Agronegócio

Política externa brasileira e os planos de governo

A escolha do próximo presidente para governar o país de 2023 a 2026 requer do eleitor uma análise profunda de suas propostas sobre diversos fatores, o que não é nada fácil de se fazer, uma vez que nem todos os planos de governo apresentados pelos candidatos deixam claro o que pretendem fazer em relação à política externa. Alguns dos planos apresentados sequer mencionam o termo “relações internacionais” ou, quando o mencionam, o fazem de forma genérica ou sem fundamento.

O eleitor mais atento sabe que os problemas nas áreas de saúde, educação, segurança e economia, só para citar os que mais preocupam, estão interligados e que o êxito do governante se dará se ele conseguir administrá-los de modo a fazer com que o país se desenvolva virtuosamente.

Mas, se consideradas somente as pretensões em relação à política externa, qual dos planos de governo atenderia aos anseios daqueles que fazem negócios no mercado externo e criaria oportunidades para o crescimento do país, a geração de empregos e melhoria na qualidade de vida dos cidadãos brasileiros?

Pelo que estava escrito nos planos registrados no TSE em 2018, e mesmo nos debates e outros meios utilizados pelos candidatos para se expressarem, não se podia saber em detalhes quais seriam as medidas efetivamente adotadas pelos candidatos e quais seriam as suas prioridades. Às vezes, percebia-se um indício ou outro sobre o que fariam para cumprir suas pretensões, mas na maioria das vezes restavam muitas incógnitas.

E agora, que elementos temos para poder avaliar e fazer nossa escolha consciente diante do que nos é apresentado?

O que se pode fazer agora é avaliar o plano apresentado pelo governo do candidato eleito em 2018, Jair Bolsonaro, e compará-lo com o que foi feito em relação à sua política externa e aos negócios internacionais.

Daquilo que nos foi apresentado, destaco alguns itens que podem ser avaliados e o que foi possível realizar. O seu plano de governo dizia que:

“A área econômica terá dois organismos principais: o Ministério da Economia e o Banco Central, este formal e politicamente independente, mas alinhado com o primeiro. Para atender ao objetivo de enxugamento do Estado, mas, também, para garantir um comando uno e coeso para a área, o Ministério da Economia abarcará as funções hoje desempenhadas pelos Ministérios da Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio bem como a Secretaria Executiva do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos). Além disso, as instituições financeiras federais estarão subordinadas ao Ministro da Economia”. Dizia ainda que “nosso programa mantém o tripé macroeconômico vigente: câmbio flexível, meta de inflação e meta fiscal”.

Sobre este ponto, pode-se destacar a conquista da autonomia do Banco Central, ou seja, a liberdade que esta autarquia adquiriu para utilizar os instrumentos para o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Destaca-se ainda que o Presidente da República mantém o poder de escolha de toda a diretoria do BC, determinando mandatos fixos e não coincidentes de 4 anos para os diretores e para o presidente, o que traz certa previsibilidade para o mercado financeiro em momentos de eleições presidenciais, por exemplo.

 “Facilitar o comércio internacional é uma das maneiras mais efetivas de se promover o crescimento econômico de longo prazo. A evidência empírica é robusta: países mais abertos são também mais ricos. O Brasil é um dos países menos abertos ao comércio internacional, a consequência direta disso é nossa dificuldade em competirmos sem segmentos de alta tecnologia. Do ponto de vista teórico, a dinamização do comércio internacional funciona como um choque tecnológico positivo no país, aumentando sua produtividade e incrementando seu crescimento econômico de longo prazo.” Em relação à facilitação das importações, o plano dizia: “Propomos, assim, a redução de muitas alíquotas de importação e das barreiras não-tarifárias, em paralelo com a constituição de novos acordos bilaterais internacionais.”

As ações do atual governo sobre os negócios internacionais foram diversas, desde a adoção de uma nova lei cambial, que atualmente está em fase de normatização pelo Banco Central, e outras medidas já adotadas que buscaram facilitar e desburocratizar as operações cambiais, até as alterações nas normas e legislações relacionadas aos procedimentos e rotinas de importação e exportação de bens, em especial aos sistemas informatizados, que, devido ao volume de informações, não cabe descrever aqui.

No que diz respeito ao comércio exterior de serviços, foram adotadas medidas que desburocratizaram e facilitaram os procedimentos operacionais, com o desligamento definitivo do Siscoserv, sistema informatizado no qual os operadores faziam os registros do comércio exterior de serviços.

Quanto às relações exteriores, foram encaminhados e assinados diversos tipos de acordos internacionais, destacando a assinatura do Acordo de Livre Comércio Mercosul e União Europeia e o Acordo de Livre Comércio entre o Brasil e o Chile.

Sobre as questões que envolvem integração internacional, pudemos observar vários movimentos. Entre eles, logo no início do atual governo foi anunciada a saída do Brasil do Convênio de Créditos Recíprocos que o país mantinha com os países da Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), a saída da Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e a sua adesão ao Prosul (Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul). No Mercosul, entre outras pautas, pode-se destacar as difíceis conversações sobre a necessidade de reduzir as alíquotas da TEC (Tarifa Externa Comum).

