As apreensões de agrotóxicos ilegais são cada vez mais comuns nas fronteiras e rodovias brasileiras. Produtos, grande parte proibidos no Brasil, são introduzidos ilegalmente e encaminhados para propriedades rurais. A prática tem origem em diversos países e alcança as áreas agrícolas do Brasil, fazendo seu caminho até os cultivos, a colheita e a mesa.
Entre 2019 e 2021, as ocorrências aumentaram 46,7% e as apreensões 28.7%. No entanto, o número mais inflacionado é a quantidade apreendida, que chegou a 237,1 mil em 2021, crescimento de 283,6%. Essa tendência continua em 2022, com registros de grandes apreensões. Apenas no primeiro semestre do ano, 172 mil kg foram apreendidos, um aumento de 118% em relação ao mesmo período do ano passado. Esses números refletem a atuação da Polícia Rodoviária Federal, um dos órgãos responsáveis pelo combate ao contrabando.
“Tem aumentado, nós já temos neste ano, até este momento, em torno de 17 toneladas de agrotóxicos apreendidos só aqui na região, então é bastante significativo esse aumento em 2022”, afirma o Chefe da 8ª Delegacia da PRF de Passo Fundo, Rodrigo Calegari.
O uso de agroquímicos ilegais possui diversas modalidades, incluindo falsificação, desvio da finalidade de uso, importação fraudulenta e roubo ou furto. Esses produtos correspondem a 25% do mercado nacional, segundo levantamento de 2021 do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (IDESF). Porém, o contrabando é responsável pela maior parte do mercado clandestino, abrangendo 75% dessa fatia de ilegalidade.
Dentro do próprio contrabando, também se encontram diversos tipos de produtos e ilegalidades. “Tem um rol de agrotóxicos permitidos, que poderiam ser importados legalmente com o pagamento de impostos e tem aqueles que são proibidos no Brasil pelo Ministério da Agricultura. A maioria dos que nós fiscalizamos, que entram no país ilegalmente, é proibida a comercialização no país”, relata Calegari.
Produtos proibidos
Acessar produtos que não são permitidos no Brasil é um dos fatores que levam ao mercado ilegal. “As legislações não são homogêneas. O que é permitido nesses países [Paraguai, Bolívia, Argentina e Uruguai] muitas vezes não é permitido no Brasil”, explica o Presidente do IDESF, Luciano Stremel Barros.
Entre os produtos que vêm se destacando entre as apreensões está o Paraquate. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu o herbicida em setembro de 2020, mas os estoques ainda puderam ser utilizados na safra 2020/21. “Foi proibido por estar associado a ocorrência de mal de Parkinson entre os trabalhadores que efetuam as aplicações. Nesse sentido, a indisponibilidade do produto tem demandado grande obtenção de parte de muitos produtores”, relata o Diretor do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) do Rio Grande do Sul, Ricardo Felicetti.
Segundo o pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste Rômulo Penna Scorza Júnior, o ideal seria que houvesse a disponibilidade de defensivos agrícolas que possam substituir legalmente os que foram banidos. “A gente tem alguns produtos em substituição ao paraquate, mas muitas vezes não se teve o tempo adequado em termos de substituição para um produto que foi recentemente banido. Então você pode ter essa questão de precisar utilizar produtos similares e muitas vezes os preços são maiores, então algumas pessoas acabam procurando esses produtos via contrabando, mas realmente não deveria acontecer”, afirma.
Preço e Mercado legal
O preço é apontado unanimemente como um dos principais motivos para a importações de agrotóxicos de forma ilegal. A diferença de tributações e câmbio fazem com que o mesmo produto tenha preços diversos no Brasil e em países fronteiriços. Além disso, a inflação dos custos de produção e insumos sofreu elevação nos últimos anos.
“Infelizmente, esses produtos via contrabando têm um preço que chega a 20%, 10% do produto que é vendido no país. Ele passa a ser atrativo de uma forma errada em função do menor preço. Então por isso que tem aumentado esse contrabando, ou seja, produtos que estão entrando no país com preços muito muito inferiores aos que são comercializados aqui”, explica Scorza Júnior.
A segurança que a gente tem na utilização desses produtos, em comparação com esses contrabandeados, torna eles mais caros.
Rômulo Penna Scorza Júnior – pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste Rômulo Penna Scorza Júnior
O preço mais elevado dos produtos legais está relacionado às práticas da indústria, regularização e tributação. “Basicamente, a segurança que a gente tem na utilização desses produtos, em comparação com esses contrabandeados, torna eles mais caros”, esclarece o pesquisador.
