Do campo à mesa do café da manhã, o trigo — insumo essencial para a produção do pão francês — movimenta uma pujante cadeia produtiva que é historicamente liderada pelo Rio Grande do Sul. Considerado uma cultura de inverno, o trigo é cultivado, predominantemente, nos Estados da Região Sul em razão das baixas temperaturas.
Até a década de 1970, cerca de 90% do trigo brasileiro vinha do RS. Contudo, ao longo da década seguinte, a triticultura expandiu-se para outros Estados, passando o Paraná a ser a maior fonte de origem do cereal.
Em 2025, o excesso de chuva que caiu em junho atrasou o início da semeadura no Rio Grande do Sul, mas as condições climáticas favoráveis de setembro prometem colocar o Estado, mais uma vez, na liderança da triticultura nacional. A projeção do diretor e coordenador da Comissão do Trigo e Culturas de Inverno da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Hamilton Guterres Jardim, leva em consideração as 3,3 milhões de toneladas do cereal que o Estado deve produzir neste ano, segundo a entidade. Na projeção da Emater-RS, a produção deve chegar a 3,6 milhões de toneladas, pois a área considerada para o cálculo (1.198 milhão ha) é superior à utilizada pela Farsul (1,050 milhão ha).
“A cultura do trigo tem oportunidade de crescer aqui. Considerando que tudo corra bem daqui para frente, o Rio Grande do Sul vai ser o maior produtor de trigo este ano, sem sombra de dúvidas. O Paraná deve colher bem menos e, consequentemente, teremos ainda mais espaço de crescimento“, diz Jardim.
O ciclo do trigo
Alencar Rugeri, assistente de culturas da Emater, explica que o trigo começa a ser plantado em maio e termina em julho. Já a colheita se inicia no fim de setembro e se estende até o início de novembro — período em que deve ocorrer a maior parte da colheita de 2025. Ele alerta para o risco existente na concentração excessiva do plantio em um curto espaço de tempo. Neste ano, por exemplo, concentrou-se em cerca de 15 dias no final da janela de semeadura, o que aumenta a vulnerabilidade climática e sanitária da lavoura. Vale lembrar que cada região possui seu próprio intervalo, variando cerca de 30 dias conforme a temperatura, o que torna o cenário ainda mais complexo.
“Tudo depende da região. Nós não estamos falando de maio a julho no mesmo ponto. A região mais quente planta antes da região mais fria. Mas não se pode ser simplista, pois há outros fatores envolvidos, como a necessidade de haver mais de uma safra, para que se tenha um sistema de produção”, comenta Rugeri.
Demanda supera produção
A produção gaúcha de trigo é voltada principalmente ao consumo interno e abastecimento da indústria de moagem nacional. Mesmo em anos difíceis, o Rio Grande do Sul gera excedentes exportáveis, enviados para outros Estados (como Paraná e Santa Catarina) e, em menor escala, exportados ao norte da África e leste europeu. Apesar disso, o trigo brasileiro ainda representa apenas 1% da produção mundial.
O diretor da Farsul pontua que a produção nacional vem crescendo, também, em áreas tropicais, apesar de problemas como a brusone, uma doença fúngica que atinge a lavoura em regiões secas. Já nas regiões úmidas, como o Rio Grande do Sul, o produtor tem que lidar com a giberela, que também compromete a qualidade do grão. Por isso, parte do trigo importado serve para suprir a indústria nacional, enquanto parte do trigo brasileiro é exportada.
Em 2024, o Brasil importou 6,6 milhões de toneladas de trigo, enquanto exportou 2,8 milhões, o que representa um saldo de 3,8 milhões de toneladas do grão — o mais elevado dos últimos três anos, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
Entre os países que exportam para o Brasil estão Argentina, Canadá, Rússia, Ucrânia e Estados Unidos. Eles abastecem principalmente as indústrias moageiras das regiões norte e nordeste. Segundo o especialista da Farsul, o cenário internacional de paridade de importação, principalmente da Argentina, impacta diretamente no preço recebido pelo produtor brasileiro.
“A Argentina tem uma política de exportação em que, às vezes, o trigo produzido lá tem um custo muito mais barato do que o nosso. Até porque agora houve uma redução das taxas de retenções lá na Argentina, permitindo que eles exportem com custo mais baixo do que o custo de produção aqui no Brasil, principalmente no Rio Grande do Sul e Paraná“, afirma.
Rentabilidade
Entre a semeadura e a colheita do trigo, o produtor enfrenta uma média de 130 dias de expectativa e cuidados. No entanto, até chegar às gôndolas de supermercados em forma de pão, o trigo é acrescido de uma série de custos que são repassados ao consumidor final. Hamilton Guterres Jardim explica que o cereal, enquanto matéria-prima, representa uma parcela muito pequena do valor final do cacetinho. Isso porque, ao chegar na padaria, são somados custos como aluguel, impostos, salários de funcionários e a agregação de valor do processo. Desse modo, o valor pago pelo consumidor reflete, no máximo, 10% do que recebe o produtor no campo.
Novas aplicações
Para além da panificação, o trigo também é empregado em diferentes atividades econômicas. Entre as novas aplicações do cereal estão a produção de glúten vital — um concentrado proteico que melhora a elasticidade e o volume de massas — e também a produção de etanol. Esse movimento amplia as perspectivas de uso e valorização do trigo, reforçando seu papel estratégico no agronegócio gaúcho.
“O Brasil ainda importa mais de 6 milhões de toneladas de trigo para abastecer a indústria moageira e uso no etanol. Ou seja, o trigo vai ter excelentes oportunidades. Nós temos tecnologia, nós temos genética, mas, o que às vezes, infelizmente, não temos são as condições climáticas ideais”, frisa Hamilton Guterres Jardim.
Fonte: GZH