Opinião

A Crise é um Mito, o Desafio é a Excelência

Como especialista do agronegócio, gostaria de expressar minha profunda admiração pelo estudo "Agronegócio em Números – 2025", uma iniciativa louvável do Empresômetro e do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT)

O Valor Comercializado (que reflete compras e vendas efetivas) seguiu a mesma lógica: atingiu R$ 8,075 trilhões em 2024, um crescimento de 6,8% sobre 2023 | Foto: Divulgação
O Valor Comercializado (que reflete compras e vendas efetivas) seguiu a mesma lógica: atingiu R$ 8,075 trilhões em 2024, um crescimento de 6,8% sobre 2023 | Foto: Divulgação

Eu tive o privilégio de estar presente no evento em São Paulo, neste mês de setembro, onde discutimos esse documento com as principais lideranças do setor, e o que vi foi um trabalho que não apenas desmistifica, mas também provoca a reflexão sobre o nosso futuro.

O Elogio necessário e a provocação inicial

O agronegócio brasileiro, incontestavelmente é uma força vital para a segurança alimentar global, encontra-se ciclicamente sob o escrutínio de narrativas simplistas. De um lado, a realidade inquestionável da capacidade produtiva; do outro, o debate alarmista sobre a “crise”. A queda nos preços de commodities, a quebra localizada de safras e o aumento notável dos custos operacionais criaram, em 2023, o cenário perfeito para a imprensa focar no pessimismo. Tais dificuldades, embora reais, obscurecem a resiliência e a magnitude estrutural de um setor que, em vez de enfrentar uma crise, vive um momento rigoroso, porém saudável, de ajuste e maturidade.

Para navegar neste cenário de alta tensão e baixa margem, o setor não precisa de mais paixão, mas sim de precisão analítica. É neste ponto que o estudo “Agronegócio em Números – 2025” (3ª Edição), produzido pelo Empresômetro e pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) , se estabelece como a bússola que o mercado exige. Coordenado por especialistas como o Dr. Gilberto Luiz do Amaral, Dr. Cristiano Lisboa Yazbek, Dr. Carlos Alberto Pinto Neto e Beatriz Andrade do Nascimento, o trabalho merece um elogio enfático por sua metodologia robusta. Ao rastrear o ecossistema completo, utilizando notas fiscais eletrônicas (NFE) e a Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE), o Empresômetro não apenas mapeia as operações “da porteira para dentro” (produtores rurais) mas também cobre a indústria, o atacado e o varejo. Este é o nível de inteligência de mercado que permite transformar a discussão de “crise” em estratégia de investimento e gestão.

Minha avaliação, fundamentada nos dados cirúrgicos deste estudo, é inequívoca: a crise é um mito fabricado pela leitura superficial dos indicadores. Estamos, na verdade, diante de um ajuste cíclico que expõe nossas vulnerabilidades sistêmicas—logística ineficiente, volatilidade de preços e a necessidade de agregar valor—as quais, se não corrigidas, atuarão como verdadeiros freios no nosso potencial futuro. Os números demonstram que a capacidade de gerar riqueza bruta (transações) continua pujante. O desafio, portanto, não reside na produção, mas na excelência operacional e estrutural para preservar o valor adicionado. O estudo é o convite formal para que o mercado adote a profissionalização como imperativo.

A Majestade inquestionável dos números: O real tamanho do Agro em 2024

A. O Dinamismo e a Redução Relativa da Cadeia de Valor

O primeiro passo para refutar a narrativa de crise é quantificar a dimensão absoluta do agronegócio na economia brasileira. Em 2024, o setor comprovou sua força, mas a economia como um todo cresceu em um ritmo vertiginoso. O valor transacionado total pelo agronegócio atingiu a marca impressionante de R$ 12,313 trilhões, um crescimento de 6,7% em relação a 2023. Contudo, a participação do agro no total transacionado do país caiu de 32,6% em 2023 para 25,1% em 2024, evidenciando que outros setores da economia apresentaram uma expansão muito superior, puxando a movimentação total para R$ 49,147 trilhões.

O Valor Comercializado (que reflete compras e vendas efetivas) seguiu a mesma lógica: atingiu R$ 8,075 trilhões em 2024, um crescimento de 6,8% sobre 2023. No entanto, a participação percentual no total comercializado caiu de 32,3% em 2023 para 24,2% em 2024. O Produtor Rural (Pessoa Física), por sua vez, demonstrou resiliência, com crescimento de 7,0% no valor comercializado, alcançando R$ 1,404 trilhão em 2024.

B. O Paradoxo do PIB: Crescimento Real e Queda de Relevância Relativa

Apesar do crescimento notável nos valores transacionados e comercializados, o ponto que alimenta o debate sobre a “crise” reside na análise do Produto Interno Bruto (PIB) do setor. Em 2024, o PIB do Agronegócio registrou R$ 2,796 trilhões, apresentando um crescimento real de 4,0% em relação a 2023, superando o crescimento real do PIB brasileiro (3,4%). Isso refuta a ideia de estagnação. Contudo, a participação percentual no PIB total brasileiro se manteve praticamente estável, passando de 23,8% em 2023 para 23,9% em 2024.

