Diversificação

Mesmo sob pressão, soja e boi mantêm reinado no Brasil Central

Eucalipto, laranja, cana-de-açúcar e trigo ampliam participação

Foto de gado em confinamento.
Confinamento em Goiás – estado é um dos quatro maiores produtores de carne bovina do Brasil | Foto: Ariosto Mesquita/Arquivo

Considerado a fronteira agrícola brasileira nos anos 1970 e 1980 e o paraíso da soja, do milho (principalmente de segunda safra) e do boi nas décadas posteriores, o Brasil Central (sobretudo os estados do Centro-Oeste) está experimentando um crescente processo de diversificação produtiva. Calma! Tudo indica que o trio acima continuará forte por um bom tempo, mas o ritmo de crescimento destas atividades, sobretudo de área ocupada, é cada vez mais contido, ao mesmo tempo em que são anunciados investimentos pesados em outras cadeias produtivas, como é o caso da silvicultura e da citricultura.

Só a gigante Cutrale, por exemplo, iniciou o plantio de 5 mil hectares de laranjeiras próximo a Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, primeira etapa de um projeto que pode chegar a 30 mil hectares. Enquanto isso, o trigo (cultura identificada com o sul do País) ganha espaço em Goiás e sinaliza avançar também em Mato Grosso, graças às cultivares adaptadas ao clima tropical desenvolvidas por órgãos de pesquisa como a Embrapa.

O 2º levantamento de safra (2024/2025), divulgado pela Companhia Brasileira de Abastecimento (Conab) no último dia 14 de novembro, evidencia a retração no aumento de área plantada de grãos em comparação a uma elevação substancial da produção, ou seja, uma visível tendência de se produzir mais em menor espaço. O Centro-Oeste, com 36,5 milhões de hectares plantados é responsável por 44,83% da área cultivada com grãos no Brasil (81,4 milhões ha). Já a produção prevista na região (159,41 milhões de toneladas) é praticamente a metade (49,42%) de tudo o que é colhido no País (322,5 milhões t).

Quanto ao boi, os números permanecem fortes no Centro-Oeste. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a região fechou 2023 concentrado 76,7 milhões de cabeças, o equivalente a 32,1% do rebanho nacional.

Em que pese os ótimos números, a verdade é que o quadro vem se alterando, com forte prioridade para adoção de novas tecnologias. Considerando os três estados da região, em um comparativo com a safra anterior (2023/2024), é gritante a diferença entre aumento de área cultivada e avanço na produção. Em Mato Grosso, esta relação é de 1,7% e 4,4%, respectivamente. Já em Mato Grosso do Sul, a expectativa é de um aumento de 3,1% na área cultivada e de 35,3% na produção. Goiás, por sua vez, eleva em 3,9% sua área cultivada, enquanto amplia em 11,5% seu resultado.

Já as projeções da Conab para a carne bovina sinalizam retração em rebanho e produção de carne, na cola da virada de ciclo pecuário. Em relação a 2024, a projeção para o próximo ano é de – 1,8% no rebanho, de – 4,3% na produção e de – 7,8% na disponibilidade interna de carne. Isso se deve, em parte, a alta demanda e forte volume de abates de bovinos em 2024. Só em Mato Grosso do Sul, as indústrias com serviço de inspeção federal (SIF) abateram, 2,9 milhões de animais nos primeiros 10 meses do ano, 17,5% superior ao mesmo período de 2023. Com este quadro, já é possível sinalizar uma tendência, de agora para frente, de maior retenção de fêmeas pelos pecuaristas em função dos melhores preços pagos por animais de desmama.

Menos área e mais carne

Em Mato Grosso, estado líder nacional em produção agrícola (soja, milho e algodão) e de carne bovina, a pressão sobre a bovinocultura de corte (em produzir mais em menor espaço) é forte há mais de 10 anos. Tanto é que as áreas ocupadas por pastagens despencaram de 24,7 milhões/ha em 2013 para 18,1 milhões/ha em 2022, uma queda de 26,7% em um espaço de uma década. Os dados são do Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) e não se referem somente a áreas cedidas para a agricultura. Enquanto isso, no mesmo período, seu rebanho bovino cresceu 20,4%, saltando de 28,4 para 34,2 milhões de cabeças.

De acordo com o médico veterinário e diretor-técnico da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Francisco Manzi, a intensificação da produção de carne explica esta diferença. “Hoje tem gente trabalhando com 1,5 mil cabeças em 200 ha de pasto. Não existe mais espaço para amador na pecuária”, avisa. A entidade, segundo ele, conta com 3 mil associados. “Mas em todo o estado já são mais de 100 mil pecuaristas”, garante.

Francisco de Sales Manzi, diretor-técnico da Acrimat: “Não existe mais espaço para amador na pecuária” | Foto: Arquivo Pessoal

Isso se faz necessário justamente pela alta mudança de uso da terra. Manzi cita o caso de Paranatinga, no centro-leste do estado, cidade com história na pecuária: “Nos últimos dois anos o município cedeu 72 mil há de pastagens para a lavoura”. Boa parte das novas terras agricultáveis acaba sendo ocupada pelo binômio soja e milho de segunda safra e, em algumas regiões, pelo algodão. Isso sem falar em uma crescente silvicultura. “Estamos vendo muita gente plantando eucalipto para produzir biomassa e atender demanda das indústrias de etanol, DDG e bioenergia. Um executivo da FS Bioenergia recentemente me garantiu que 60% do eucalipto plantado em Mato Grosso é para uso da empresa”, conta. O instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea) estima que a silvicultura para fins comerciais ocupe atualmente cerca de 200 mil ha no estado.

