O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio do Rio Grande do Sul deve fechar o ano com aumento de 23%. Além disso, é projetado um aumento de 4,5% para o ano que vem. Apesar do crescimento, a Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) ressalta que a base de comparação é baixa, considerando a quebra na produção, decorrente da falta de chuvas, em 2023. O aumento ocorre mesmo com as enchentes de maio, que levaram à redução de 2,7% na área colhida no estado e à destruição de propriedades.
A entidade também estima crescimento do PIB do estado e do país em 2024 e no próximo ano, mas expressou preocupação com o cenário econômico em coletiva realizada nesta segunda-feira (16). A equipe econômica da Farsul aponta para um crescimento de 15% nas despesas totais do governo federal e considera o pacote fiscal, anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, “insuficiente para cumprir as metas da própria equipe econômica do governo”.
Com isso, há preocupação com as taxas de juros que serão disponibilizadas para o crédito rural e com a renegociação de dívidas para produtores afetados pelas estiagens e pelas enchentes. Conforme Antônio da Luz, economista da Farsul, é esperada “escassez de recursos e juros ainda mais caros em 2025”, e, por isso, é recomendada cautela na obtenção de recursos por meio de financiamentos.
De acordo com a Farsul, 166,3 mil produtores já renegociaram as dívidas num total de R$ 24,5 milhões, com ticket médio de quase R$ 147,3 mil. Desse total, 38 mil produtores renegociaram as dívidas com juros livres, isto é, definidos pelas instituições bancárias, totalizando R$6 milhões, com ticket médio de R$ 147,2 mil. Esse grupo estaria mais exposto ao aumento das taxas de juros, o que traz preocupação.
O presidente da Farsul, Gedeão Pereira, ressaltou que a entidade está negociando com o governo federal, principalmente com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), para alongar as dívidas dos produtores. Na quarta-feira (11), em reunião com o Ministério da Fazenda, foi anunciada a liberação de R$ 2,5 bilhões de recursos do BNDES para a renegociação. Na coletiva de hoje, Gedeão ressaltou que o valor já foi disponibilizado e que são esperados mais R$ 2,5 bi até o final do mês. A demanda total da Farsul é de R$ 6 bi para equalizar o quadro e garantir o custeio da safra já em andamento.
Safra
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a área colhida no Rio Grande do Sul reduziu 2,47% em 2024 e a produção aumentou 30,2%. A redução da área está atrelada às chuvas e enchentes, que ocorreram na reta final da safra de verão, com poucas áreas remanescentes. Assim como o PIB, os números positivos da produção têm como base os resultados de 2023, impactados pela estiagem. Conforme avaliação da Farsul, as enchentes não trouxeram tantos prejuízos à produção e aos índices econômicos do setor quanto às estiagens.
A Farsul não disponibilizou dados próprios de estimativas para a produção de grãos na safra 2024/2025, considerando que os números seriam afetados pelos desempenhos frustrados das safras anteriores. Além disso, há preocupação com a qualidade do plantio. “Muitos produtores tiveram muita dificuldade de acesso ao crédito, seja por escassez, seja por atraso nas liberações”, afirma da Luz.
A previsão climática também é um ponto de atenção, considerando que o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) aponta para chuvas abaixo da média no trimestre entre dezembro e fevereiro. “Em dezembro [a safra] está vindo muito bem no estado inteiro, mas nos preocupa janeiro e fevereiro. Não temos condições ainda de dizer como será a safra”, afirma o economista.
Avaliação
O presidente da Farsul classificou o ano de 2024 como “extremamente difícil”. Apesar de uma safra maior, o setor sentiu o reflexo das estiagens das safras anteriores e da enchente de maio no estado.
O episódio da importação de arroz anunciada pelo governo federal foi lembrado como um ato intempestivo. “Nós discutimos que não havia necessidade de qualquer tipo de importação porque a produção foi absolutamente normal”, relembra Gedeão Pereira. O governo federal desistiu da compra após suspeitas de possíveis irregularidades no primeiro leilão realizado.
A Farsul também criticou a “tentativa de retorno das invasões de terra”, após a ocupação de duas fazendas em Pedras Altas-RS no início do mês pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O movimento foi dispersado rapidamente e a Farsul elogiou a atuação do governo estadual. Na ocasião, o MST afirmou que buscava avanço na reforma agrária e que as propriedades ocupadas teriam capacidade de assentar quase 180 famílias, sendo que uma delas teria dois laudos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e a outra estaria no mesmo processo.
Enchentes
A Farsul também apresentou na coletiva dados referentes ao Programa Agro Solidário do Senar, que investiu recursos para auxiliar emergencialmente produtores rurais de 120 municípios mais atingidos pelas chuvas, enchentes e deslizamentos de terra. De um total de R$100 milhões recebidos pela entidade, foram utilizados mais de R$ 30 milhões.
As ações foram divididas em cinco categorias principais, começando pela limpeza das propriedades em 89 municípios com 10 equipes de máquinas. Em relação à produção de leite, quase 2 mil produtores perderam o alimento para os animais. Para socorrer esses produtores, foram adquiridos 3 milhões de quilos de feno. Também foi realizada a compra de cestas básicas e de itens essenciais para as famílias, sendo realizadas entregas para 2 mil propriedades. Mais de 10 mil sacos de milho para produção de grãos e silagem foram distribuídos para 2050 propriedades, em parceria com a Syngenta. Por fim, 1,5 mil propriedades receberam apoio para coleta de amostras de solo.
Irrigação
A expansão da irrigação é apontada como solução para os prejuízos causados pelas secas. O presidente da Farsul considera que a pauta do setor avançou no atual governo Eduardo Leite (PSDB) com a simplificação das licenças ambientais, mas que ainda pesam burocracias.
O setor aguarda a regulamentação da autorização para intervenção em Áreas de Preservação Permanentes (APPs), que foi sancionada no estado, mas é questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). A partir dessa regulamentação, o setor quer buscar condições para aumento exponencial da área irrigada, com financiamento e segurança jurídica.
O diretor vice-presidente da Farsul Domingos Lopes defende que não há prejuízo ambiental e que APPs cresceriam com açudes, que também levariam a um aumento de fauna e flora. As intervenções, no entanto, são criticadas por ambientalistas e pesquisadores. O Observatório do Código Florestal afirma que as APPs têm “função de preservar os recursos naturais necessários para a oferta de água e para a produção agrícola” e que a alteração de status das obras de irrigação e de dessedentação de animais em propriedades privadas traria danos “irreversíveis”, incluindo redução das exigências legais e as análises técnicas para intervenção nas APPs, facilitando a supressão de vegetação nativa e a degradação de matas ciliares, a proliferação de represamentos ao longo dos rios e cursos d’água e a potencialização dos conflitos entre os usuários dos recursos hídricos.
Seguro rural
O seguro rural é classificado como “maior problema do produtor hoje” pelo 1º Vice-Presidente da Farsul, Elmar Konrad. Devido ao aumento no custo do seguro e dos juros, assim como o acúmulo de dívidas, os produtores estariam “por conta e risco”. Konrad afirma que a gravidade deve aumentar ano que vem e demanda que o estado entre com parte da subvenção.