Nos últimos anos, o fornecimento de fertilizantes e os preços desses insumos sofreram alguns baques. Um dos mais fortes chegou neste ano com a invasão da Ucrânia pela Rússia. O leste europeu é fundamental para o fornecimento desses insumos para o Brasil, que importa 85% do total que utiliza. No entanto, três meses e muitas especulações depois, a possibilidade de faltar fertilizantes é considerada cada vez menor. Pelo menos é o que garante a indústria e o governo federal.
“Até aqui, até agora, as nossas empresas compradoras e vendedoras conseguem manter algum tipo de fluxo, não igual antes da guerra, mas estão vindo sim fertilizantes da Rússia, o que preocupa um pouco menos para o abastecimento. Então eu diria que não chega a ser um alerta vermelho, mas é um sinal amarelo, não está verde e a gente tem conseguido sinalizar um abastecimento regular. Estamos brigando muito para isso e para ter uma safra recorde novamente”, avalia o Diretor Executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), Ricardo Tortorella.
O risco cada vez menor de desabastecimento também é apontado por José Carlos Polidoro, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Entre os fatores para isso, ele elenca os números do mercado, a movimentação internacional de produtos e a produção nacional. “O desafio é grande, mas eu posso dizer que o risco é muito pequeno de faltar qualquer fertilizante. Para a próxima safra não há nenhum risco, nós já estamos pensando em novembro de 2023”, destaca.
“Em relação ao preço da soja e do milho, a relação de troca é uma das piores dos últimos anos”
Luiz Ângelo Poletto – assistente técnico regional em culturas da Emater/RS-Ascar de Erechim
Nas propriedades, produtores e técnicos relatam que encontram os produtos, mas com preços elevados. “Muitos produtores compraram, mas com os valores bem mais altos, em relação ao preço da soja e do milho, a relação de troca é uma das piores dos últimos anos”, relata assistente técnico regional em culturas da Emater/RS-Ascar de Erechim, Luiz Ângelo Poletto.
Desta forma, muitos agricultores ainda aguardam para comprar os fertilizantes, especialmente porque esperam a liberação de recursos bancários. “É um entrave porque não tem preço definido dos juros do crédito agrícola, de quanto vai ficar”, explica. A definição é aguardada para a divulgação do Plano Safra 2022/23.
Dependência e problemas
O problema do abastecimento de fertilizantes não é recente e a indústria aponta que vive adversidades há pelo menos três anos. As principais são a pandemia, crise econômica e problemas logísticos, como a falta de navios e contêineres. Além disso, há aumento da demanda pelos produtos. “Uma demanda muito forte não só no Brasil, mas em outros países também, e a oferta de fertilizantes não cresce na mesma proporção do crescimento da demanda”, explica o representante da ANDA.
A oferta de fertilizantes não cresce na mesma proporção do crescimento da demanda”
Ricardo Tortorella – Diretor Executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA)
Agora, com a crise na Rússia, soma-se à lista a dificuldade para que o dinheiro chegue no país e para buscar os produtos. Além disso, os seguros estão sendo refeitos e ficando mais caros. “Mais uma vez, de forma a ampliar os preços e impulsionar os preços de fertilizantes para cima”, resume. Por fim, ainda é preciso acompanhar a situação das sanções econômicas ao país invasor. “Porque se elas forem graves, nós temos algum tipo de risco mais forte. Por hora nós estamos conseguindo atracar navio lá e trazer, com muita dificuldade, mas estamos trazendo sim”, garante Tortorella.
Plano Nacional de Fertilizantes
Com o objetivo de reduzir a dependência de fertilizantes, o governo federal apresentou o Plano Nacional de Fertilizantes. Desde o princípio, ele é definido como uma estratégia de longo prazo e que não tem a pretensão de alcançar a autossuficiência.
Polidoro, no entanto, defende que ele já está sendo colocado em prática por meio da diplomacia dos fertilizantes e da Caravana Embrapa FertBrasil. A primeira ação trata de negociar com países produtores a ampliação dos contratos de fornecimento de fertilizantes e investimentos na produção nacional. Já a Caravana pretende realizar capacitações para ampliar a eficiência dos fertilizantes em pelo menos 10%.
“Além de diversas melhorias no ambiente legal. Novas leis estão tramitando no Congresso Nacional e nos estados, fruto do Plano Nacional, e novos investimentos neste momento estão sendo feitos”, afirma, citando as negociações referentes à venda da fábrica de nitrogenados de Três Lagoas, que atualmente pertence à Petrobras.
A indústria vem apoiando o plano e considera que ele “mostra a situação real do setor de fertilizantes”, considerando as metas ambiciosas. “Ele ainda precisa ser construído, o plano ainda é uma carta de intenções boas em que precisamos todos, como sociedade, trabalhar juntos. As ações ainda vão acontecer e, sem as ações, sem orçamentos, sem equipes, sem times para tocar isso, nós só vamos ter mais um plano, mais um conjunto vazio e não é o que queremos”, destaca Tortorella.
Demandas
Para contornar o problema a curto prazo, a demanda do setor é primeiramente pela abertura de novos mercados. Em segundo lugar, a redução dos custos com questões como logística. “Tem um custo Brasil muito alto e a gente já devia estar aprendendo com as lições para tirar alguma vantagem de aprendizado e tentar reduzir esses custos que integram a nossa cadeia”, defende o diretor.
Por fim, Tortorella cita a insegurança jurídica como um impedimento para os investimentos. “O Brasil ainda não tem viabilidade porque não tem infraestrutura, tributos, incentivos, uma segurança jurídica, nós somos um país com uma licença ambiental que pode levar seis meses, e queremos que as regras sejam cumpridas e que leve seis meses, mas a gente não gosta quando leva seis anos. […] A gente precisa ter uma segurança e ter uma norma que dê essa segurança para que o investimento aconteça”, afirma.
Entregas
Em relação aos relatos de quebra de contrato para entrega de fertilizantes, a ANDA defende que as entregas estão sendo realizadas. “As entregas estão sendo feitas, como regra. Pode haver uma ou outra exceção, mas é a exceção da exceção. A gente tem conhecimento que os nossos associados estão entregando”, afirma o diretor executivo. A orientação é para que os produtores procurem empresas reconhecidas para que não corram o risco de não receber o produto.