Empreendedorismo

De Intraempreendedor a Empreendedor: A Jornada de Construir Com e Sem Rede de Segurança

Por anos, minha carreira foi forjada no coração de gigantes do agronegócio. Em empresas como Syngenta, Bayer e Albaugh, tive o privilégio de atuar como intraempreendedor — um empreendedor com a segurança e o “sobrenome” de uma grande corporação. Nesse ambiente, liderei projetos inovadores, gerenciei orçamentos robustos e lancei produtos com a força de marcas globais que abriam portas e geravam confiança imediata.

O intraempreendedorismo me permitia ousar mais, pois, apesar dos riscos, sempre existia um “pai rico” para amparar as quedas. Fui guiado por metodologias que exigiam gestão de projetos impecável e cumprimento rigoroso de prazos, sempre com o objetivo de gerar resultados sustentáveis. Tive a sorte de trabalhar sob a liderança de figuras visionárias como Antônio Carlos Guimarães, Laercio Giampani, Joao Paulo Zampieri, Ronaldo Giorgi, Gerhard Bohne e Kurt Pedersen Kaalund— líderes que acreditavam no que estávamos construindo e ofereciam direcionamento e suporte essenciais.

Afinal, nenhuma organização se torna realmente inovadora sem líderes que fomentem essa cultura.

Fluxo de Inovação e timeline por projetos (Syngenta New Business 2012)

Lições de uma Jornada Intraempreendedora no Agro

De todas as minhas experiências como intraempreendedor, a vivida na Syngenta foi, sem dúvida, a mais audaciosa — e a mais destemida. Até hoje, ela ainda provoca reações intensas, especialmente pelos insucessos, como o projeto Plene. Contudo, é inegável: aquele projeto mudou a forma de plantar cana-de-açúcar no Brasil.

Mesmo não figurando entre as cinco maiores do mercado na época, a Syngenta ousou desafiar um modelo secular de cultivo. Embora o projeto não tenha prosperado como o esperado, sua ousadia pavimentou o caminho para o sucesso futuro da empresa, hoje líder no segmento. Essa é a essência do intraempreendedorismo: plantar ideias que, mesmo diante de falhas, transformam realidades.

Outros projetos reforçaram esse espírito pioneiro. A entrada no, então nascente, mercado de bioestimulantes foi um verdadeiro embrião de uma nova mentalidade. Compreendemos que atuar nesse segmento exigiria investimento em P&D, formulações diferenciadas e novas estratégias de acesso. Hoje, o crescimento dessa área comprova a força dessa visão.

Também me envolvi em projetos que, à época, não avançaram — como a expansão dos cultivos de girassol e pinhão-manso —, mas que abriram espaço para a atual busca por diversificação com culturas como canola e mamona. Sementes que demoraram a germinar, mas que fazem parte do ciclo natural da inovação.

Na figura abaixo podemos ver o pipeline de projetos da área de novos negócios na Syngenta em 2012 (cada projeto liderado por um time de profissionais de primeira linha como Rogerio Duarte, Thomas Altmann, Marcelo Gregorin, Alexandre Manzini, Willian Yuen, Tulio Teodoro, dentre outros…)

Lembro ainda de iniciativas como o aproveitamento do portfólio por meio de novos modelos de acesso ao mercado, como no projeto com florestas. E, na Albaugh, vivi uma jornada distinta: praticamente construímos uma operação do zero no Brasil, com a proposta ousada de sermos uma empresa de genéricos — e sem vergonha disso. Formamos um time com profissionais experientes e enraizados nas regiões estratégicas, priorizando o relacionamento com os clientes e um modelo de acesso baseado em distribuidores — na contramão das multinacionais que migravam para vendas diretas.

Hoje, nas minhas aulas de inovação no agronegócio, como as que ministro na Cumbre, reforço constantemente os dois mundos: o intraempreendedorismo e o empreendedorismo. Tive a sorte de vivenciar ambos. No primeiro, encontrei processos claros, cronogramas rigorosos e recursos disponíveis. (figura 2).

No segundo, estou enfrentando o desafio de construir tudo do zero — reunir talentos, desenvolver modelos e alcançar resultados com criatividade, coragem e resiliência. Ambos são valiosos. E quando bem integrados, são capazes de mover montanhas — ou transformar culturas inteiras, como fizemos com a cana-de-açúcar no Brasil.

Hoje, olho para trás e vejo com clareza: alguns projetos que imaginamos se tornaram realidade. Outros me fazem rir e pensar: “o que raios estávamos tentando fazer?”. Mas sem dúvida nenhuma, todos deixaram marcas.

