A ascensão do sorgo

Indústria de etanol impulsiona produção de sorgo no Brasil

Maior resistência ao estresse hídrico, janela mais ampla e menor custo de aquisição colocam o cereal como um dos “queridinhos” das indústrias de etanol

Foto de lavoura de sorgo.
Entre as safras 2021/2022 e 2022/2023, a produção brasileira do cereal granífero aumentou 47,2% | Foto: Banco de Imagens

Nos últimos cinco anos, com o acirramento da estação seca no Brasil Central, o sorgo, até então uma espécie de “patinho feio” da agricultura brasileira, ressurgiu das cinzas como opção viável e resistente ao estresse hídrico. Entre as safras 2021/2022 e 2022/2023, a produção brasileira do cereal granífero aumentou 47,2%, saltando de 3,12 para 4,61 milhões de toneladas, boa parte disso estimulada pelo uso na alimentação (concentrado e volumoso) de ruminantes. Agora, em 2024, novo gatilho promete turbinar sua ascensão, dessa vez como um dos protagonistas de uma das principais cadeias bioenergéticas do Brasil: a de etanol e coprodutos.

Enquanto, para muitos, a produção de etanol a partir do milho ainda é uma novidade (teve início em 2012, no Mato Grosso, mas hoje já responde por 19% de todo volume do biocombustível brasileiro) algumas indústrias já sinalizam que darão preferência para o processamento de sorgo. É o caso da “gigante” Inpasa, que se denomina “a maior produtora de etanol de milho da América Latina”. Para suas novas fábricas, em Balsas-MA e Sidrolândia-MS, a companhia prevê a aquisição de até 2 milhões de toneladas/ano de cereal (1 milhão em cada planta) com prioridade total para o processamento de sorgo, matéria-prima que a empresa já adquire em sua unidade em Dourados-MS.

Mas aí vem o gargalo: enquanto a produção brasileira de milho é de 115,7 milhões/t, a de sorgo granífero está em minguados 4,4 milhões/t (Conab – set/2024). Considerando, como exemplo, apenas o volume de sorgo colhido em Mato Grosso do Sul (perto de 450 mil t/ano – ou 10,16% da produção brasileira – Conab/2024), seriam necessárias mais de duas safras para atender a demanda anual de uma só fábrica da Inpasa.

Ciente disso, a multinacional paraguaia procurou a Embrapa e fechou uma parceria de 36 meses (renovável) para ações de transferência de tecnologia aplicada ao cultivo de sorgo concentradas no Maranhão e em Mato Grosso do Sul.

Frederico Botelho, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, explica como parceria irá funcionar | Foto: Ariosto Mesquita/Arquivo

“O objetivo é levar informações técnicas de cultivo para profissionais e produtores, esclarecer dúvidas e mitos. Estruturaremos algumas unidades de referência tecnológica (URT´s) nas quais organizaremos dias de campo, visitas e seminários. Em 2025, realizaremos, nos dois estados, a Caravana Técnica do Sorgo”, revela o agrônomo Frederico Botelho, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas-MG) e coordenador do projeto. “A Inpasa vai contratar uma consultoria para montar as URTs, mas quem vai definir os protocolos é a Embrapa. Também iremos fazer um mapeamento das áreas potenciais para expansão da cultura”, completa.

Um segundo acordo está sendo alinhavado entre a indústria e a estatal brasileira. “Trata-se de um projeto de pesquisa Inpasa/Embrapa cuja ideia é fundamentar indicadores de sorgo para o programa RenovaBio. Hoje já temos calculadora de pegada de carbono para soja, milho e cana. Agora vamos gerar o mesmo para o sorgo, permitindo que a cultura passe a integrar este grupo, abrindo possibilidades, por exemplo, de geração de créditos de carbono para o produtor”, revela Botelho. O RenovaBio é uma iniciativa do Governo Federal, lançada em 2016 e que tem o objetivo de expandir a produção de biocombustíveis obedecendo os pilares da sustentabilidade (social, ambiental e econômico).

Outras iniciativas também começam a virar a chave na aquisição de matéria-prima. Considerada pioneira no Nordeste na produção flex de etanol (usando tanto cana-de-açúcar quanto milho), a Usina Pindorama (da cooperativa de mesmo nome), no município de Coruripe-AL, iniciou em 13 de dezembro de 2023 a sua investida no processamento de sorgo. Os dois cereais são usados como matéria-prima justamente no período da entressafra da cana. Entre 05/11/2023 e 24/05/2024, a empresa informa ter processado 13,8 mil toneladas de milho e quase 25,2 mil t de sorgo, resultando na obtenção de 15,1 mil litros de etanol.

Em Goiás, usina na região de Rio Verde (pede preservar o nome por “questões estratégicas”) trabalha com processamento de cereais há quase uma década. Com capacidade para moagem de 330 mil/t/ano e produção de 136 mil m3 de etanol, faz a opção de matéria-prima pela sua disponibilidade no mercado. Para este ano a estimativa é de adquirir entre 20% e 30% de sorgo e entre 70% e 80% de milho.

Por que sorgo?

