Opinião

Do supermercado à semente: A inflação estrutural que drena o Brasil e o desafio da soja

Se o consumidor sente o peso no bolso, o agricultor sente um aperto sufocante ao planejar a safra 2024/2025

Mãos brancas segurando um punhado de grãos de soja sobre fundo de grãos de soja.
O diesel, essencial para o preparo do solo, plantio, tratos culturais e colheita, segue sob a pressão da política de preços e aumenta o Custo Operacional Efetivo (COE), encarecendo também o transporte do grão até o porto | Foto: Banco de Imagens

A cena viral do supermercado, onde um influenciador comparou os preços de 2021 com os de hoje, trouxe à tona a dor do consumidor: o dinheiro encolheu.

Mas o que poucos percebem é que a inflação – esse ralo que drena nosso poder de compra – começa muito antes, na semente plantada, e ameaça a saúde financeira do nosso principal setor econômico: o agronegócio.

A agricultura brasileira vive um paradoxo fascinante: somos a vanguarda global em produção, quebrando recordes de safra a cada ciclo, mas a rentabilidade por hectare se torna uma equação cada vez mais complexa. A soja, motor do nosso agro e fiel da balança comercial, é o ponto focal deste desequilíbrio e da nossa análise.

A “Nova Normalidade” de Gastos: Dólar, custos rígidos e a compressão de margens

Se o consumidor sente o peso no bolso, o agricultor sente um aperto sufocante ao planejar a safra 2024/2025. Nossa análise econômica demonstrou que o Custo Operacional Total (COT) para produzir soja estabilizou, mas em um patamar elevado e rígido, muito superior aos níveis pré-2021. Este cenário é o que chamamos de “nova normalidade” de custos.

O grande vilão é a estrutura de custos dolarizada e inflexível:

  • Insumos importados em dólar: Entre 2021 e 2025, os preços dos insumos – notadamente fertilizantes, defensivos e sementes geneticamente modificadas – dispararam por conta da desorganização logística pós-pandemia e da guerra na Ucrânia. Mesmo com alguma estabilização nos preços internacionais de commodities como a ureia e o potássio, a taxa de câmbio (R$/USD) persiste em patamares elevados. O produtor paga por seus insumos em dólar, mantendo o custo operacional em Reais em uma “nova normalidade” inflacionada.
  • Combustível e logística: O diesel, essencial para o preparo do solo, plantio, tratos culturais e colheita, segue sob a pressão da política de preços e aumenta o Custo Operacional Efetivo (COE), encarecendo também o transporte do grão até o porto.

A compressão da margem de lucro:

Em 2021, apesar do aumento de custo, o preço da saca de soja no mercado internacional também atingiu picos históricos, garantindo margens de lucro elevadas. Em 2025, a projeção é de preços de venda mais contidos devido à expectativa de safras recordes no Brasil e nos Estados Unidos. Esta é a nossa maior dificuldade atual: o alto custo de produção (o “chão” da despesa) encontra-se com o preço de venda pressionado (o “teto” da receita). A margem de lucro se estreita, exigindo do produtor uma gestão financeira e de risco mais apurada do que nunca.

Análise Comparativa de Custos de Insumos (2021 vs. 2025 – Projeção)

Para ilustrar essa “nova normalidade” de custos, elaboramos uma tabela comparativa com a variação estimada de alguns insumos essenciais para a cultura da soja, utilizando dados de institutos econômicos do agronegócio, cooperativas e marketplaces especializados.

Insumo Agrícola (Preço Médio por Unidade)Preço Médio (2021)Preço Médio (2025 – Projeção)Variação Estimada (%)Observações
Ureia (tonelada)R$ 2.000 – 2.500R$ 3.500 – 4.500+75% a +80%Flutuação influenciada pelo gás natural (insumo principal) e demanda global. Tendência de estabilização em patamar elevado.
Cloreto de Potássio (tonelada)R$ 2.200 – 2.800R$ 3.800 – 4.800+72% a +71%Dependência de poucos países produtores e impacto geopolítico.
Semente de Soja (saca 45kg – GM)R$ 180 – 250R$ 300 – 400+66% a +60%Inclui royalties e custos de pesquisa e desenvolvimento. Aumento constante.
Diesel (litro)R$ 4,50 – 5,50R$ 6,50 – 8,00+44% a +45%Impactado pela política de preços da Petrobras e cotação internacional do petróleo. Fundamental para todo o processo produtivo.
Glifosato (litro – genérico)R$ 25 – 40R$ 45 – 70+80% a +75%Alta volatilidade devido à demanda e oferta chinesa. Após picos em 2022, estabiliza em nível mais alto.
2,4-D (litro – genérico)R$ 20 – 35R$ 35 – 55+75% a +57%Mercado de herbicidas se mantém pressionado.
Engeo Pleno (litro)R$ 150 – 200R$ 250 – 350+66% a +75%Inseticida de maior valor agregado, seguindo a tendência de alta.
Elatus (litro)R$ 300 – 400R$ 500 – 700+66% a +75%Fungicida de alta tecnologia, cujos custos refletem a inovação e o câmbio.

Os valores são estimativas e podem variar significativamente de acordo com a região, fornecedor, volume de compra e flutuações cambiais/mercado.

