Em setembro iniciamos o plantio de mais uma safra da soja brasileira e por se tratar da cultura em que somos os maiores exportadores, ela é a cultura que norteia as nossas decisões e a nossa safra. A próxima safra no meu ponto de vista será a definida como a safra dos extremos.
De um lado, a competência e a tecnologia do produtor nos posicionam para uma colheita potencialmente recorde, reafirmando nossa vocação como potência agrícola. Do outro, um conjunto de riscos climáticos, econômicos e regulatórios se avoluma no horizonte, exigindo um nível de gestão e cautela sem precedentes. O sucesso não dependerá apenas de plantar e colher bem, mas de navegar com maestria em um cenário de alta complexidade.
Como eu sou um sujeito que gosto sempre de ver os dois lados do copo, o meio cheio e o meio vazio, vamos analisar os 10 fatores cruciais que desenharão o próximo ciclo.
1. Safra Recorde vs. Preços Pressionados
- O lado positivo: As projeções indicam que o Brasil pode colher sua maior safra da história, com a soja podendo superar 166 milhões de toneladas. Isso demonstra a resiliência e a capacidade produtiva do nosso campo.
- Ponto de atenção: Uma oferta global abundante, tanto do Brasil quanto dos EUA, tende a pressionar as cotações internacionais para baixo. Em um ano de custos elevados, uma saca mais barata significa margens ainda mais espremidas.
2. A Sombra do La Nina
- O lado positivo: A previsão do fenômeno com antecedência permite que os produtores se planejem, ajustando calendários e escolhendo cultivares mais resilientes. A gestão de risco começa com a informação.
- Ponto de atenção: A alta probabilidade de La Nina traz o risco real de irregularidade nas chuvas: estiagem no Sul e atraso no plantio no Centro-Oeste. Isso não apenas afeta a soja, mas compromete perigosamente a janela da safrinha de milho.
3. Custos de Produção em Alta
- O lado positivo: A pressão nos custos força uma busca implacável por eficiência. O produtor é incentivado a adotar tecnologias de precisão e a otimizar cada centavo investido na lavoura.
- Ponto de atenção: A escalada nos preços de insumos, especialmente fertilizantes, e o crédito mais caro elevam o custo operacional a um patamar crítico. A margem de lucro, que já foi de quase 67% em safras passadas, pode cair drasticamente.
4. O Novo Plano Safra
- O lado positivo: O volume de recursos anunciado é recorde (R$ 516,2 bilhões) e há incentivos claros para práticas sustentáveis e para a construção de armazéns, um investimento estratégico.
- Ponto de atenção: Este é o crédito rural mais caro da história recente, com juros que chegam a 14% ao ano. Além disso, a nova obrigatoriedade de seguir o Zoneamento de Risco Climático (ZARC) para acessar o crédito adiciona uma camada de complexidade e exigência de planejamento.
5. Inovação no DNA da Soja
- O lado positivo: A genética é nossa grande aliada. Novas cultivares chegam com maior potencial produtivo, resistência a doenças e pragas, e tolerância a herbicidas, sendo uma resposta direta aos desafios do campo.
- Ponto de atenção: O custo da tecnologia embarcada na semente é alto e exige um manejo correto para que seu potencial seja plenamente expresso. A corrida entre o melhoramento genético e a evolução dos patógenos é constante.
6. A Digitalização Acelerada
- O lado positivo: A agricultura digital avança a passos largos, com um mercado que deve alcançar R$ 48,5 bilhões até 2026. Ferramentas de inteligência artificial e sensores permitem uma gestão baseada em dados, otimizando o uso de insumos e aumentando a eficiência.
- Ponto de atenção: O alto custo de aquisição e, principalmente, a falta de conectividade em muitas áreas rurais ainda são as grandes barreiras para a democratização dessas tecnologias.
7. Desafios na Trincheira Fitossanitária
- O lado positivo: O Brasil possui estratégias consolidadas, como o vazio sanitário, que são eficazes no manejo de doenças como a ferrugem-asiática. A pesquisa continua entregando novas soluções de controle.
- Ponto de atenção: A pressão de doenças segue alta, e o problema da resistência de fungos aos defensivos químicos é cada vez mais grave. Isso ameaça a eficácia das ferramentas de controle e exige um manejo integrado cada vez mais sofisticado.
8. A Era dos Bioinsumos
- O lado positivo: O mercado de biológicos cresce de forma exponencial no Brasil, quatro vezes acima da média mundial. Eles se consolidam como uma ferramenta estratégica para o manejo integrado, a sustentabilidade e a redução de custos.
- Ponto de atenção: A eficácia dos bioinsumos depende de aplicação e armazenamento corretos. A qualidade da crescente produção “on farm” é um ponto que demanda regulação e fiscalização para garantir a segurança do sistema.
9. A Agenda ESG se Impõe
- O lado positivo: Produtores e empresas que adotam práticas ESG acessam mercados mais exigentes e linhas de crédito com melhores condições. A sustentabilidade se torna uma vantagem competitiva real.
- Ponto de atenção: Novas regulações, como a da União Europeia contra o desmatamento (EUDR), exigem um nível de rastreabilidade e comprovação que representa um desafio operacional e de custo para toda a cadeia produtiva.
10. O Gargalo da Logística
- O lado positivo: A consciência sobre a importância da armazenagem na fazenda cresceu, e o Plano Safra está incentivando esse investimento. Armazenar é ter o poder de escolher o melhor momento para vender.
- Ponto de atenção: Os gargalos estruturais de escoamento persistem.[25] Em um ano de safra recorde, a sobrecarga de rodovias e portos pode aumentar o custo do frete e corroer a rentabilidade de quem precisa vender a produção na colheita.
A safra 2025/2026 será um teste de fogo para a gestão do produtor brasileiro. A capacidade de produzir já está mais do que provada. O desafio, agora, é garantir que a eficiência da porteira para dentro se converta em rentabilidade da porteira para fora.