Em 2021, o Brasil foi um dos países escolhidos para ocupar um assento não permanente no Conselho de Segurança da ONU, bem como pela primeira vez um brasileiro assumiu a vice-presidência de umas das seções da Interpol (The International Criminal Police Organization).

Quanto à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), em janeiro deste ano, os países membros, que representam as economias mais avançadas do mundo, decidiram, por unanimidade, convidar o Brasil a iniciar o processo formal de ingresso. Se bem que, após mais de vinte anos de negociação, em fevereiro de 2019, a OCDE já havia aceitado o Brasil como membro permanente do Comitê de Concorrência da organização.

Analisando os planos de governo apresentados pelos outros candidatos à presidência da República, são muitas as dúvidas, uma vez que a maioria dos candidatos e seus partidos ainda não presidiram o Brasil. Mas podemos ter como base de análise a política externa adotada a partir dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) e a proposta de governo apresentada nas eleições de 2018.

O plano de governo do PT, comparado com os de outros partidos, se estendia mais no que diz respeito à política externa. Entre outros pontos, dizia:

“O Brasil deve retomar e aprofundar a política externa de integração latino-americana e a cooperação sul-sul (especialmente com a África), de modo a apoiar, ao mesmo tempo, o multilateralismo.”

“O governo fortalecerá o diálogo mundial pela construção da paz, retomará a cooperação nas áreas de saúde, educação, segurança alimentar e nutricional, em especial com países latinos e com a África.”

“O novo governo promoverá a integração das cadeias produtivas regionais, o desenvolvimento da infraestrutura e o fortalecimento de instrumentos de financiamento do desenvolvimento, priorizando esforços para fortalecer o Mercosul, a União das Nações da Sul-Americana — Unasul e consolidar a construção da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos — Celac, o fortalecimento do Ibas e Brics, transformação do G8 no G20.”

“O governo estará empenhado em promover a reforma da ONU, em particular do Conselho de Segurança e dos instrumentos de proteção aos Direitos Humanos no plano internacional e regiona..”

“Vai lutar para sediar o Arranjo Contingente de Reservas — ACR — fundo monetário dos Brics e contribuir para os avanços na formulação e participação no Novo Banco de Desenvolvimento — NBD.”

“Para reduzir a volatilidade da taxa de câmbio, o governo vai adotar regulações que controlem a entrada de capital especulativo de curto prazo sobre o mercado interbancário e sobre o mercado de derivativos.”

“Será introduzido um imposto regulatório de exportação, capaz de estimular a elevação do valor agregado nas exportações e minimizar a variação cambial. Este imposto deve acompanhar a variação de preços e formar um fundo de estabilização cambial que beneficiará os exportadores no longo prazo.”

“É preciso aumentar os recursos para promoção do Brasil no exterior.”

No caso das propostas apresentadas por este partido, é possível fazer algumas projeções, uma vez que já presidiram o Brasil por cerca de 16 anos. Mas dúvidas persistem, por exemplo, como seria o seu empenho para “promover a reforma da ONU” e como seriam as “regulações” para controlar “a entrada de capital especulativo de curto prazo” para o controle da volatilidade do câmbio. Seria uma boa medida a adoção de um imposto regulatório de exportação para “estimular a elevação do valor agregado nas exportações e minimizar a variação cambial”?

Quanto às medidas que pretendiam adotar em relação aos relacionamentos com países e organismos latinos e africanos, sabe-se que o partido já coleciona algumas experiências. Entre elas, o repasse de recursos do BNDES para o governo de Cuba modernizar o porto de Mariel e para a Venezuela, na expectativa de que criaria oportunidades para empresas brasileiras naqueles países, mas o que resultou, na verdade, foi a inadimplência nos pagamentos de ambos os países, tendo o BNDES acionado o FGE (Fundo de Garantia à Exportação), ferramenta utilizada para cobrir a falta de pagamentos das operações de empresas brasileiras no exterior.

Pode-se ainda citar a expropriação da subsidiária da Petrobras pela Bolívia em condições muito desfavoráveis aos cofres públicos brasileiros, bem como a aquisição da refinaria de Pasadena, no Texas/EUA. Houve também a aceitação da Venezuela como membro do Mercosul, que gerou muitas discussões e críticas pelas circunstâncias em que esta adesão ocorreu e, ainda, o desprezo pela criação da Alca — Área de Livre Comércio das Américas e em seu lugar a criação da Alba — Aliança Bolivariana para as Américas.

Ainda é cedo para decidirmos e avaliarmos o que será melhor para o país, uma vez que ainda não há candidatos oficiais e planos de governo apresentados para a próxima eleição. Mas já é possível fazer algumas comparações se considerarmos que as pesquisas eleitorais apontam para um segundo turno envolvendo o candidato do atual governo e o candidato que já presidiu o país. Qual seria a melhor opção? Dar continuidade às ações adotadas pelo atual governo ou retomar a política externa dos governos anteriores?

*Zilda Mendes – professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie, atua nas áreas de comércio exterior e câmbio.