Aos poucos a paisagem da Serra Gaúcha está se modificando. As parreiras plantadas a céu aberto estão dando espaço para uma nova viticultura, a de uvas de mesa protegidas pela cobertura plástica. E a mudança não está somente no sistema de cultivo, mas também na oferta de novas uvas, as chamadas uvas finas de mesa, reconhecidas por terem cachos vistosos, que ‘enchem os olhos’.
Esta diversificação está sendo possível com a adoção de novas tecnologias, com destaque para o sistema de cultivo e novas cultivares. A Festa da Uva, que segue até o dia 6 de março, na cidade de Caxias do Sul (RS) é uma oportunidade para conhecer essa diversidade de uvas brasileiras.
A Embrapa Uva e Vinho é uma das responsáveis por oferecer tecnologias para essa transformação, que visa diversificar a produção nas pequenas propriedades familiares e possibilitar ganhos adicionais com a venda direta aos consumidores, ou mesmo garantir um mercado local pela oferta das uvas que geralmente vêm de regiões com clima mais quente, como o semiárido nordestino.
“Tanto as recomendações sobre o plantio utilizando a cobertura plástica, que envolve todo um manejo diferenciado da produção, até a disponibilização de novas cultivares mais competitivas, desenvolvidas pelo Programa de Melhoramento Genético são os destaques da contribuição da Embrapa”, avalia Marcos Botton, chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Uva e Vinho.
Botton destaca que, na Serra Gaúcha, usar cobertura plástica é sinônimo de garantia contra o granizo, aumento na produtividade e redução na utilização de fungicidas pela limitação da água livre nas plantas (folhas e frutos). Mas esses benefícios e a segurança na qualidade da fruta produzida exigem um alto investimento na estrutura do parreiral, sendo esse um dos fatores limitantes para a expansão deste tipo de produção, que segundo levantamentos realizados pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Sul (Emater/RS-Ascar), já contabiliza cerca de 600 hectares de uvas de mesa sendo produzidas no sistema.
“Ainda cerca de 80% da produção de uvas para mesa sob cobertura plástica na região Serra Gaúcha seguem sendo de Niágara Rosada, uma uva rústica, saborosa e fácil de produzir, mas estamos acompanhando de perto o aumento da área com uvas finas de mesa”, avalia Ênio Ângelo Todeschini, assistente regional em fruticultura da Emater/RS-Ascar, da Região Caxias.
Ele comenta que sob cobertura plástica a principal cultivar segue sendo a tradicional Itália, mas que, aos poucos, os produtores estão conhecendo e investindo em novidades, como as cultivares lançadas pelo Programa de Melhoramento Uvas do Brasil, coordenado pela Embrapa Uva e Vinho, em especial as uvas sem sementes.
A família Venturin, de Caxias do Sul (RS) foi pioneira em adotar o sistema de cobertura plástica no cultivo de uvas de mesa na Serra, há cerca de duas décadas. Grande parte da propriedade da família é ocupada pelas tradicionais Itálias e Rubis, mas aos poucos as cultivares sem sementes desenvolvidas pela Embrapa estão ganhando espaço e área de cultivo, tanto pelo seu sabor como pela facilidade de manejo.
“Nós investimos na BRS Clara e na BRS Vitória pela precocidade; elas estão prontas para o consumo antes mesmo da Niagára. É certeza de venda certa. E também elas têm o sabor de moscatel e de labrusca, que agradam muito os consumidores”, conta Maicol Venturin, um dos proprietários.
Desde 2003, ano do lançamento das primeiras cultivares sem sementes da Embrapa, ele planta a BRS Clara. Mais recentemente, plantou as cultivares ‘BRS Vitória’ e ‘BRS Isis’ e diz que está bastante satisfeito. “A Isis é uma excelente opção para substituir a Crimson, é muito produtiva e fica com uma cor muito bonita”, pontua. Venturin comenta ainda que as cultivares do Programa da Embrapa exigem menos mão de obra em comparação às tradicionais, em termos de raleio e manejo do cacho.
Sempre atento a novidades, foi ao acompanhar as vendas no Ceasa de Caxias do Sul que Venturin teve sua atenção capturada por outra cultivar brasileira. “Estou bem surpreso, fazia tempo que não via uma uva preta com sementes vender tão bem como a BRS Núbia. A produção está vindo de São Paulo e do Paraná e tem um bom mercado”, conta ele, que revela que já plantou uma fileira da cultivar para ver como se comporta na sua propriedade.
Já o produtor Jair Freiberger, da Comunidade Arroio Jaguar, no interior de Alto Feliz (RS), tinha como principal foco a produção e venda de mudas no viveiro da família, o Viveiro de Mudas Freiberger. Foi quando viu a oportunidade de também tornar-se produtor. Assim, ele a esposa e o filho, em conjunto com a família da sua irmã, decidiram implantar cerca de 1ha de uvas com cobertura plástica, uma verdadeira vitrine, que apresenta desde as tradicionais niágara rosada e uvas do grupo da Itália (Itália, Rubi, Benitaka), até as cultivares da Embrapa, como BRS Isis, BRS Melodia, BRS Nubia, BRS Vitória.