Este contraste entre a expansão da movimentação bruta e a estabilidade da participação relativa no PIB total é a chave para a verdadeira interpretação do momento vivido pelo agronegócio. Se o volume de bens transacionados e comercializados continua crescendo, e o PIB cresce em ritmo superior à média nacional, o que se depreende é que o setor está mais produtivo, mas o crescimento da economia como um todo está mais diversificado. A estabilidade percentual do PIB, em meio a um crescimento nominal robusto, aponta diretamente para o sucesso de uma economia que se diversifica, mas que depende estruturalmente da pujança do agro.

A seguir, a Tabela 1 ilustra essa discrepância de forma objetiva, estabelecendo a base factual para a discussão dos desafios estruturais.

Tabela 1: Participação do Agronegócio na Economia Brasileira (2024)

MétricaValor (R$ trilhões)% no Total Nacional (2024)Variação Real (23-24)
Valores Transacionados (Agro)R$ 12,31325,1%6,7% 1
Valores Comercializados (Agro)R$ 8,07524,2%6,8% 1
PIB AgronegócioR$ 2,79623,9%4,0% 1

Os Freios Invisíveis: Desafios Estruturais e a Volatilidade de Preços

A volatilidade de preço em commodities e a ineficiência logística continuam sendo os maiores desafios estruturais. O estudo de 2025 reforça que, embora o setor tenha compensado com crescimento da produção, os custos e as pressões de mercado exigem gestão de risco cada vez mais apurada.

A. O Gargalo Logístico: O Custo Mais Elevado do País

Os custos logísticos continuam a ser um desafio persistente. Em 2024, o valor total de fretes no agronegócio atingiu R$ 126,4 bilhões, um aumento de 4,0% em relação a 2023. A participação do agro no valor total de frete no Brasil atingiu 21,8% em 2024.

O dado mais provocativo, no entanto, é o custo médio por frete (CT-e): enquanto a média nacional (todos os setores) recuou para R$ 265,70 em 2024, o custo médio do Agronegócio foi de R$ 567,39. Isso significa que o frete no agro é 213% mais caro do que a média nacional, reforçando que o setor opera em um regime de longas distâncias, altamente dependente do modal rodoviário (que representa cerca de 65% do transporte de cargas) e mais vulnerável às variações de combustível.

A dependência da rodovia e o déficit crônico de armazenagem forçam o escoamento imediato, elevando os custos de transporte. É urgente a necessidade de investimento maciço em ferrovias e hidrovias e na modernização dos portos, um imperativo para reduzir o “Custo Brasil” que corrói a margem de lucro.

B. A Pressão Fiscal e o Papel Estratégico da Agroindústria

O agronegócio continua a ser um contribuinte fiscal robusto. Em 2024, o setor contribuiu com R$ 930,8 bilhões para a arrecadação tributária brasileira, um crescimento de 3,7% em relação a 2023. O agro representou 24,5% da arrecadação total nacional, provando seu papel fundamental na sustentabilidade fiscal do país.

A análise por setor é crucial: o Setor Secundário (Indústria/Transformação) é o maior contribuinte, respondendo por 49,8% da arrecadação do agro em 2024. Esse dado demonstra que o sistema tributário atual penaliza o processamento e a verticalização da cadeia produtiva dentro do Brasil. Uma Reforma Tributária inteligente deve, portanto, ser desenhada para desonerar a agregação de valor e incentivar a industrialização local, em vez de continuarmos exportando matéria-prima bruta e, consequentemente, empregos.

Tabela 2: Desafios Estruturais do Agronegócio (2024)

IndicadorValor em 2024Comentário
Frete Total Agronegócio (R$)R$ 126,4 BilhõesAumento de 4,0% (23-24) 1
Custo Médio Frete AgroR$ 567,39 / CT-e213% maior que a média nacional 1
Participação Arrecadação Setor Secundário49,8% do total do AgroMaior peso da carga tributária na agroindústria 1

O Apetite por Inovação: Oportunidades para o Ajuste de Maturidade

Apesar dos desafios de custo, a base produtiva do agronegócio demonstra um apetite voraz por profissionalização e estruturação. A queda do valor transacionado em commodities tradicionais, como Soja (-16,7%) e Milho (-16,6%) em 2024 , forçou um movimento de diversificação e busca por valor.

A. O Crescimento da Formalização e a Busca por Gestão

O número total de empresas no Agronegócio (incluindo produtores rurais) cresceu para 9,056 milhões em 2024 , e o número de produtores rurais individuais (Pessoa Física) atingiu 3,96 milhões. Esse crescimento é impulsionado pelo aumento da formalização e pela busca por maior resiliência em Microempreendedores Individuais (MEIs), que cresceram 16,9% entre 2022 e 2024, e Empresas de Pequeno Porte (EPP), com alta de 12,9% no mesmo período.

