Pesquisa

Quebramento da haste e a podridão de grãos da soja avançam sem causa definida

O quebramento da haste da soja e a podridão de grãos são sintomas em plantas de soja que começaram a surgir na safra 2019/2020 no Mato Grosso e Rondônia

Foto focada em vagens de soja na mão de uma pessoa. Dentro das vagens abertas aparecem grãos apodrecidos.
A podridão costuma ocorrer na fase final de enchimento de grãos | Foto: Claudia Godoy/ Divulgação Embrapa

O quebramento da haste da soja e a podridão de grãos são sintomas em plantas de soja que começaram a surgir na safra 2019/2020 no Mato Grosso e Rondônia. Inicialmente chamado de “anomalia da soja”, o problema se expandiu para outros estados e se manifestou no Rio Grande do Sul na safra 2023/2024. Os sintomas geram preocupação já que eles provocam diminuição na produtividade e prejudicam a qualidade dos grãos. Além disso, a causa dos dois problemas ainda não foi definida.

“Nessa safra a gente observou um aumento, nós viemos de duas safras de estiagem, e aí esse problema ficou muito mascarado. Você não tinha condição climática. Nesta safra a gente tem um volume de chuvas acima da média, algo característico de um ano de El Niño para a região Sul do Brasil. E nesse cenário a gente viu um crescimento no número de casos”, relata o fitopatologista da Cooperativa Central Gaúcha Ltda. (CCGL), Carlos Pizzolato.

Os relatos e amostras advém de diversos pontos do estado, mas a incidência é maior na região de Cruz Alta, Júlio de Castilhos e nas Missões. “É um problema que está distribuído, está disseminado aqui no estado”, ressalta o pesquisador. Já no Paraná, levantamentos realizados pelas cooperativas do estado demonstraram que a área de ocorrência de quebramento da haste no Paraná foi pouco expressiva.

Primeiros casos

A pesquisadora Dulândula Wruck, da Embrapa Agrossilvipastoril, do Mato Grosso, lembra dos primeiros relatos de quebramento e de podridão. “O relato que tínhamos era de que a soja ia bem, a lavoura ia muito bem, só que quando chegava no final, nas palavras dos produtores, “a soja se entregava”. Era algo que acontecia em questão de dias”, relata Dulândula.

O quebramento da haste de soja é observado no início de enchimento de vagem | Foto: Claudia Godoy/ Divulgação Embrapa

Devido aos prejuízos causados à soja, rapidamente pesquisadores e instituições se mobilizaram para investigar o problema. Uma das primeiras conclusões foi de que o quebramento da haste da soja e a podridão de grãos provavelmente são problemas distintos. Os pesquisadores chegaram a essa conclusão observando que em cultivares em que ocorre o apodrecimento, às vezes não ocorre quebramento e vice-versa.

A podridão costuma ocorrer justamente na fase final de enchimento de grãos. Nesses casos, as vagens apresentam uma lesão encharcada, apodrecida, e dentro delas, as sementes estão enrugadas. Já o quebramento é observado antes, no início de enchimento de vagem. O enfraquecimento da planta começa na fase reprodutiva e, com uma pressão mecânica, como o vento, a planta acaba tombando.

O quebramento da haste e a podridão das vagens não são problemas inéditos. Eles já eram observados, principalmente em programas de melhoramento genético. Então por que tanta preocupação neste momento? “O problema é ocorrer na intensidade que está ocorrendo em lavouras comerciais”, destaca a pesquisadora. Os estudos ainda procuram definir o que está causando esses sintomas de forma disseminada em lavouras de soja do país.

Fungos

Em amostras coletadas dos dois sintomas, tanto do apodrecimento quanto do quebramento de hastes, os pesquisadores encontraram fungos. Apesar desse resultado, ainda é preciso definir se a presença deles é a causa dos sintomas ou uma consequência. Portanto, ainda é cedo para determinar com certeza que se tratam de doenças causadas por esses fungos.

No caso do quebramento da haste, as plantas apresentam estrias, pelas quais esses patógenos podem ingressar. “Se a planta está com fissuras, com estrias, é normal que ocorra uma colonização por fungos e bactérias. Então, nesse primeiro momento, a gente trabalha como consequência”, explica Dulândula.

A relação dos fungos com o apodrecimento de grãos também ainda não está bem definida. Uma Nota Técnica publicada em fevereiro pela Embrapa relata que os fungos que predominam nesses casos são diferentes espécies de Diaporthe, Fusarium, Colletotrichum e, Cercospora spp. O documento ainda ressalta que o complexo de Diaporthe spp. está associado a uma série de doenças da soja, incluindo apodrecimento de grãos, seca da haste e das vagens e cancro da haste, que se assemelham ao que vem ocorrendo nas lavouras brasileiras.

Para provar que um desses patógenos ou um grupo deles é a causa do apodrecimento dos grãos, os pesquisadores precisam replicar esse resultado de forma artificial em ambiente controlado, o que é chamado de postulado de Koch. “Em um dos trabalhos que eu estou conduzindo, eu isolei quatro gêneros diferentes de fungos, todos eles são patogênicos da soja, mas eu não consigo fechar o postulado, que seria reproduzir os sintomas que a gente vê no campo”, relata Dulândula. Ainda assim, já foi observado que o manejo com fungicidas é eficaz no manejo do sintoma, o que indica um caminho para a pesquisa e para o controle.

Variáveis

Além da presença de fungos, outras possibilidades e variáveis ainda são avaliadas pelas pesquisas. A rapidez e a abrangência do apodrecimento de grãos foram as primeiras características definidas observando o sintoma no campo. Isto significa que ele aparece de uma vez só e de forma uniforme em todo um talhão ou área. “Isso é característica de doença abiótica. O que é uma doença abiótica? Eu não tenho um agente causal biológico envolvido”, pondera Dulândula.