De uma maneira geral, especialistas avaliam que os rendimentos de milho e sorgo na indústria são semelhantes. Mas o que explicaria a prioridade de algumas empresas para a aquisição do segundo? “Em algum momento o sorgo se mostra mais viável, mas também há uma expectativa de expansão do seu cultivo, coisa que para o milho é bem mais restrito em função de suas limitações. Sabemos que o sorgo tem uma janela de cultivo de segunda safra que se estende além da janela do milho. Portanto, os produtores que até então apostavam em uma janela errada ou arriscada, serão orientados a usar cultivares corretas de sorgo. Não se trata de um cereal substituir o outro, mas sim usar cada um em seu espaço de tempo adequado”, explica o pesquisador Botelho.

Sorgo granífero: novo protagonista da cadeia produtiva de biocombustíveis no Brasil | Foto: Ariosto Mesquita/Arquivo

Como exemplo prático, ele toma como base o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), que trabalha com decêndios (espaços de 10 dias) para as regiões de Sidrolândia-MS e Balsas-MA: “Considerando o primeiro decêndio de março, em boa parte não há mais indicação para o plantio de milho enquanto permanece o sinal verde para semeadura de sorgo”. O agrônomo da Embrapa também avalia a questão de segurança para o investimento na lavoura: “Sem negociações a termo, produtores sofriam com o risco da flutuação de preço. A partir da aposta do mercado de biocombustíveis, surge a possibilidade de contratos futuros para o sorgo, deixando mais segurança para o produtor”, explica.

Já a direção da Pindorama, em Alagoas, considera também o aspecto econômico. A estimativa é de que haja uma diferença de apenas 2% em favor do milho na conversão da matéria-prima em etanol e coprodutos. No entanto, a estimativa da cooperativa é de que o diferencial de preço em favor do sorgo (aquisição mais barata) varie entre 25% e 30%.
Mas além do biocombustível, o processamento de cereais fortalece outra cadeia produtiva de expressão no Brasil: a bovinocultura de corte. Estima-se que uma tonelada de milho ou sorgo entregue 300 kg de DDG (grãos secos de destilaria), coproduto rico em nutrientes e disputado a tapa para a nutrição sustentável de bovinos, uma vez que se trata de um material que, em princípio, seria descartado na atividade industrial.

“Temos duas agendas importantes: segurança alimentar e segurança energética. Com a entrada em cena do sorgo ganhamos com a possibilidade de obtenção de mais matéria-prima em uma mesma área, pois ele entra como opção de segunda safra em regiões onde a terra geralmente fica parada neste período, como é o caso do Matopiba. Portanto não é substituição e sim incorporação de uma nova cultura no ano safra”, avalia o presidente da União Nacional do Etanol de Milho (UNEM), Guilherme Nolasco.

Desconhecimento e incentivos

Mesmo considerado o quinto cereal mais plantado no mundo (após milho, trigo, arroz e cevada), o sorgo ainda é assunto de poucos especialistas no Brasil. É muito comum lideranças rurais sindicais e de organizações de cadeias produtivas se esquivarem de avaliar seus impactos e usos, seja por falta de domínio sobre o assunto ou por receio de comprometer o mercado de outras culturas (como soja e milho, por exemplo).

Procurada pela reportagem, a União Nacional da Bioenergia (UDOP) alegou, via assessoria, não possuir um porta-voz sobre etanol de cereais. Dentre as justificativas está o fato de que “majoritariamente nossas associadas produzirem etanol tendo a cana como principal matéria-prima” além de ser “uma entidade como foco em capacitação profissional”.

Foto de sorgo.
Coproduto de alta demanda na nutrição animal, obtido a partir do processamento cereais para a fabricação do etanol | Foto: Ariosto Mesquita/Arquivo

Enquanto isso, o coordenador de Agricultura da (super) Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc) de Mato Grosso do Sul, Fernando Nascimento, admite que ainda “não há nada articulado por parte do Estado para oferecer garantias de investimento ao produtor em uma eventual aposta no sorgo”. Porém, avisa que o agricultor interessado pode se ajustar a dois programas de incentivos: O PDAgro e o MS Irriga. “O primeiro funciona como benefício fiscal através da devolução de parte do ICMS devido. No sogo é de até 30%”. Já o programa de irrigação trabalha, além da isenção tributária, com financiamento pelo FCO (Fundo Constitucional do Centro-Oeste) Irrigação, simplificação de outorgas e redução da base de cálculo da energia utilizada.

A estimativa do Governo de MS é que o estado cultive 210 mil ha de sorgo (safra 2023/2024). Porém prevê uma expansão de 75% em dois anos, ou seja, incorporação de mais 150 mil hectares até 2026.

Etanol de cereais

Alguns especialistas acreditam que a expressão que tende a ser adotada no mercado é “etanol de cereais”. Além da prioridade ao sorgo, por parte de algumas indústrias, no Rio Grande do sul a Be8 (empresa brasileira de energia renovável) anunciou, em agosto deste ano, o início da construção, em Passo Fundo, de uma indústria que priorizará o processamento de trigo e triticale.

A previsão é de que a unidade seja concluída em 2026 com capacidade para produzir anualmente 220 milhões de litros de etanol, 155 mil toneladas de DDG e 35 mil toneladas de glúten vital (concentrado proteico em pó).

Atualizações

11/11/2024 - 16h10 - A programação da Caravana Técnica do Sorgo foi atualizada e as atividades serão realizadas em 2025 e não "ainda neste ano", conforme informado anteriormente.