do Rio Grande do Sul (Sindilat/RS) também está com um pé atrás e o acordo será tema de encontro entre representantes da entidade e a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi). O texto definido entre os dois blocos econômicos prevê que leite em pó, manteiga, queijo e vinhos produzidos na UE podem ingressar no Brasil, e nos demais países do Mercosul, com isenção de impostos.
A situação preocupa produtores gaúchos, que já enfrentam a concorrência dos vizinhos do Mercosul, Argentina e Uruguai. A indústria alega que, se mantidas as regras atuais, será retirado 28% de imposto que hoje incide sobre o leite em pó e os 16% tributados sobre a manteiga e queijo importado. “O pequeno produtor é quem será o maior prejudicado”, afirma o secretário executivo do Sindilat/RS, Darlan Palharini. No entanto, haverá redução de preço para importar equipamentos que permitem modernizar a atividade, principalmente robôs para ordenha. Tributado entre 15% e 25% – de acordo com a entidade -, essas máquinas custam, em média, R$ 1,3 milhão – o que limita a capacidade de compra para produtores de menor porte.
Palharini aguarda a definição da agenda com o secretário da Agricultura, Clair Tomé Kuhn, para tratar sobre o pacto. “A reunião deve ser realizada ainda nesta semana. Nós precisamos nos preparar para o enfrentamento com esse novo concorrente, que tem uma grande escala de produção e altíssima qualidade”, admite o executivo. Segundo ele, o setor lácteo desempenha um papel crucial no desenvolvimento econômico e social do Rio Grande do Sul. Com presença em 493 dos 497 municípios do estado, emprega mais de 62 mil pessoas e garante o sustento de 220 mil gaúchos.
A Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) está no time que vê o acordo Mercosul/UE com reservas. “Ainda é cedo para avaliar os reflexos. Precisamos avaliar os detalhes para nós posicionarmos”, declara o presidente da entidade, Alexandre Velho. “Pode [o pacto] ter reflexos positivos se aumentar e ampliar os volumes comprados pela Europa”, acrescenta o dirigente.
Carne Bovina
Por outro lado, o tratado entre os dois blocos econômicos deve beneficiar segmentos como de carnes premium, avalia a presidente da Associação Brasileira de Criadores de Angus e Ultrablack (ABA), Mariana Tellechea. “Eu acredito que o acordo beneficia as exportações de carnes brasileiras, principalmente o setor de carnes premium, já que o mercado europeu é bastante exigente e os consumidores são bem educados, no sentido de consumir bons produtos”, diz. “Essas zeradas de tarifa, com certeza, irão beneficiar as nossas exportações”, observa.
No caso da carne bovina, o acordo estabelece quotas de 99 mil toneladas com tarifas reduzidas para 7,5%. O coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o médico veterinário Júlio Otávio Jardim Barcellos, avalia que o acordo dificilmente trará grandes benefícios ao Brasil. Ele frisa que o Mercosul participa com 40% do mercado de exportação de carne bovina. “Hoje, o mercado é em torno de 12 milhões de toneladas. E quase 40% é o Mercosul”, declara.
Ele explica que os acordos que envolvem essa liberdade de mercado são tratados que exigem por parte dos seus signatários e, em especial, pela produção de carne brasileira determinadas tarefas, chamadas por ele de tarefas de casa, para atender requisitos de um bloco econômico extremamente exigente, de questões de natureza ambiental, de questões da rastreabilidade que, há mais de 15 anos, o Brasil não consegue implementar.
“O mercado está aberto para a carne brasileira, mas o Brasil não consegue ter propriedades rurais suficientemente habilitadas para ter um volume suficiente para fazer peso, para se beneficiar dessas cotas que são liberadas para o Brasil”, sublinha. Barcellos enfatiza que é necessário um conjunto de certificações e isso requer uma tomada de atitudes e uma reorganização da cadeia produtiva da carne bovina, bastante complexa. “Tenho dúvidas se nós estaremos preparados para aproveitar essas oportunidades, mas, certamente se o Brasil olhar para o dentro da porteira organizando esse processo de certificações, o Brasil sai da trava chamada China, que infelizmente hoje está pagando um valor muito baixo pela carne brasileira”, diz.
A carne brasileira entra como uma carne ingrediente e ela está sendo remunerada em torno de 10% acima do preço da carne paga no mercado interno. As exportações ajudam a desovar o excedente de produto no Brasil, mas não tem agregado valor. “A União Europeia é um grande mercado, mas é extremamente exigente, talvez para o setor industrial brasileiro isso não seja tão difícil, mas para a produção com um conjunto de medidas que embora não tenham tarifas, existam tarifas nesse eventual tratado, mas existem barreiras técnicas”, afirma.
Estas barreiras técnicas cresceram mais de 1.000% nos últimos 10 anos e apontam para o setor de alimentos como o principal entrave para a carne brasileira, segundo Barcellos. Por outro lado, o coordenador do Nespro avalia que, talvez para o RS seja interessante, pois pode colar na reputação do Uruguai e Argentina e entregar sua carne por maior valor. “Mas, para isso, terá que implementar a rastreabilidade de forma obrigatória”, completa.
Vinhos e azeiros
O acordo entre UE e Mercosul reduzirá o valor de itens exportados da Europa ao Brasil, incluindo vinhos e azeites. Os vinhos da Europa hoje pagam taxas de 27%. O Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado (Consevitis-RS) tentará excluir a bebida do enquadramento do chamado Imposto do Pecado – que aumentará os preços de bebidas e cigarros, por exemplo. O presidente Luciano Rebellatto pretende solicitar o enquadramento do vinho brasileiro como complemento alimentar.
O azeite de oliva pode ser um dos itens que o consumidor mais poderá notar a redução de preço no mercado interno brasileiro com o acordo entre os blocos. Como o Brasil depende quase que exclusivamente da importação para suprir a demanda interna de azeite de oliva, a eliminação ou redução das tarifas de importação tende a tornar o produto mais acessível para os consumidores, possibilitando preços mais competitivos e maior variedade de opções no mercado.