Coluna

O dilema dos agricultores: correr para continuar no mesmo lugar

O produtor rural “corre” no campo para sair do lugar e aumentar a produtividade, mas essa corrida, gera mais oferta e pressão baixista.

“Aqui, você vê, é necessário correr o mais rápido que você puder para continuar no mesmo lugar.” Essa é uma frase da Rainha Vermelha, uma personagem fictícia de um livro do Lewis Carroll chamado “Alice do outro lado do espelho” (sim, o mesmo que escreveu Alice no País das Maravilhas). Na história, Alice termina percebendo que ela está correndo cada vez mais rápido, mas sem conseguir sair do lugar.

Essa talvez seja uma sensação que muitos produtores rurais já passaram em diversos setores (arroz, soja, leite, suínos, frutíferas, bovinos) alguma vez na vida.  Fazer o melhor, em termos de manejo, gestão operacional e tomada de decisões comerciais no negócio, tendo uma boa produtividade, mas não conseguir prosperar financeiramente durante alguns períodos ou ciclos produtivos.

Vou recorrer à economia, e suas teorias, para explicar a sensação vivida por muitos produtores. Cochrane (1993) faz uso de um modelo desenvolvido nos anos 1940 e 1950, com o intuito de entender o crescimento da oferta agrícola nos Estados Unidos da América. Com base na teoria formulada por Schumpeter (1936), o autor procurou explicar o aumento persistente da produtividade observada naquele país, no setor agropecuário. O modelo foi por ele batizado de treadmill ou “efeito esteira”, no qual o agricultor investe na atividade sem, entretanto, no longo prazo, gerar acréscimos significativos em lucratividade. Como assim?

O modelo prevê a classificação dos agricultores/pecuaristas em três grupos distintos, conforme seu grau de aversão a risco (risco e inovação andam no mesmo sentido na economia). No primeiro, encontram-se os mais modernos, abertos ao risco e dispostos a adotar novas tecnologias. Do segundo grupo fazem parte os agricultores que são mais cautelosos para tomar a decisão para inovar, esperando os resultados do grupo mais moderno. O terceiro grupo é constituído pelos agricultores que, por ausência de capital humano ou por falta de recursos para investir ou mesmo questão comportamentais de aversão a risco, não fazem uso da mesma.

Partindo-se de uma posição de equilíbrio, a dinâmica do sistema será dada pela adoção de tecnologia por parte dos agricultores com adoção pioneira. O segundo grupo, formado por agricultores mais cautelosos, vendo os ganhos produtivos e em redução de custos médios com adoção de tecnologia pelos pioneiros, também irá adotar as tecnologias. Essa adoção de tecnologias, vai gerando aumento de produtividade, e esse aumento de produtividade, leva progressivamente ao aumento de oferta agregada (mais produção disponível ao consumidor).  

Mantida a demanda constante de alimentos (nesse nosso exemplo), os preços passam a cair em decorrência da maior oferta de produto. Chegamos a um novo ponto de equilíbrio, com a queda do preço, a margem de lucro volta a ser zero – equilíbrio de mercado que opera em concorrência perfeita, tanto para o grupo moderno quanto para o intermediário. Por outro lado, os produtores mais atrasados, na medida em que não fizeram uso da nova tecnologia, mantêm seu custo unitário no mesmo nível da situação inicial. Não conseguem, assim, cobrir seus custos de produção, uma vez que o nível de preços baixa. Ao longo do tempo, são forçados a deixar a atividade.  

O modelo acima gera à seguinte conclusão:  Os agricultores terão sempre que investir para se manterem na produção e seus lucros sempre tendem a zero. Os produtores investem, mas permanecem no mesmo lugar. No longo prazo, os únicos ganhadores desse processo serão os consumidores e os perdedores serão aqueles que foram expulsos da produção.

Na cadeia produtiva do arroz observamos esse “efeito esteira” durante muitos anos. Os produtores fizeram um ótimo trabalho, aumentaram a produtividade, aumentando a oferta agregada, o que pressionou os preços, e reduziu a margem novamente (mesmo com novo patamar produtivo). Muitos produtores deixaram a atividade, o que fez com que os preços tivessem elevação (além de outros fatores externos (como exportação), redução da produção nos principais países, outras culturas substitutas).  

O exemplo acima mostra o desafio em atuar nesse setor e o conflito que existe entre a lavoura (nível microeconômico) e o agregado do país (macroeconômico). O produtor rural “corre” no campo para sair do lugar e aumentar a produtividade, mas essa corrida, gera mais oferta e pressão baixista. Esses são fatores incontroláveis do ponto de vista do produtor, mas reforçam a importância da abertura de mercados. O arroz é um exemplo, em que a ajuda para o produtor “sair do lugar” estão vindo da organização do setor, com busca de aumento da exportação e alternativas de culturas para reduzir a pressão baixista de um excesso de oferta.