“O nosso parreiral virou um verdadeiro ponto turístico. As pessoas agendam a visita e fazem questão de circular pelo parreiral para escolher quais uvas irão levar para casa”, pontua Jair.
Sistema de plasticultura
Henrique Pessoa dos Santos, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho que estuda o uso de cobertura plástica em vinhedos, alerta que o sistema não deve ser encarado apenas como mais uma alternativa para qualificação da produção vitícola. “É um novo sistema de produção. Ele exige um manejo fitossanitário distinto em relação ao cultivo convencional, além de se apresentar como uma ferramenta para a obtenção de uvas orgânicas e com um maior valor agregado”, pontua.
Ele também adianta que o ambiente protegido forma um microclima, no qual, com o uso do plástico, a tendência é de redução na utilização de agrotóxicos, tendo em vista que a cobertura potencializa o efeito desses produtos por não ocorrer a lavagem pela chuva e diminuir a degradação pela luz. O especialista alerta ainda que é importante o viticultor conhecer muito bem o sistema antes de começar a sua produção para evitar prejuízos desnecessários.
A expectativa da Embrapa é conseguir ampliar a adoção das cultivares BRS e possibilitar para os viticultores gaúchos resultados semelhantes aos do Semiárido nordestino, onde, por exemplo, só a cultivar BRS Vitória já ocupa aproximadamente 20% da área cultivada, representando mais de dois mil hectares de uva.
Antes de investir é importante avaliar
“Antes de tomar qualquer decisão e investir na cobertura, que representa um alto custo, o produtor precisa fazer uma avaliação séria da sua situação, para evitar prejuízos”, alerta o pesquisador Joelsio Lazarrotto, da Embrapa Uva e Vinho. Acompanhando o aumento do cultivo protegido na região, ele publicou um estudo detalhado final de 2020 no qual avalia diferentes cenários sobre a viabilidade da produção de uva fina de mesa sob cobertura plástica na Serra Gaúcha.
“A produção de uva fina de mesa, sob cobertura plástica na Serra Gaúcha, pode trazer retorno financeiro e econômico satisfatório para o produtor, mas é importante avaliar a sua realidade antes de investir”, alerta.
Para auxiliar nessa análise, Lazzarotto propõe uma avaliação criteriosa antes de investir focando em pontos como: qual será o mercado que absorverá a produção, a localização da propriedade, a tecnologia necessária para a produção competitiva, disponibilidade de mão de obra qualificada, disponibilidade para fazer o investimento e a manutenção dos custos de produção até começar a produção, considerando ainda os principais riscos de produção e de mercado.
Entendo as uvas de mesa
As uvas para consumo “in natura”, também chamadas de uvas de mesa, podem pertencer tanto ao grupo das uvas americanas quanto ao grupo das chamadas uvas finas ou europeias. Dentre as americanas, de sabor aframboesado, a principais variedades são as uvas com sementes Niágara Rosada e Niágara Branca, muito comuns em todo o Brasil.
Uvas das variedades com sementes Isabel e Concord, por exemplo, também são consumidas “in natura”, principalmente no Sul no Brasil. Normalmente, os cachos são pequenos e as bagas são redondas e pequenas. A polpa mucilaginosa é uma característica muito marcante de uvas americanas. Este tipo de polpa se caracteriza por formar uma massa gelatinosa mais ou menos firme que se separa da casca como uma unidade. Em inglês, são denominadas slip-skin. Em português, essas uvas são popularmente chamadas de “uvas de chupar”.
Dentre as uvas finas ou europeias, temos as variedades com sementes, Itália, uma uva branca, e suas mutações somáticas, de coloração rosada ou preta, como Benitaka, Rubi, Brasil e Red Meire, todas com sabor moscatel. Estas uvas, de maneira geral, apresentam cachos e bagas grandes.
Nos anos 80, foram introduzidas variedade de uvas para mesa sem sementes ou apirênicas, já que a busca por este tipo de uvas no mercado internacional tem crescido bastante. Normalmente apresentam bagas menores, como Thompson Seedless ou Sultanina, que é uma uva fina ou europeia, branca, de bagas compridas de sabor neutro e Vênus, uma uva americana, redonda de cor escura, de sabor aframboesado. A polpa destas uvas não é mucilaginosa, podendo ser carnosa ou crocante.
Mais recentemente, o Programa Uvas do Brasil desenvolveu cinco novas cultivares brasileiras sem sementes com ampla adaptação climática, que são BRS Linda, BRS Clara, BRS Morena, BRS Isis, BRS Vitória e BRS Melodia.
A BRS Nubia é uma outra aposta do Programa da Embrapa. Mesmo com sementes, a cultivar chama a atenção pelo tamanho da suas bagas e cachos, que podem chegar a dois quilos.
Em geral, os preços das uvas sem sementes são maiores do que das uvas com sementes. A produção brasileira de uvas de mesa é diversificada, e inclui uvas finas com e sem sementes, predominando as uvas finas do grupo Itália, e também uvas americanas.
A produção gaúcha caracteriza-se pelo cultivo de uvas de mesa do tipo americanas como ‘Isabel’ e ‘Niágara Rosada’.
Fonte: Embrapa Uva e Vinho