Trigo irrigado

Tradicionalmente cultivado no sul do País, o trigo, aos poucos, vai ganhando espaço no Centro-Oeste graças, sobretudo, ao desenvolvimento de cultivares adaptadas, tanto para plantio em sequeiro quanto sob pivô-central. A Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Estado (Seapa) estima que o trigo ocupou, na safra 2024, uma área de 110 mil ha, produzindo 234 mil toneladas. De acordo com a Conab, o país todo deve entregar 8,1 milhões/t do cereal.

A agropecuária goiana também reserva protagonismo para o boi e a soja. De acordo a Seapa, na safra 2023/2024 a oleaginosa se manteve como principal produto do agro goiano, ocupando 66,2% das áreas cultivadas com grãos. Enquanto isso, o estado vem se alternando entre terceiro e quarto colocado no ranking daqueles com maior produção de carnes bovina no Brasil. Neste ano de 2024, a projeção do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivado no Estado de Goiás (Sindicarne-GO) é de que o volume atinja a casa de 10,2 milhões/t, superando em 7,1% o resultado de 2023.

Mas outras atividades produtivas estão longe de serem coadjuvantes. Goiás, é quem mais diversifica a atividade agroindustrial no Centro-Oeste. Além, de uma significativa bacia leiteira (produção de 2,2 bilhões de litros em 2023, segundo o IBGE), o estado é líder brasileiro na produção de tomate, sorgo e girassol. O IBGE ainda coloca Goiás como o terceiro maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil, com uma produção de 82 milhões de toneladas em 2024.

Celulose e laranja

Por muitos anos Mato Grosso do Sul deteve o título de maior rebanho bovino do Brasil (em 2006 somava 23,7 milhões de cabeças) e hoje está em quinto lugar no ranking nacional do IBGE, com 18,8 milhões. Este foi um reflexo claro da redução da idade ao abate, que aumenta o giro nas fazendas e a qualidade da carne para o mercado. De acordo com a Federação da Agricultura e Pecuária de MS, 82,5% dos machos abatidos em 2023 tinham até 36 meses de idade. Em 2007 o abate de animais entre 13 e 24 meses era de apenas 4%. No ano passado subiu para 38%.

Foto de pomar de laranja.
Cultivo de laranja em Mato Grosso do Sul | Foto: Bruno Rezende

O estado é o quinto maior produtor de soja do Brasil, cultura que, segundo a Federação da Agricultura e Pecuária de MS (Famasul) ocupa 4,2 milhões de ha, representando 11,8% de uso/ocupação de solo sendo hoje o principal item na pauta de exportações do estado (32,4% do valor exportado no ano, acumulado até outubro/2024), segundo a Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc).

Em que pese o bom desempenho do boi e da soja, atualmente a grande sensação da economia sul-mato-grossense é a silvicultura, atividade estimulada pela demanda do chamado “Vale da Celulose”, região no leste do estado (divisa com São Paulo) onde funcionam e estão se instalando gigantescas indústrias de celulose. De acordo com a Carta de Conjuntura/Comércio Exterior da Semadesc, divulgada em novembro/2024, a celulose é o segundo maior item de exportação, com 24,4% do valor comercializado. O Governo do Estado estima em 1,5 milhão de hectares sua área cultivada com eucalipto, representando um crescimento de 436% em 14 anos, e investimentos de mais de R$ 50 bilhões no setor florestal/industrial.

Inaugurada em julho de 2024, fábrica da Suzano em MS é considerada maior indústria de celulose de linha única do mundo | Foto: Divulgação

E quem está de olho nas terras sul-mato-grossenses é o mercado de citros. Sofrendo há anos com a doença de greening, sobretudo no estado de São Paulo, a citricultura brasileira começa a chegar forte em MS. Não por acaso a legislação do Estado é rígida, mantendo “tolerância zero” em relação à doença. O Grupo Cutrale, por exemplo, já iniciou o cultivo irrigado de 5 mil ha de laranja próximo à capital, Campo Grande. Isso equivale a aproximadamente 1,7 milhão de pés de laranja. Há a expectativa é de que, futuramente, esta área da empresa chegue a 30 mil ha.

Além da Cutrale, também anunciaram investimentos para a produção de laranja em Mato Grosso do Sul o Grupo Moreira Salles (recursos perto de R$ 1,2 bilhão para produção anual de oito milhões de caixas), Grupo Junqueira Rodas (área de 1,5 mil ha) e Agro Terena (1,2 mil ha).

As indústrias de produção de etanol também se destacam em Mato Grosso do Sul. O Estado, segundo a Semadesc, é o quarto no ranking nacional de produção do biocombustível a partir da cana-de-açúcar e o segundo de etanol de cereais (perdendo só para MT), somando 3,8 bilhões de litros na última safra o que estimula o cultivo de milho e sorgo. Uma cultura que pode surpreender mais à frente é o amendoim. Em relação á última safra, a área cultivada passou de 7 mil para 12,1 mil ha (+ 73%). Isso permitiu um avanço de 115,6% na produção em apenas um ano, saindo de 20,4 mil/t para 44 mil/t.