Riscos
No Brasil, os agrotóxicos precisam passar por um longo processo regulatório para atestar a segurança. A avaliação é realizada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Os produtos ilegais não passam por essas etapas e ainda estão sujeitos à falsificação e alteração dos rótulos. Desta forma, não há garantias na compra e os riscos abrangem a saúde humana, meio ambiente e a própria agropecuária. “A gente não sabe nem o que tem lá dentro. Às vezes é uma mistura de compostos, então é totalmente desconhecido o que se tem ali […]”, resume o pesquisador da Embrapa.
Entre os problemas ambientais que esse crime acarreta está o descarte irregular das embalagens, já que não há a logística reversa e a destinação precisa ser feita de forma “discreta”. “Nós já detectamos inúmeros crimes ambientais em função disso, ou seja, descarte em locais não autorizados, poluindo e trazendo contaminação às águas. Também já vimos casos em que o agricultor ou o criminoso enterram esses produtos, também contaminando o solo”, explica Barros.
No âmbito agropecuário, os produtos não têm garantia de eficiência, portanto podem não apresentar resultados no manejo dos cultivos. De acordo com o pesquisador da Embrapa, eles também podem causar um efeito negativo às culturas de interesse. Isto é, ao invés de afetar apenas a praga que deveria combater, eles podem atingir também as culturas de interesse, como soja, trigo e milho.
O efeito rebote também é uma possibilidade. “O produtor pode estar aplicando um produto que venha a minar ambientalmente o seu entorno, causando até agravamento das pragas que ele está tentando controlar”, destaca Ricardo Felicetti.
O produto agroquímico, quando ele vem para a sua mesa, você não sabe realmente qual é a origem dele.
Luciano Stremel Barros – presidente do IDESF
Por fim, um dos efeitos mais silenciosos é para a saúde humana, já que esse produto não passa por validações que ofereçam segurança. “O produto agroquímico, quando ele vem para a sua mesa, você não sabe realmente qual é a origem dele, então ele é muito silencioso, eu acho que isso no rol dos pecados é um dos maiores”, destaca o presidente do IDESF.
Crime organizado
Antes mesmo de passar por todo esse processo, os produtos contrabandos já trazem prejuízos à população. Além dos efeitos na economia, por não haver o pagamento de impostos e afetar o mercado legal, o contrabando de agroquímicos está cada vez mais ligado ao crime organizado. “Os crimes transfronteiriços são operados hoje por verdadeiras quadrilhas que conhecem os caminhos e não importa o produto, o que importa é qual produto dá mais lucro”, aponta Barros.
“O crime organizado tem se especializado em algumas atividades, uma delas é o contrabando de agrotóxicos”
Ricardo Felicetti – diretor do Departamento de Defesa Vegetal da SEAPDR
Conforme o responsável pela Defesa Vegetal do RS, os órgãos de inteligência nacionais e estaduais também estão identificando essa tendência. “O crime organizado tem se especializado em algumas atividades, uma delas é o contrabando de agrotóxicos, uma vez que o crime organizado atua nas regiões de Fronteira como operadores logísticos da prática de ilícitos. Portanto, no momento em que há demanda para esse tipo de produto, o crime organizado nacional, com seus braços internacionais, está conseguindo auferir lucros nessa prática”, explica Felicetti.
Medidas
Para combater esse crime, a PRF afirma que realiza um trabalho de inteligência. Já o governo estadual ressalta medidas de cooperação entre os órgãos que atuam na fiscalização, além das apreensões e responsabilização dos envolvidos.
No âmbito da responsabilização, existe a defesa do agravamento das penas. Nesse sentido, o Projeto de Lei 9271/17 aumenta as penas e torna falsificação, a corrupção, a adulteração ou a alteração de agrotóxico crime hediondo. A proposta do deputado Delegado Francischini (SD-PR) tramita na Câmara de Deputados.
Além disso, uma forma de “atacar a raiz do problema” seria tornar as legislações e tributações do Mercosul mais homogêneas, o que poderia remover as “vantagens” da ilegalidade. “Há que se evoluir e pensar mecanismos legais de legislação de Mercosul que possam trazer os países vizinhos a uma conversa franca”, propõe Barros.
Penalidades
Além dos contrabandistas, os produtores rurais que utilizam agroquímicos ilegais também estão sujeitos a penalidades. Entre elas estão multas, apreensão de produtos, destruição de lavouras e reclusão, conforme Art. 15 da Lei 7.802.
“A recomendação quanto a isso, é que não utilize de forma alguma qualquer produto contrabandeado, de qualquer origem, uma vez que está contribuindo para todas essas dificuldades, tanto do ponto de vista agronômico, ambiental, de saúde e financeira para todo o país”, finaliza Felicetti.