A partir dessa constatação, o próximo passo foi observar o ambiente em que o apodrecimento de grãos e o quebramento da haste ocorrem. Nessa etapa, os cientistas verificaram que as anomalias de temperatura estão mais frequentes no início da implantação da cultura. “Anomalia de temperatura é toda aquela temperatura média acima da média histórica. Então a gente está tendo temperaturas mais elevadas, safra a safra”, indica a pesquisadora.

As cultivares utilizadas nas regiões afetadas também fazem parte do escopo de investigação. “Algumas cultivares de soja têm uma ampla área no estado [Rio Grande do Sul] e os casos predominaram justamente nesses materiais que têm uma área maior. Então a gente observou diferenças entre cultivares na questão de incidência, mas, de maneira geral, encontramos um bom número de materiais com sintomas tanto de quebramento quanto de anomalia de vagens”, afirma Pizzolato.

Nós temos muitas variáveis que não se cruzam, a gente não está achando uma variável em comum.

Dulândula Wruck – pesquisadora da Embrapa Agrossilvipastori

Todos os dados e variáveis encontrados pelos pesquisadores são indícios das causas do apodrecimento dos grãos e do quebramento das hastes. Entretanto, até que eles consigam replicar em ambiente controlado os sintomas, as causas não podem ser apontadas definitivamente. “Nós temos muitas variáveis que não se cruzam, a gente não está achando uma variável em comum. No primeiro momento, a temperatura chamou atenção porque, justamente nesse eixo do Norte do Mato Grosso, estávamos com essa anomalia de temperaturas mais altas, mas não conseguimos verificar, confirmar isso”, resume a pesquisadora.

Manejo

Apesar de ainda não definir a causa dos problemas, as pesquisas já encontraram caminhos para o manejo dos sintomas, especialmente com o uso de fungicidas para o apodrecimento dos grãos. “A gente tem posicionado em aplicações preventivas, logo no início do ciclo, entre V5 e V6, cerca de 30 dias após emergência, com a entrada de misturas com carboxamidas. […] Claro que não fica só nas carboxamidas, é a associação com os principais triazóis e associação sempre na mistura com protetor”, destaca Pizzolato.

Porém, é importante considerar todo o escopo de doenças da soja e o histórico da área no momento de planejar as aplicações. “Tem que tomar muito cuidado com o aumento desse número de aplicações de fungicidas porque a gente pode ter problema de resistência com outras doenças foliares, por exemplo”, pontua Dulândula.

O Agrônomo Dalvo Arcari, da Cotrijal Cooperativa Agropecuária e Industrial, ressalta que o problema ainda é novo no Rio Grande do Sul, portanto a doença não foi especificamente manejada na última safra. “Após identificado o quebramento das hastes ou mesmo a podridão dos grãos, há pouca efetividade de controle, portanto precisa ser manejado de forma preventiva e em manejo de sistema”, destaca.

A escolha de cultivares que historicamente apresentam menor incidência também tem se mostrado eficiente para o manejo do apodrecimento. “É o pacote completo, não é somente a escolha de cultivar. A gente tem que ver desde o início da implantação da lavoura, a adubação e a parte física e química do solo, aí então a escolha da cultivar – não só focando no apodrecimento, mas também olhando as outras doenças -, entrar com um tratamento de sementes para diminuir o inóculo e proteger essa semente dos patógenos que estão no solo e complementar, finalizar, com o manejo com fungicidas”, destaca Dulândula.

Pesquisa

Sem causa determinada, as pesquisas continuam em busca de respostas para oferecer soluções mais assertivas para o manejo do apodrecimento e do quebramento das hastes. Entre as iniciativas estão a rede de pesquisa constituída pela Embrapa, indústrias, consultorias, universidades, entidades e fundações para investigar os sintomas.

“A pesquisa é contínua. Só pelo fato de ter formado a rede de fungicidas e a rede de cultivares, a troca de informações entre pesquisadores está sendo bem grande e está tendo consenso dentro da pesquisa. Isso é muito importante, estamos falando a mesma linguagem e conseguimos uma resposta. Não solucionamos totalmente o problema, mas pelo menos o manejo, o produtor está tendo. Estamos trabalhando com organismos vivos, plantas e possivelmente um patógeno que ainda pode demorar [para ser definido]”, ressalta Dulândula.

Entre as respostas que a pesquisa ainda pode oferecer está o desenvolvimento de cultivares resistentes aos dois problemas. “Nós não temos hoje fontes de resistência, então nós vamos ter que buscar, avaliar materiais com maior grau de tolerância. Creio essa resposta da genética ainda vai demorar um pouco para vir, então nós temos que combinar ferramentas para tentar mitigar esses danos causados pela questão da anomalia de vagens e do quebramento de hastes”, pontua Pizzolato.

Enquanto isso não ocorre, o setor busca se adaptar com as alternativas já disponíveis: “evitar a semeadura de cultivares que possuem maior histórico de ocorrência de sintomas nas safras anteriores, melhorar o perfil do solo dando condição para um melhor desenvolvimento das raízes, utilização de produtos biológicos e aplicação de fungicidas de modo preventivo”, elenca Arcari sobre as medidas que devem ser adotadas para o manejo dos sintomas.

A avaliação do setor agrícola é de que o apodrecimento dos grãos e o quebramento das hastes de soja são problemas que vieram para ficar e que não podem ser ignorados. Os avanços da pesquisa já apresentam respostas importantes, mas ainda é possível avançar mais e com cautela para determinar o que está causando os dois sintomas e evitar que eles prejudiquem ainda mais a produtividade e qualidade de grãos de soja.