Lições do Intra Empreendedorismo: Comite decisor, recursos por Gates, seleção e priorização de projetos, conhecimento dos riscos

O Salto: A Transição para a Arena do Empreendedor

Após tantos anos sob o amparo de grandes corporações, com a segurança da CLT e os privilégios de um executivo, a chama do empreendedorismo — aquela vontade de construir algo com a minha própria assinatura — falou mais alto.

E então, estamos dando o salto.

A transição para o empreendedorismo é uma experiência de honestidade brutal. A rede de segurança simplesmente desaparece, e você se torna o único responsável por reconstruí-la, fio a fio. Se antes eu carregava o nome de uma multinacional, hoje minha marca sou eu e de meus sócios. É a confiança que nossa equipe e nós cultivamos a cada entrega que sustenta nosso crescimento.

Os desafios mudaram de natureza e se multiplicaram. O especialista deu lugar ao generalista: agora preciso entender de fluxo de caixa, captação de investimentos, marketing digital, cultura organizacional e gestão de pessoas — tudo ao mesmo tempo. Aquele orçamento que antes era um dado, agora é uma meta suada. A pressão é imensamente maior, e as noites, frequentemente, mais longas.

Movido por essa nova realidade e por ideias que eu não podia deixar morrer, fundei três negócios distintos, cada um espelhando uma paixão e uma visão de futuro:

  • Small Nano – Nossa aposta na ciência de ponta, com foco em P&D e nanotecnologia aplicada ao agro. O grande desafio aqui é transformar ciência em soluções práticas e escaláveis, um trabalho de longo prazo que exige persistência e visão.
  • Agro Ikembá – Um marketplace que nasceu para digitalizar e otimizar conexões na cadeia do agronegócio. Atuamos como um outlet inteligente, auxiliando a indústria a gerenciar estoques de “coleções passadas” e a construir pontes de confiança entre compradores e vendedores.
  • Vex Inovação – Com lançamento previsto para este ano, a Vex aposta na revolução da inteligência artificial, com foco em educação corporativa. A missão é capacitar empresas a pensarem estrategicamente com IA. O desafio? Educar o mercado sobre uma tecnologia em evolução exponencial. A chave está em fazer as perguntas certas — algo que, humildemente, sempre foi meu forte, já que sempre tive mais dúvidas do que certezas.

Muitos questionam se não falta foco ao gerir três empresas. Mas acredito que mais do que focar em uma só frente, um empreendedor deve construir negócios complementares, cercado de pessoas qualificadas e alinhadas. Sempre acreditei em compartilhar a prosperidade — e essas três empresas me permitem viver esse valor de forma plena.

É claro, cometi erros. Investi em startups que fracassaram e outras que venceram, mas posso afirmar com clareza: os erros superam os acertos. Como se diz em Barrinha, minha cidade natal: “todo mundo vê a pinga que a gente bebe, mas ninguém vê os tombos que a gente leva.” Minha vida empreendedora tem sido, sim, cheia de tombos. E, por isso mesmo, tem sido profundamente transformadora.

A Evolução: Conectando Mundos e Olhando para o Futuro

Hoje, compreendo que minha trajetória não foi uma ruptura, mas uma evolução. A disciplina aprendida na Bayer me ajuda a organizar o caos das startups. A visão global da Syngenta me permite posicionar a Small Nano com estratégia. A agilidade da Albaugh é essencial no crescimento da Agro Ikembá.

Ser intraempreendedor me deu o mapa. Ser empreendedor está me ensinando a construir o barco enquanto navego por mares desconhecidos.

A satisfação de ver uma ideia sair do papel, gerar empregos e causar impacto com minha própria visão é simplesmente incomparável. Hoje me sinto muito como o agricultor que é o herói de minha jornada, aquele que planta, que assume os riscos, que luta contra um governo que não incentiva e que não ajuda e que apesar de tudo isso sente que está fazendo o seu papel.

Essa jornada multifacetada me posiciona, hoje, de maneira singular. Atuo como conselheiro de empresas, ajudando-as a enfrentar os desafios da inovação e do crescimento com base em experiências reais. Como especialista em inovação, continuo desvendando as tendências que moldam o futuro do agro, especialmente em aulas e palestras que ministro para Cumbre, Agroadvance, Elevagro, Terras Gerais — e outras instituições que admiro profundamente.

E, acima de tudo, sigo como um eterno aprendiz. Porque sei, com humildade, que a jornada do conhecimento nunca termina.

A todos os intraempreendedores: valorizem essa escola.
Aos que sentem o chamado para empreender: preparem-se.
A jornada é dura. Mas é, sem dúvida, a mais transformadora que um profissional pode viver.