A Crítica que o campo grita: A falta de política agrícola e o custo-Brasil

A compressão da margem de lucro, exigindo produtividades cada vez maiores para o ponto de equilíbrio, é um risco agravado por um ambiente que opera no modo “freio de mão puxado” do Custo-Brasil:

  1. Altos impostos e burocracia sufocante: O produtor se depara com uma carga tributária complexa e excessiva. Da obtenção de licenças à declaração do ITR, a burocracia estatal consome tempo e recursos, transformando a vida do agricultor em uma corrida de obstáculos.
  2. Dinheiro caro e crédito escasso: Com taxas de juros elevadas, o financiamento do custeio da safra se torna oneroso. O crédito, essencial para a compra antecipada de insumos, fica caro, aumentando o endividamento e dificultando investimentos em tecnologia de ponta.
  3. Apagão de mão de obra qualificada: Em diversos estados, a dificuldade em reter e qualificar mão de obra para operar a agricultura de precisão moderna se torna um gargalo, impactando a eficiência e a produtividade no longo prazo.

Oportunidades: O gestor no comando da fazenda e o protagonismo global

Apesar dos desafios, o cenário atual tira o produtor da zona de conforto e aponta para o caminho da excelência. Com a margem apertada, a palavra de ordem é eficiência.

  • Busca por eficiência e tecnologia: A fazenda precisa ser uma empresa eficiente. A alocação inteligente de defensivos e fertilizantes se torna a maior alavanca de corte de custo. O crescimento do mercado de bioinsumos é uma rota estratégica para reduzir a dependência de produtos dolarizados, oferecendo uma alternativa mais sustentável e, em muitos casos, economicamente vantajosa. O investimento em agricultura de precisão não é mais um luxo, mas uma necessidade.
  • Gestão financeira profissional e hedge (BARTER): O cenário atual exige que o produtor seja um excelente gestor de risco. A diferença entre o sucesso e o prejuízo será determinada não apenas pelo clima, mas pela capacidade de fixar custos (aproveitando momentos de dólar favorável ou ofertas de insumos) e travar a venda futura da soja a preços que garantam a remuneração do capital, mesmo diante das incertezas do mercado.
  • Protagonismo geopolítico incontestável: O Brasil consolidou sua posição como o maior produtor e exportador de soja do mundo. Em 2025, nossa liderança é inquestionável, especialmente no fornecimento para a Ásia, com destaque para a China. Essa posição garante ao produtor brasileiro um prêmio de liquidez no mercado global. Somos a única nação com capacidade de expandir a oferta de forma consistente e com qualidade, o que nos blinda, em parte, da volatilidade dos preços. Nossa capacidade de entrega é o nosso maior ativo geopolítico.

Conclusão: É Tempo de Agir – Pela Produtividade, Pelo Consumidor, Pelo Brasil

A inflação não é um problema isolado de prateleira ou de lavoura; é um câncer sistêmico que corrói o poder de compra do consumidor e a capacidade de produção do agricultor. A soja, ícone de nossa pujança agrícola, hoje reflete a gravidade de operar em uma “nova normalidade” de custos elevados e margens estreitas.

A urgência é palpável e o chamado à ação é para todos.

Ao governo federal, clamamos por uma atuação estratégica e séria. Não basta expandir o Plano Safra; é imperativo qualificá-lo, garantindo juros compatíveis com o risco da atividade e, acima de tudo, reduzindo o famigerado Custo-Brasil. Precisamos de uma reforma tributária que desonere a produção primária, uma desburocratização real, investimento massivo em logística e tecnologia, e políticas eficazes de qualificação profissional rural. Permitir que a falta de visão e a ineficiência estatal transformem nosso celeiro global em um mero exportador de commodities com rentabilidade irrisória é um risco que o Brasil não pode correr. O futuro do alimento, do emprego e da economia depende de uma política agrícola que proteja e potencialize quem trabalha de sol a sol.

Neste cenário crítico, nossos olhos se voltam, de forma especial, para a poderosa bancada do agro em Brasília. Com sua representatividade e influência históricas, ela detém a chave para as mudanças que o setor clama. Contudo, o momento transcende a mera representação de interesses; exige liderança pragmática e construtiva. Nossos agricultores e empresas já operam sob uma perigosa alavancagem financeira. Não será com discursos polarizados ou com votos negociados por emendas pontuais que construiremos o futuro sustentável do campo brasileiro. É fundamental que a bancada ruralista transcenda divisões políticas e concentre sua energia na aprovação de projetos de lei e políticas públicas robustas que enfrentem os problemas estruturais: uma reforma tributária que desonere efetivamente o produtor, um ambiente de crédito mais acessível e desburocratizado, e investimentos estratégicos em infraestrutura que escoem a safra e reduzam custos.

O Brasil não pode permitir que sua locomotiva econômica seja refém de embates ideológicos. A hora é de convergência em torno de soluções concretas, que garantam a competitividade, a produtividade e a segurança alimentar do país e do mundo.

A inflação e o Custo-Brasil estão cobrando um preço alto demais. É tempo de união, de visão de futuro e de ação decisiva. A hora de agir é agora!