Por Richard Alves*
A operação que desvendou esquema de abate clandestino de cavalos e comercialização de carne sem inspeção, em Caxias do Sul (RS), traz luz a um problema que tem relação direta com a saúde pública: a falta de servidores na fiscalização agropecuária. A precarização do serviço oficial é uma realidade que precisa urgentemente de atenção. Caso contrário, a população estará cada vez mais vulnerável a riscos, entre eles a transmissão de doenças de animais para humanos.
Um fato que evidencia o desmonte é a redução da quantidade de inspetorias de defesa agropecuária – local de trabalho dos servidores da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) no Interior. Há alguns anos, o Rio Grande do Sul tinha 250 inspetorias. Com a reestruturação para a certificação do Estado como livre de febre aftosa sem vacinação, o número caiu para 146. Isto porque a Organização Mundial da Saúde Animal determinava que todas as inspetorias deveriam ter um médico veterinário. Em vez de contratar profissionais, o governo enxugou o número de inspetorias.
O último concurso para a Seapdr foi realizado em 2014 e, de lá para cá, muitos fiscais estaduais agropecuários deixaram a função. Uma parte se aposentou, enquanto outros foram nomeados em concursos com melhores condições de trabalho ou optaram pela iniciativa privada. No dia 30 de novembro, o governo do Estado anunciou concurso com 31 vagas para 2022. Contudo, há 70 vagas abertas pelo abandono da função por colegas que pediram exoneração. E este número não contabiliza os que se aposentaram. Ou seja, o número de vagas ainda é muito inferior à real necessidade.
Os servidores públicos da categoria têm compromisso com suas tarefas diárias e se esforçam ao máximo para atender a uma demanda crescente. Mas a quantidade de trabalho, tanto na área animal quanto na vegetal, tem se mostrado imensamente maior do que a capacidade de atuação. A cada dia sobra menos tempo para que estes profissionais busquem ativamente casos semelhantes ao de Caxias e atender apenas as atividades de rotina torna a fiscalização menos eficiente.
Situações como os abates clandestinos na Serra mostram que os governantes precisam refletir sobre a falta de servidores na fiscalização. O problema não é o consumo de carne de cavalo, que faz parte do cardápio em outros países, mas a falta de inspeção. É necessário ampliar a disponibilidade de fiscais para conseguir antecipar casos como este. A clandestinidade é um crime contra a saúde pública que não pode ser combatido esporadicamente pelo poder público. É preciso aperfeiçoar a vigilância ativa no campo para direcionar esforços, intervir e evitar situações assim no futuro.
*Presidente da Associação dos Fiscais Agropecuários do RS (Afagro)