O crescimento exponencial na formalização da base é uma resposta direta à pressão de margens. O momento exige a profissionalização da gestão, do fluxo de caixa e das questões financeiras. O aumento no número de entidades formalizadas cria uma oportunidade estratégica gigantesca: um mercado maduro e crescente por AgTechs, Fintechs e consultorias especializadas em gestão de risco, crédito e otimização de custos, prontos para atender essa demanda por excelência.

B. Diversificação e a Ascensão dos Segmentos de Valor

A maior oportunidade reside na migração de valor das commodities brutas para segmentos com maior valor agregado e menor exposição à volatilidade. Os dados de 2024 são claros:

  • Insumos em Liderança: O segmento de Insumos assumiu a liderança no Valor Transacionado, com R$ 1,681 trilhão, ultrapassando a Soja. Isso sinaliza que o produtor está investindo pesadamente em tecnologia e produtividade no campo, uma tendência de longo prazo.
  • Ouro Negro (Café): O Café foi o segmento de maior destaque, com um crescimento expressivo de 53,3% no Valor Transacionado em 2024, impulsionado pela alta histórica de preços e aumento de volume exportado. Para o Produtor Rural, o crescimento no Valor Comercializado foi de 49,5%.
  • Alta Acentuada: O Açúcar (+22,8%), Hortifrúti (+23,5%), Algodão (+26,1%) e Fumo (+28,0%) também registraram alta acentuada nos Valores Transacionados.

Esses números provam que, em meio aos ajustes, o setor está se diversificando e os nichos de maior valorização—como Café e Hortifrúti, que apresentam alta demanda global e maior capacidade de agregação de valor na ponta—são as novas fronteiras de rentabilidade.

C. Desbloqueando o Potencial Regional e a Fronteira Norte

A análise regional revela a urgência de levar gestão e tecnologia para as novas fronteiras. A região Norte foi a que apresentou o maior crescimento no número de empresas do agro (+22,7% entre 2022 e 2024) , e a região Centro-Oeste registrou o maior crescimento de Produtores Rurais Individuais (2,2% em 2024).

Contudo, estados como Piauí e Rondônia se destacam pela maior densidade de produtores a cada 100 mil habitantes, evidenciando que a agricultura é central para o tecido econômico local. O investimento em logística multimodal (o Arco Norte é vital) e a difusão de AgTechs adaptadas a essas regiões são cruciais para que o crescimento da formalização se converta em maior produtividade e valor adicionado.

Conclusão: O Chamado à Ação e a Visão do Futuro

Os dados apresentados pelo estudo “Agronegócio em Números – 2025” do Empresômetro/IBPT desmantelam, com autoridade técnica, a narrativa superficial de que o agronegócio está em crise. A queda no Valor Transacionado de commodities tradicionais é um doloroso indicador de volatilidade de preços e de ineficiência de custos e gestão, mas não de colapso produtivo. O agro é cíclico, e esta fase de “arrumação e adaptação”  é o catalisador necessário para o próximo ciclo de expansão.

O Brasil já provou que domina a produção em volume e a movimentação em escala transacional. O próximo salto de maturidade, que garantirá a preservação da margem de lucro e a manutenção da competitividade global, depende de uma ação coordenada para resolver os três freios de mão estruturais:

  1. Infraestrutura e Logística: O custo médio de frete, 213% superior à média nacional , exige investimentos prioritários em diversificação modal (ferrovias e hidrovias) e na redução do déficit de armazenagem para mitigar o efeito do “estoque sobre rodas”. A projeção de preços do frete para o início de 2026, que aponta para um pico de R$ 300,03 / ton em fevereiro, reforça a urgência de otimizar a logística.
  2. Gestão e Profissionalização: O crescimento notável na formalização (MEIs e EPPs)  é um sinal claro da demanda por ferramentas de planejamento, gestão de risco e acesso a crédito estruturado. Esta é a grande oportunidade para a inovação setorial e para o ecossistema de AgFintechs.
  3. Fisco e Valorização da Cadeia: A Reforma Tributária deve ser desenhada para desonerar a indústria e a transformação (Setor Secundário), que hoje arca com quase metade da carga fiscal do agro (49,8%) , incentivando a agregação de valor dentro do país e superando o modelo de exportação de commodities brutas.

Em última análise, os números atestam que o agronegócio não perde sua essência, mesmo sob pressão. Concluindo com as palavras inspiradoras que resumem a visão executiva do setor: “O agro é mais que pop! Ele é cheio de poder. Ele pode até perder o trono por algum momento, mas nunca perderá a majestade“.

O desafio agora é garantir que a inteligência de mercado fornecida pelo Empresômetro e IBPT seja transformada em ações estratégicas que permitam ao setor não apenas manter a majestade, mas também reivindicar o trono do valor adicionado.